quinta-feira, 25 de julho de 2019

A adoção....






A adoção é um processo que abarca diversos processos psíquicos, tanto para a criança adotada como para a família que adota, é uma nova família e é um novo membro na família. É um processo que envolve adaptação de ambas as partes, na verdade tal como envolve o nascimento de um bebé, é momento de reorganizações das representações para o acolhimento de um novo membro com condições psicoafetivas satisfatórias. Este acolhimento envolve uma preparação, tal como envolve a gravidez, uma preparação do novo que está a chegar, onde também é necessário passar pelo processo de transformação da criança imaginária (idealizada) na criança real. Esta transformação é crucial para a construção futura da relação de filiação.

Apesar de podermos comparar diversos momentos com o nascimento de um bebé, a adoção pode trazer outro tipo de angústias e medos, medo do desconhecido, medo de um passado desconhecido e de possíveis reações e decisões futuras. À partida existe logo o primeiro impacto que poderá ser confuso, angustiante, quando falamos de uma adoção que envolve uma criança institucionalizada, onde os pais se confrontam com uma realidade que muitas vezes não é a sua realidade e que pode levar a sentimentos distintos. Depois deste primeiro impacto inicia-se todo o processo que envolve as questões legais que “ocupam” muito do tempo à construção da relação filiação, podendo fragiliza-la. Por um lado emerge a vontade de criar uma relação com a criança, por outro lado existe sempre a dúvida (inevitável): irá ela de facto fazer parte da nossa família? Estamos a falar de anos com estas incertezas, com estas angústias, até chegar o momento em que (nos casos bem sucedidos) chega a notícia de que é oficial, de que é real, a criança “já é deles”.

Passada esta fase vem a realidade, a realidade de uma nova família, uma família que tem mais um e que implica automaticamente reorganização, tanto para os pais (e irmãos) como para a criança. Na criança, a adaptação a uma nova vida, a reorganização das ligações e das relações, sendo o papel dos pais crucial no seu comportamento, reconstruindo um continente psíquico que permita que esta fase seja contentora e segura. Nos pais, igualmente a adaptação, mas também as incertezas, agora outro tipo de incertezas, mas ainda assim incertezas. Incertezas sobre o passado da criança, sobre as consequências que esse poderá ter no seu comportamento futuro, incompreensão de comportamentos que já vêm pré-adquiridos, dúvidas de qual a melhor forma de os ajustar e adaptar. E ainda dúvidas sobre se esse comportamento está realmente associado ao passado ou se poderão eles, pais, ter falhado em algum momento…
E se quiser procurar a família quando for maior de idade? E se quiser saber qual é o seu passado? E se começar a fazer perguntas? Estas são questões que surgem (ou poderão surgir) e que levam a um enorme conflito interno nos pais, ao longo do crescimento da criança. Questões estas que trazem atrás muitas outras que não estão relacionadas apenas com a adoção em si, mas também com o funcionamento psíquico, as vivências, os fantasmas e os medos dos pais, enquanto seres individuais e enquanto casal.

Contamos ou não? Quando é que contamos? Como é que contamos? Será que existe uma maneira certa de o fazer? Será que já sabe? Vai compreender? Estas são outras questões que poderão eventualmente surgir, o momento de explicar que a criança é adotada…
Nestes casos, em que estas questões se tornam “demasiado” angustiantes e difíceis de ultrapassar, os pais precisam de suporte, evitando que os conflitos internos que surgem se transformem num sofrimento e desorganização psíquica no futuro, tanto para a criança como para os pais. É neste sentido que o apoio psicoterapêutico poderá entrar também na adoção, sendo utilizado como um espaço securizador e contentor de todas essas angústias. 



terça-feira, 23 de julho de 2019

Uma questão de coluna...






Um dos mais conhecidos alongamentos passivos para a coluna, Jefferson Curl, continua a não ser consensual no seu uso, mas sabendo que a maior parte da população sofre de falta de mobilidade/rigidez na coluna, será importante incluí-lo na rotina de treinos?

