quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Notas soltas de clínica. ...

 



“Dr.ª, não sei como lhe explicar o que sinto, acho que nem sinto, é um vazio que não acaba. Se me pedir para desenhar, desenho um buraco negro”.

Não raras vezes estreámos assim. Aquela tarde abriu profundamente triste. Como se olhasse um quadro de cores escuras de angústia e de uma desorganização desconcertante. Oiço a confusão espácio-temporal. Vejo um corpo sem alma, um mundo interno pobre e povoado de fantasmas. À medida que fala sinto o seu medo de poder estar perante um novo fantasma. A sua vida tem sido uma vastidão de dor. Não há movimento nos gestos, não há coordenação, há rigidez e desconfiança. Faltaram os braços da mãe. É a imagem que me ocorre. A ausência de um ambiente confiável e sustentador. Faltou brincar, explorar, experimentar e integrar.

E perante este terramoto interno de pedaços estilhaçados, escuto e amparo, permito-me compreender a realidade das suas singularidades. No horizonte – retomar o processo de constituição do Ego que ficou suspenso, através de uma Nova Relação. “É esta nova relação expansiva e sanígena que determina a mudança curativa – a construção e consolidação de uma outra e mais satisfatória e mais produtiva relação interpessoal.” (António Coimbra de Matos, 2016).

Vamos ainda no início do caminho. Por vezes longo para quem se sente vazio há uma vida inteira. “Não sinto nada, não sei se há melhoras. O buraco negro continua dentro de mim, mas sinto segurança aqui”. Progressivamente o espaço terapêutico torna-se acolhedor como os braços de uma mãe. Há espaço para narrar a sua história. Há confiança para abrir o seu mundo interno, permitir que surjam imagens e emoções. Na tela parece prevalecer o caos, o medo, a angústia. Percebe-se uma história infantil onde o ambiente familiar não foi facilitador dos processos de maturação. Abrimos caminho à ressignificação da sua história, construindo uma simbolização. “(...) os pensamentos começaram a soltar-se e a encadear-se, num movimento de maior compreensão da realidade externa e interna, através duma abertura, que possibilita a passagem do real para o imaginário e do imaginário para o simbólico.” (Ferreira, 1999).

Avançámos. O espaço terapêutico acolhe o vazio. “Já não vejo o buraco negro todos os dias, às vezes sim, mas muitos dias não”. A nova relação dá lugar a uma tela interior de cores, é possível a transformação e expansão. O buraco negro começa a desvanecer e dá lugar à esperança, à novidade, ao futuro.

O horizonte da psicoterapia - alicerçar na pessoa o seu sentido de singularidade, espontaneidade e autenticidade. Num caminho, sem pressa de chegar, de relação entre a díade – terapeuta e paciente - no qual ambos descem às paisagens do mundo interno e recuperam a possibilidade de renascimento. Renascer numa nova relação, renascer em liberdade.

Continuámos. Começo a ver a alma hasteada no corpo. Há medo de cair, mas há força e crescimento egóico capaz de enfrentar a angústia. A nova relação é internalizada e permite desfolhar novas relações, mais significativas e satisfatórias. O terapeuta – parece estar a ser suficientemente bom.

 

 Drª. Soraia Almeida

Canto da Psicologia -Braga

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

E depois do vírus? Quando recomeçar o exercício?

 



Sabemos que a cada dia que passa, mais gente fica infectada com o novo coronavírus. Não deixando de ser alarmante, grande parte das pessoas afectadas por este vírus recupera.

