Suicídio,
A queda no
abismo da dor.
Pensar o suicídio é, numa primeira linha, evocar o tabu em que a
Sociedade encobre o fenómeno (enquanto tentativa de não se envolver com ele),
numa espécie de proibição latente de sentir e compreender a dor. Naturalmente,
essa partilha colectiva acontece, para este tema-tabu como para tantos outros,
enquanto forma de protecção da susceptibilidade e vulnerabilidade que o mesmo
desperta. Todavia, tamanha certeza conduz-nos a um outro campo de reflexão: que
implicações terá, para essa tal sociedade que padece, em alguns assuntos, de um
verdadeiro ensurdecimento mental, este tapar de ouvidos e de sentidos a uma
realidade cujos dados são esmagadores?
Sabemos, pois, que este é um tema que desperta algumas das mais frágeis
questões da própria condição humana, na medida em que toca a esfera da
dualidade vida e morte. Aqui, a morte enquanto fim elegido, enquanto expressão
de um desejo e de uma vontade que ganham forma, pelo fim à vida. A morte, pois,
numa leitura “anti-natura”, que acontece de forma desviada. Mas não será esta
uma visão unilateral do suicídio? Diríamos, até, uma visão redutora, impeditiva
de olhar para lá do que os olhos vêem.
Bom, sabemos que quando observamos uma casa, só podemos conhecê-la
vendo-a sobre várias perspectivas – rodando sobre ela ou visitando o seu
interior. Olhar para a casa de um ângulo apenas não será, certamente,
suficiente para conhecer aquela casa. Quando falamos de pessoas, sabemos também
que é necessário conhecê-las por dentro. Sabemos que são mais, e mais ricas, do
que a imagem que fazemos delas. Assim, quando falamos em suicídio, falamos mais
do que de um acto, tentativa ou tomada de decisão: falamos de uma pessoa, cujo
livro precisou ou precisaria de ser aberto a quatro mãos para que pudesse
continuar a ser escrito. Falamos do que de mais autêntico existe naquele ser
individual e no que de sofrimento existe nessa autenticidade, à espera de um
amparo, de uma compreensão. Falamos de uma dor limítrofe, que enlouquece e que
desespera por ajuda. Falamos de uma dor que existe, que mói e que tantas vezes
o outro e o próprio renunciam. Falamos de uma solidão profunda (aquele tipo de
solidão que acontece no meio da multidão). Falamos de uma morte ao sofrimento e
não tanto de uma morte ao corpo e ao Self real. Falamos da necessidade de
conhecer o outro, no sentido de que as pessoas aprendam a que se olhem por
dentro (o seu e o dos que rodeiam), sem medo de encarar o abismo, para que o
mesmo possa ser recuperado.
Falamos, no essencial, da importância da intervenção na reconstrução
da estrada, antes que a queda se precipite. Mas, para isso, é preciso que cada
um de nós não tenha medo de ousar pensar o que é difícil.
O Canto da Psicologia,
Dr.ª Joana Alves Ferreira