A ideia por trás do movimento é aumentar a resiliência da coluna quando em flexão, alongamento dos isquiotibiais e multifidus. 
O Dr. Stuart Mcgill, pesquisa há mais de 30 anos sobre a coluna e desaconselha a flexão lombar, pois esta é uma causa conhecida e bem documentada de protuberância e degeneração do disco lombar. Não menos verdade, é o facto de grande partes destes estudos serem feitos em colunas de animais mortos, nomeadamente porcos, pese embora a similaridade de ambas as colunas, o ser humano adopta uma posição bípede e não quadrúpede.

Este exercício pode ser prejudicial para pessoas que passam grande parte do dia em flexão (trabalhadores que estão muitas horas sentados, por exemplo).
Há quem defenda que com trabalho de progressão lenta da coluna em flexão, o corpo é capaz de reconstruir o material danificado no disco e, finalmente, construir uma coluna mais forte e resiliente. Alguns investigadores, demonstraram ainda que a forma do disco foi preditiva do risco de hérnia.

Este exercício pode ser benéfico para as pessoas que estão em extensão por um longo período de tempo (ginastas, halterofilistas, patinadores).
Os problemas por norma surgem quando a dificuldade e/ou a exigência de um exercício são maiores do que a capacidade natural do corpo. Um corpo preparado, é inevitavelmente um corpo mais forte e seguro.

CONCLUSÃO
Há diversas variáveis que influenciam a saúde da coluna, logo é preciso perceber qual a capacidade do aluno/atleta que temos à nossa frente, questionar se é ou não correcto tendo em conta para que fim se destina o movimento/exercício e em função disso criarmos diferentes tipos de estímulos no treino

Bons treinos 
Hugo Silva



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre



quinta-feira, 11 de julho de 2019

No jogo de “quem tem razão?” todos são derrotados ...






Ter ou não ter razão... Inúmeras vezes, parece ser esta a ideia principal que é jogada nas relações humanas. Assim se configura um jogo de natureza competitiva, ou seja, com aparentes vencedores e vencidos. Alguém deverá ter razão sobre um qualquer assunto e, quem não pensar dessa forma, estará errado. Tenta-se, assim, submeter o outro a uma determinada opinião, seja ela qual for. O opressor será o vencedor e o oprimido será o derrotado. Mas será mesmo assim? Neste modo relacional haverá mesmo algum vencedor ou só derrotados?
O suposto vencedor de uma discussão, com uma opinião muito limitada – porque excluiu a opinião de, pelo menos, um outro – será, obviamente, um pobre e ilusório vencedor, ou seja, mais um real derrotado.

Por conseguinte, um sinal que será muito importante observar com atenção é o julgamento pernicioso e errado de que alguém terá acedido à verdade absoluta, num qualquer debate/discussão, porque, nesses momentos, se verificará um fechamento ao mundo relacional e, com isso, se comprometerá o desenvolvimento que a atitude curiosa à novidade do outro poderia trazer. Neste sentido, para que a dinâmica relacional não conduza, de forma mais ou menos consciente, a uma sensação de derrota de todos os envolvidos, a humildade não será apenas uma expressão simpática face aos outros; será, sobretudo, uma escolha inteligente: “Só sei que nada sei” (como disse o filósofo Sócrates); sim, porque, dessa forma, abre-se, de forma abrangente, a mente ao desconhecido… Talvez não seja possível lá ficar muito tempo, dado o medo típico face ao desconhecido e a consequente tendência humana à fixação em alguma ideia mais habitual, mas o processo de aceder, mesmo que por breves momentos, ao campo de inúmeras possibilidades e perspectivas é o que parece (não pretendo ter um pensamento rígido) expandir, realmente, a mente.

No entanto, importa estar ciente de que as boas relações – aquelas que são benéficas para todos os envolvidos – não deverão radicar propriamente na mera tolerância, mais ou menos condescendente, às perspectivas dos outros, mas sim no apreciar e valorizar as múltiplas interpretações sobre um determinado fenómeno, as quais, naturalmente, serão sempre, pelo menos, um pouco diferentes entre si. Mas quem ganhará com isso? Nestes casos, serão todos os intervenientes, porque, nesses processos, serão tecidos elos de ligação entre as diversas visões restritas, resultando em expansões de consciência, de conhecimentos e de qualidade das próprias relações pessoais – dada a atitude de aceitação e genuíno interesse pelas opiniões de todos.