O Covid-19 é essencialmente uma doença do trato respiratório, sendo que afecta não apenas o sistema respiratório como compromete os índices físicos, respiratórios,  pulmonares, olfacto, mobilidade, stress, entre outros. As ultimas recomendações da OMS e estudos dos efeitos do vírus sobre a saúde, indicam que o exercício deve ser iniciado até um mês após a fase aguda da doença se ter manifestado. Isto porque, partindo das sequelas que a doença provoca, grande parte dos doentes ficam com a função pulmonar, cardiovascular e circulatória comprometidas. Neste sentido, o exercício físico poderá ser um grande aliado e  deverá ser estruturado em conjunto com o acompanhamento médico. Treino de força com baixo volume e alguns exercícios de resistência aeróbia de baixo intensidade/impacto deverão fazer parte da rotina das pessoas que recuperaram. Todos os casos deverão ser individualizados, supervisionados e retificados sempre que se justifique face a alguma contra-indicação.

O exercício de forma ajustada, será um grande coadjuvante para uma recuperação mais rápida e saudável.

 

Bons treinos

Hugo Silva

Instagram: hugo_silva_coach

-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Mexa-se, pela sua saúde....

 



Neste momento todos sabemos que o papel do exercício é fundamental na promoção de saúde e prevenção da doença. Doenças como: Diabetes, Hipertensão, Obesidade, Cancros,  Cardiopatias, Osteoporose, entre outras, podem ser prevenidas com exercício regular e estruturado. Com o confinamento, grande parte da população idosa refugiou-se em casa devido ao receio de contágio, logo, mesmo esta população que era fisicamente ativa perdeu alguns dos benefícios do exercício regular. É fundamental que nesta fase de maiores cuidados e distanciamento físico, não se aumente ainda mais o distanciamento social. Neste sentido, é importante que filhos, netos ou parentes mais chegados procurem arranjar soluções seguras para que as pessoas mais velhas da família continuem a exercitar-se, quer seja através do contacto direto com treinadores por via online ou de forma segura e presencial num ginásio que cumpra as regras de higiene e segurança.

É importante mantermos os nossos pais ou avós seguros do Covid, mas continua a ser imperial que estes continuem a mexer-se sob pena da sua qualidade de vida retroceder.

 

Bons treinos

Hugo Silva

Instagram: hugo_silva_coach

-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

O Regresso à “Normalidade” da Escola...

 



O regresso à escola está cada vez mais próximo e este regresso vem, todos os anos, associado a algo novo, ao retomar depois dos meses de pausa em que tudo recomeça. E este ano?

Este ano é semelhante, o recomeço existe, como em todos os outros. Essa parte não sofreu alterações. Mas, este vem com um peso acrescido, com o peso de algo que todos estamos a experienciar e que, de uma forma ou de outra, vem com receios e ansiedades associadas. Esta experiência exigiu e continua a exigir alterações das rotinas e hábitos que já estavam incutidos e que, de forma repentina, tiveram de sofrer (re)adaptações. E como estará esta experiência a ser vivida pelas crianças e adolescentes?

Estas readaptações, que envolveram a fusão entre o espaço de descanso, de momentos em família, com o espaço escolar que, de um dia para o outro, “passou a ser na minha sala”; que, de um dia para o outro, fez com que “só pudesse ver os meus amigos pelo ecrã” (ou que nem assim fosse possível); que, de um dia para o outro, “me proibiu de fazer o desporto que fazia”; que, de um dia para o outro, “me impediu de ver os meus avós”; que, de um dia para o outro, “me trancou em casa”; que, de um dia para o outro, fez com que tudo ficasse confuso, o espaço de lazer e de descanso, com o espaço de trabalho e de estudo. A sala onde se via televisão, se jogava e brincava, o quarto onde se dormia e brincava passou a ser também a sala de aula, sem o caminho até casa para separar esses momentos tão distintos.

Todas estas alterações, todas estas questões merecem especial atenção, merecem que se dê especial atenção aos comportamentos, reações emocionais, sentimentos, das crianças e adolescentes, que passaram por todo este processo e que vão agora ter de lidar com novas (re)adaptações.

Nas crianças, ao longo deste tempo, foi possível perceber a dificuldade em integrar a alteração do contexto escolar, a dificuldade em perceber o que tudo isso representa, a dificuldade em compreender o porquê de não ver o(a) amigo(a), porque “eu não estou doente”. Agora, irão existir novas questões e poderá existir alguma resistência, depois de tanto tempo de afastamento. Em primeira instância, a dúvida de como será este novo ano, depois a possível dificuldade de pensar sobre as diferenças que vão existir, tais como a impossibilidade de brincar com todos os amigos com quem brincava, algo que é tão inato numa criança, pode ter agora limitações. E, se não existirem tantas limitações a esse nível (dependendo da faixa etária), irão existir receios do toque, depois de tudo o que foram assimilando nestes meses? Que consequências que poderão ter estas limitações no futuro? Na saúde mental das crianças?

E a mudança de ciclo? A esta mudança, que já envolve por si só ansiedade, devido a todas as adaptações já anteriormente necessárias, acresce mais uma vez as regras que terão de ser cumpridas e que terão de passar a fazer parte do normal no contexto escolar das crianças. “Será que me vou adaptar?”, “Todos dizem que este ano é difícil, que é muito diferente”, “Será que os meus amigos ficam na minha turma?”, “Vou conseguir fazer novos amigos?”. Podem ser questões difíceis de gerir, dependendo de cada criança, em circunstâncias que consideraríamos “normais”, e que se vêem agora aumentadas.

Nos adolescentes, algumas questões podem ser e podem ter sido as mesmas, noutras nem tanto. O foco aqui passou mais, na maioria dos casos, pela questão da socialização, pela falta de contacto físico com os amigos, pela falta de compreensão desta necessidade (em alguns casos) da parte dos pais. A socialização é uma parte muito importante para o desenvolvimento dos adolescentes, é uma fase em que a sua vida “roda”, em grande parte para eles, em torno disso. Em associação, surgiu o maior apego à comunicação online (única forma possível que contacto com “o mundo”). Esta “dependência” não veio com a pandemia, mas a pandemia veio intensificar a comunicação por estes meios. Contudo, embora esta forma de comunicar tenha facilitado a vida de todos nós, não substitui o estar com o outro e isto é sentido de forma mais intensa pelos adolescentes.

E nesta faixa etária surge a mesma questão que colocamos nas crianças: “E a mudança de ciclo?”. Por um lado, poderá trazer questões idênticas às das crianças, por outro a complexidade das mesmas também pode ser maior. Para além dos amigos terem um impacto muito grande no seu desenvolvimento e comportamento, as responsabilidades também aumentam, sejam pela entrada no secundário, seja pela pressão externa e interna existente. Agora, podemos acrescentar a essas questões as dúvidas de como será o próximo ano letivo, se será possível o contacto com os amigos como se recordam, será que o contacto com o outro no espaço exterior da escola vai ser o mesmo, se vai fluir da mesma forma como fluía.

Embora seja possível generalizar algumas questões, é importante que, ao mesmo tempo, não se faça essa generalização. Cada criança e adolescente tem as suas particulares, receios e fantasmas, que necessitam de uma observação e atenção particulares para que os “danos” sejam o mais atenuados possível e que a ansiedade associada a todas as incertezas de futuro, às novas rotinas e novas regras que o regresso à escola implica, não seja tão intensificada.

Trago este texto como forma de reflexão, para que possamos refletir e estar atentos aos sinais que os mais novos nos dão e à dificuldade na gestão emocional que esta situação lhes tem trazido e que só promete vir com mais desafios pela frente.

Hoje falei das crianças/adolescentes, mas não podemos descurar o papel dos pais, tão importante na adaptação a esta que é agora a nossa nova realidade, ao longo deste processo que foram estes meses, e no processo de (re)adaptação que serão os próximos.

 

Drª Rita Rana

O Canto da Psicologia



quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Devias fazer psicoterapia! Do podcast ao sofá da terapia…

 

Esta frase anda a tornar-se familiar por estes tempos, não acha? 

Possivelmente por tudo o que andamos a viver ultimamente, mas por aqui, em alturas de rentrée, este eco torna-se sempre mais evidente. É nesta época do ano que muitos processos psicoterapêuticos têm início, mas também muitos outros  ficam pelo talvez. 