Na realidade, não será a plena concordância a base para uma autêntica e boa relação humana, na medida em que a discordância, ainda que seja percebida como pequena, é inevitável: cada pessoa pensa, sente e age de uma forma única e em sistemático processo, em maior ou menor grau, de mudança. Tendo isto como premissa, o relevante, mesmo, será abraçar a diversidade humana – numa atitude de real respeito e valorização das vivências de cada pessoa – mediante o reconhecimento que tais ligações, entre pessoas inevitavelmente diferentes, enriquecem as experiências humanas e facilitam um contacto relacional afectivamente próximo e profundo.

Naturalmente, é neste enquadramento de uma boa relação que se situa a experiência psicoterapêutica, através da qual o(a) psicoterapeuta, numa atitude benévola e de real cuidado, coíbe-se de fazer julgamentos e juízos críticos sobre as vivências do(a) paciente. Tal postura psicoterapêutica aceitante e acolhedora facilitará, assim, no decorrer da relação terapêutica, um processo de abertura à intersubjectividade, numa partilha de perspectivas promotora de uma compreensão expandida sobre os mundos interno e externo de cada paciente. 








quinta-feira, 4 de julho de 2019

Um dia qualquer...







                Estabelecimento Prisional X (nome fictício). 12h40 de mais um dia cinzento. O cenário é o habitual: a luz branca, artificial, ilumina a frieza e dureza do aço e restantes materiais. Enquanto tiro notas sobre o último paciente da manhã, o telefone toca, ao fundo. O guarda atende e ouço-o dizer: “Vou falar com o Dr. e já te digo qualquer coisa”. Aproxima-se do meu gabinete. “Dr., o YZ (número fictício) cortou-se. O meu colega diz que ele está passado, que já partiu a cela toda. Diz que só fala com o psicólogo”. “E o Graduado, que diz?”, pergunto. “Para o Dr. decidir se o recebe ou não”. Penso por alguns instantes. “Okay. Diga ao Chefe de Ala que pode deixar vir o homem.” Dirijo-me ao gabinete de Enfermagem e dou conta do sucedido. “Esse? Outra vez? Podia cortar-se de uma vez!”, diz uma das Enfermeiras. Olho-a com censura. “Estou a brincar Dr.”. “Será que está?”, penso. Volto ao meu gabinete com a dúvida: “Será que o transbordamento agressivo se deve, apenas, à possibilidade do recluso lhe atrasar o serviço? Está apenas farta dele? Pergunto-me se o cortaria ela mesma, se tal não implicasse qualquer consequência para si?” Pergunto-me, ainda, se a minha indagação não terá que ver com uma projecção minha. A verdade é que muitos destes indivíduos são extremamente incorrectos, não só entre eles e para os guardas, mas também para os técnicos de saúde, sendo os elementos da equipa de enfermagem, por hábito, os mais visados: desvalorização, ofensas e, pontualmente, agressões, são alguns dos ataques desferidos ao ritmo das circunstâncias; e que, por mais vezes do que seria desejável, acabam por ferir-lhes os narcisismos.
                Entretanto, o pórtico apita. Ouço a voz do DANIEL (nome fictício). Taciturno, balbucia qualquer coisa. Levanto-me e percorro o corredor. O guarda pede-lhe que se posicione para a revista. Ele diz que não é necessário; que traz uma lâmina. O guarda ordena-lhe que a entregue. Nega, com um meneio de cabeça. Diz-lhe ainda que deve ser assistido pelas Enfermeiras. Volta a negar, com o mesmo gesto. Aproximo-me. “Boa tarde DANIEL. Vamos falar um pouco?”. “Já não há mais nada a dizer!! Isto acaba hoje”. “Mais ainda nem falamos, venha lá. Conversamos lá dentro. Entregue a lâmina ao Sr. Guarda, para podermos ir.”. “Não entrego! Eles põem-me logo ali”, aponta para a Secção de Segurança. “Primeiro falamos, depois logo se verá o que acontece”. (...) Cede, hesitante. É fulcral não garantir-lhe o que quer que seja. Tal pressuposto representaria meio caminho andado para a eventual manipulação do setting terapêutico. “Tem a certeza que não quer tratar os cortes?”. “Não vale a pena, que eu arranco tudo”, afirma com aparente desdém. “Pois, mas pelo menos deixe a Sra. Enfermeira colocar-lhe uma compressa. Já sabe como é.”. Dirige-se à sala de tratamentos, reticente. Sabe que não o irei atender sem que proteja a ferida. Também já aceitou vir ao gabinete e não irá agora recuar. Feita a negociação por ordem inversa, esta duraria mais 10 ou 15 minutos.
                Enquanto aguardo, percorro mentalmente a sua história e processo de acompanhamento psicológico. DANIEL é um trintão, com ar de quadragenário, que tem mais anos de reclusão e institucionalização do que de liberdade: é o epítome do cadastrado. Outrora, chegou a dominar pátios e alas, pela força. Hoje, na gíria, é uma piranha, um mero carocho. Poli-toxicodependente desde a adolescência, a espaços e consoante as circunstâncias intra e extra-muros, o seu continuum sobrevém: consumos - dívidas - conflitos; desnorte após desnorte, pena após pena, cadeia após cadeia. Atendi-o pela primeira vez, também em SOS, há algumas semanas. Após alguma resistência aceitou falar um pouco. Desde aí, tem estado em processo de acompanhamento psicológico, ao qual tem aderido de forma pouco investida. Todavia, vai aparecendo; algo que já é significativo, no seu caso em particular.
                Ouço passos. “Está aqui o homem Dr.”, diz o guarda. “Entre DANIEL... sente-se, por favor.”. Senta-se, suspira e lança o olhar ao chão. Assim fica durante algum tempo. Agito-me internamente, pois conheço o seu registo dramático. Tento controlar-me para não me mexer sobremaneira, mostrar-lhe-ia que exaspero. Espero serená-lo, pelo contrário. Foi a leitura psicanalítica da situação clínica, que me permitiu pensar esta contra-transferência de impaciência, mesmo de alguma perturbação, que me impelia a questioná-lo, amiúde, nestas situações, correndo o risco de ir ao encontro das suas expectativas transferenciais de teor anaclítico, que sempre procuram criar no outro, de forma passivo-agressiva, manipuladora, a ideia de que este outro tem o seu destino nas mãos e é seu responsável último, desresponsabilizando-o a ele do que quer que seja. No fundo, eis a comunicação subliminar: “vê como me permites sujeitar-me à minha própria violência e te tornas cúmplice dela”. Ainda assim, o seu registo caracterial é mais forte, mais imperativo; o funcionamento narcísico-limite impõe-lhe que teste o setting continuamente. Sussurra: “Estou farto disto. Já nem você me pode ajudar. Nem sei para que vim falar consigo”. Numa outra sessão perguntar-lhe-ia porque continua a vir, quando é chamado, se julga que não o posso ajudar. Já hoje... “deixe-me primeiro perceber o que se passa, para saber como o posso ajudar”. Fica perdido, pois esperava a primeira hipótese. Também por isso, não resiste: “Sabe porque entreguei a lâmina? (...) Na boa... tenho outra.”. Tira uma lâmina da boca e aproxima-a do braço. “Se eles não me resolverem a vida, desta vez corto as veias”. Olha-me, provocador, à espera de uma reacção. O tempo pára…
                No Estabelecimento Prisional X, onde as várias dimensões da degradação humana estão presentes, a frequência destas situações entranha na nossa prática clínica uma frieza por vezes assustadora. Do Canto Terceiro da Divina Comédia, um dos mais antigos reclusos do Sistema Prisional costuma vociferar para os recém-chegados: “Ó, Vós que aqui entrais. Abandonai toda a esperança”.
                Avalio o risco. Meço a distância entre ambos e pergunto-lhe: “DANIEL, não acha que é melhor pousar a lâmina, para podermos conversar?”. Revolve-se na poltrona, nunca afastando a lâmina do braço. “Não pouso lâmina nenhuma, enquanto eles não me resolverem a vida”. Arrisco e levanto-me. Pego num pouco de papel, coloco-o próximo dele. “DANIEL, coloque aí a lâmina. Se não o fizer, vou lhe pedir para sair. Como vai ser?”. Olha-me por algum tempo, imóvel. Finalmente, cede e pousa a lâmina, que recolho. “Diga lá!”, exclama. “Diga-me você. Afinal o que se passa?” Conta que está desesperado, que não aguenta mais. Que já não dá. Que tem de ser transferido. Que neste EP já não pode ficar. Está de novo atolado em dívidas. Consumidor ávido de heroína, acumulou calotes nos dois pavilhões onde esteve anteriormente. No que se encontra agora - onde acabou de chegar - tem as contas ainda controladas. Pouco importa. Não falta aí quem queira cobrar as dívidas de outros, que esteja disposto a tudo para fazê-lo. Na prisão é assim: nenhuma dívida se esquece e, se necessário, será cobrada em liberdade. São esses que o atazanam: os cobradores. A dinâmica é simples: quem cobra fica com uma parte da dívida; dívidas que dobram de semana para semana, de data para data. Aqui, a conta do juro mais o spread é fácil de fazer: 100%. Como é