Quem já fez ou faz psicoterapia tem por hábito recomendá-la a amigos ou familiares e nem sempre consegue entender os motivos pelos quais existe alguma resistência a dar o primeiro passo. 

“Não vou falar com um estranho sobre mim”
“Eu consigo resolver sozinho”
“Também não é assim tão grave”
“Um conhecido meu foi e não adiantou nada”

Assim se vão expressando alguns receios, naturais e bastante pertinentes, mas a verdade é que não são mais do que o reflexo de resistências internas que todos temos. O funcionamento psicológico é muito eficiente e por isso tenta, algumas vezes com resultado inverso, consumir pouca energia emocional e garantir o menor esforço possível. Por outro lado, porque queremos ser amados e tememos a rejeição do outro, fomo-nos habituando a calar o que pensamos e sentimos, para sermos facilmente aceites e depois, amados. Ouvir o que temos a dizer sobre nós não é tarefa fácil…

Vou à psicoterapia para ouvir o que eu tenho a dizer!

Quando ouvi esta frase, fiquei indagada e ao mesmo tempo a pensar no quanto é difícil ouvir o que temos a dizer sobre nós. Mas não estamos na Era em que os podcasts assumiram o lugar de protagonista nos conteúdos digitais e que hoje nos assaltam minuto a minuto? 
Bom, é certo que os nossos conteúdos internos nem sempre são apelativos, mas se lhe dermos a atenção devida talvez se encontrem agradáveis surpresas. 
Quando ouvimos um podcast, estamos mesmo a ouvi-lo? Tenho algumas dúvidas… Na maioria das vezes, o podcast é conciliado com outras tantas tarefas em simultâneo, depois paramos, aceleramos e saltamos algumas partes do mesmo. É um conteúdo que faz parte da nossa coleção de materiais digitais, que cada vez mais vão tendo como função ajudar a suportar silêncios e se têm tornado fortes aliados no preenchimento de vazios. Ouvir os nossos silêncios não é tarefa fácil… 

No sofá da terapia criam-se podcasts?

Voltando ao sofá da terapia, percebemos que aqui, os podcasts se desenham noutra forma e se moldam noutra ordem. Na ordem do falar, do ouvir e do sentir. Requerem atenção exclusiva! Persistência, paciência e coragem! 
Se nos sentimos ansiosos, cansados, deprimidos ou irritados, a psicoterapia é sempre uma escolha acertada, por mais difícil que seja declará-la. A investigação científica comprova a sua eficácia e os nossos pacientes também. Perante a dor e o sofrimento, a possibilidade de compreensão das emoções, permite quebrar o ciclo de repetição e a mudança ocorre naturalmente, aliviando os sintomas. O pedido de ajuda psicoterapêutica vem, na maioria das vezes, associado a angústia e esta é uma temática na qual os psicólogos se encontram atentos desde o início, dando uma resposta adequada e integrando a queixa. Eles são especialistas na arte de perceber e aceitar o outro, são empáticos e disponíveis. Quem já fez psicoterapia reconhece estes fatores e é por isso que a sugere com tanta veemência. Mas também sabe que o compromisso com a psicoterapia deve ser real para ter um resultado transformador e que não é suficiente marcar a consulta e ter um psicólogo a acompanhá-lo todas as semanas (como nos ginásios…, não basta fazer a inscrição para obter resultados).

Talvez no sofá da terapia seja possível criar um podcast mais atrativo e interessante, onde a temática principal e de fundo é a nossa história, relatada em vários episódios, uns mais emocionantes do que outros. Criar um podcast sobre nós alimenta a capacidade de estarmos connosco próprios, independentemente de estarmos sós ou acompanhados. Permite olhar o que somos, ouvir o que temos a dizer e sentir o que sentimos.

Afinal, se não nos ouvimos, o que andamos a ouvir?