frequente, DANIEL está fechado a seu pedido. Para evitar problemas. Para sua protecção, a bem dizer. Isso significa que está confinado à sua cela de habitação durante todo o dia, à excepção da hora a céu aberto preconizada por lei; e que, nestes casos, se transforma muitas vezes em 20min., que servem para pouco mais do que tomar um banho e dar algumas voltas entre gradões. Tomou esta decisão já depois do nível de pressão, de violência, se tornar insuportável. Quer isso dizer que já foi avisado, ameaçado, coagido, ofendido, agredido, torturado... não necessariamente por esta ordem e de diversas e reiteradas formas. Porém, ficar fechado não significa, per si, a eliminação dos riscos, muito menos a não sujeição à acção dos que o atormentam. As vozes que entram pela janela que dá para o pátio, ou pelo postigo da sua porta, ditam sempre a mesma sentença, a pior que um recluso pode ouvir dos seus pares numa cadeia: “chibo!!”. Os bilhetes que entram por baixo da porta... todos lhe indicam o mesmo: ameaças de sevícias e morte, com expressões e requintes de malvadez impronunciáveis. E tudo isto é vivenciado todo o dia, durante dias, semanas, meses por vezes, num espaço que permite pouco mais de um par de passos em cada direcção. Um espaço onde, no seu caso - visto até a televisão já estar no prego - a privação neuro-sensorial atinge um nível desumano e desumanizante. A violência mantém-se; é portanto transversal, apenas a sua face muda. Para a psicodinâmica individual do DANIEL, onde o controlo de impulsos é quase inexistente e a passagem ao acto a defesa por excelência, está então sempre composto o cenário para o descalabro. A ideação agressiva é assim uma constante, atravessando todo o seu discurso... e esta sessão. Já a gradação e direcção da mesma são variáveis. Auto-dirigida: da imperatividade das auto-mutilações, até à ideação suicida semi-estruturada, expressa em ameaças veladas de teor apelativo-manipulatório; ou hetero-dirigida: começando na agressão e culminado no homicídio dos seus carrascos. Olho para as paredes e só me apetece dar lagartadas nos braços... mas às vezes apetece-me é acabar com isto tudo... pôr a corda de uma vez...”, recosta-se por uns breves segundos, “também já não quero saber... já disse o que tinha a dizer, vou é abrir-me e apanhar um com um ferro, pode ser que os outros pensem duas vezes.. se não chegar pego num aço... eles que venham, pelo menos um levo comigo, se é para alguém chorar, vai chorar a mãe dele, não chora a minha.”
                Recordo o que Freud referiu na quarta das suas novas conferências, a propósito da então denominada pulsão de destruição. Para Freud, esta conheceria três etapas distintas e a sua expressão violenta teria diversas orientações. Num primeiro momento esta pulsão dirigir-se-ia para o exterior; num segundo momento, a pulsão, por força de encontrar obstáculos, retornaria para o interior do indivíduo e transformar-se-ia em atitudes de auto-destruição; sobre a última etapa afirmou: “tudo se passaria como se fossemos forçados, para evitar a nossa própria destruição, a destruir outros”. E se esta dinâmica está particularmente patente do discurso do DANIEL, é de igual forma generalizável ao modus vivendis na instituição prisão - aqui, a máxima “ou eu ou o outro” assume importância major.
                Entre desesperança e desalento, vai ainda projectando todas as responsabilidades da situação em que se encontra; Director, Chefe de Guardas, TSR, Psiquiatra, Clínico Geral - ninguém escapa. Sobre a sua própria atitude e comportamentos nem uma palavra. Foi outrem que se endividou, afinal. Ouço tudo isto circunspecto, fazendo meros e pontuais apontamentos, que servem para o confrontar com algumas incoerências e tentar esbater a pretensa ideação suicida - por precaução -, recordando-lhe que não está farto de viver, que está é farto da situação em que se encontra; o que, no seu caso (cujo horizonte há décadas não ultrapassa os muros), passa por relembrar-lhe como nos períodos em que consegue estar abstinente, o seu quotidiano é bem mais calmo. Aparentemente, DANIEL vai serenando um pouco. Parece sempre que esta atitude pouco flexível e directiva lhe provoca alguma constrição da agitação e sobretudo da impulsividade mais limite. Com efeito, parece que cada vez que lança ameaças agressivas auto e/ou hetero-dirigidas e tendo a não valorizá-las, destituo-as do seu valor simbólico, enquanto expressões de uma destrutividade imanente, ao mesmo tempo que lhes invalido um eventual valor prático, enquanto ganho terapêutico secundário. Neste particular, esse ganho poderia passar pelo agendamento de uma avaliação de urgência no Hospital Prisional e o eventual internamento subsequente, se DANIEL se revelasse hábil, o suficiente, para convencer o médico psiquiatra que estivesse de chamada, da validade e risco da sua ideação agressiva - no fundo, alguns dias de descanso, longe de todas as suas problemáticas. Esta directividade, noutros contextos tecnicamente pecaminosa, aqui é pedra basilar da nossa prática, sobretudo pela fraca capacidade reflexiva, que a larga maioria dos nossos sujeitos apresenta. Neste caso, por sentir que DANIEL não tem insight suficiente para pensar a sua própria destrutividade, raramente lho solicito. Tento apenas afastá-lo das vicissitudes limites da mesma. Concomitantemente, privo-o da possibilidade de sequer inferir - consciente ou inconscientemente -, que os reflexos mais ou menos directos desta, possam condicionar as minhas decisões clínicas e, mais que isso, os meus pareceres técnicos. No limite, também a nossa prática clínica conhece, em parte, uma dimensão violenta; ainda que elaborada. Esta asserção é particularmente fundada no fenómeno contra-transferencial; sobretudo, pelas implicações que o acting-out e postura apelativo-manipulatória destes sujeitos provocam na nossa abordagem. Este aspecto, reforçado pela relativização e banalização diária da violência e coadjuvado pela necessidade última de evitar homicídios e suicídios entre a população que atendemos, conduz, por vezes, a um registo hiper-pragmático e focado no controlo do sujeito, condicionando-o. É também neste limbo constante, que se constrói a relação e se desenrola o processo terapêutico com as personalidades narcísico-limites, funcionamento mental mais representado no contexto prisional e no qual, talvez, a dimensão destrutiva e violenta da existência psíquica seja mais norteadora.
                Entretanto, a compressa já não é capaz de conter o efeito da impetuosidade do DANIEL... e o sangue escorre até ao pulso, do pulso para até ao indicador, do indicador para o chão do gabinete.  Conduzo a sessão para o seu término, dando-lhe conta do que irá ocorrer. Será conduzido à Secção de Segurança, onde irá ficar em medidas cautelares, na pendência do processo disciplinar que lhe será instaurado, pelos danos causados na sua cela. No fundo e ainda que não o diga, sei que tal resultado não lhe desagrada de todo. É apenas mais uma violência necessária. Um mal menor. Quando lho transmito, tenta encenar uma reacção negativa, mas que pouco condiz com o que dirá pouco depois. “Fechado e sem televisão já eu estou, ao menos ali ninguém me chateia”.  Enquanto abandona o gabinete diz-me: “Obrigado Dr. Depois vá lá à Secção, se não começo a bater mal e… ”. “Quando puder DANIEL. Já sabe que não me esqueço de si.”.
...
                Esta sessão... o caso de DANIEL, como tantos outros que compõem o quotidiano do sistema prisional, é paradigmático da perversão desse mesmo sistema, suas premissas e agentes. Já tendo sido ultrapassada, há longas décadas, a visão exclusivamente punitiva deste dipositivo de controlo, o sistema almeja, actualmente aos três “rs” - regenerar, reeducar e reintegrar. Porém, o paradoxo é gritante: privamos da liberdade homens, mulheres, rapazes, raparigas, por violências impostas à sociedade (aos seus membros e leis) e depositamo-los num local onde, raramente, há lugar para outro homem, que não o homo violentus - expressão cunhada por Roger Dadoun. Um espaço que solicita e incita o irromper das condutas mais agressivas e destrutivas do ser humano, num contexto de sobrevivência limite. Fazemo-lo, arrumando-os e escondendo-os, longe da nossa vista, da nossa percepção, em clara recusa de uma parte da realidade, ao bom e requintado estilo perverso; esquecendo-nos que, mais tarde ou mais cedo, voltarão a estar entre nós. Um contexto no qual a violência impera, é lei; física ou nas suas outras diversas formas, define a vida da e na prisão.
                Aqui, mais do que em qualquer outro local, a violência ecoa num fundo de destrutividade.



Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia



quarta-feira, 3 de julho de 2019

Treino de Força VS Treino Aeróbio







Perde horas intermináveis a correr na passadeira, na esperança de emagrecer ou melhorar a sua resistência aeróbia? Tem medo de fazer só treino de força, porque acha que vai ficar com muita massa muscular? Temos boas notícias para si: o treino de força poderá ser suficiente para emagrecer e melhorar a sua resistência.

Opte por fazer treino de força ou treino intervalado de alta intensidade em circuito pelo menos 3 vezes por semana. Inclua apenas exercícios e movimentos que recrutam e envolvam os principais grupos musculares (agachamentos, peso morto, lunges, flexões, elevações, burpees, etc). Coloque alguns sprints nos minutos finais do treino (ex:5 séries de 100 metros na passadeira a uma velocidade alta). O treino aeróbio de longa duração aumenta o cortisol e o stress oxidativo. O stress oxidativo acontece quando o corpo produz mais radicais livres em resposta a ambientes ricos em oxigénio, que é o caso do treino aeróbico longo. Baixando significativamente o seu sistema imunitário.

Se gosta de combinar treino aeróbio com treino de força, mas não sabe qual fazer em primeiro lugar ou se deve fazer em dias diferentes, alguns estudos parecem responder a esta dúvida. Segundo alguns estudos, a perda de gordura ocorreu apenas nas pessoas que fizeram treinos em dias alternados, mesmo mantendo a alimentação semelhante. Outro dado curioso, foi o aumento da capacidade aeróbia ocorrer de forma mais significativa em quem treinou em dias alternados.

Em jeito de conclusão:
- Opte por treinos de força de forma intervalada ou em circuito;
- Deixe de fazer treinos aeróbios longos;
- Esqueça as horas intermináveis no ginásio;
- Alterne os diferentes tipos de treino;

Aconselhe-se sempre primeiro com um profissional do exercício.

Bons treinos
Hugo Silva



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre