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sexta-feira, 22 de novembro de 2013




Dia 20 de Novembro


Hoje não escondo o “nervoso miudinho” em que me sinto, ansiosa pela hora da chegada da minha sessão. Quero retomar o assunto da semana passada, parece-me que ficou tanto para dizer! Depois de ter saído, e ao longo destes dias, tenho-me lembrado de alguns episódios, que surgem no meu pensamento sem que me aperceba, mas que imediatamente me remetem para a mesma sensação com que ficava, sempre que sentia a reprovação do meu pai.

Recordo-me, por exemplo, de como ficava paralisada perante a ameaça do que ele poderia dizer ou fazer perante uma má nota e como isso me deixava bloqueada, trémula, nervosa e, sobretudo, assustada. Ouvi regularmente os professores dizerem-me “calma, Madalena, teve boa nota, não precisa de estar tão nervosa!”. Mas essa preocupação era constante. Era como um sobressalto, como se a qualquer momento pudesse surgir alguma falha, alguma situação em que eu não controlasse o limite da perfeição, e assim caindo por terra esta minha vontade de conquistar a atenção do meu pai!

Coloquei-me sempre nesse lugar da filha perfeita, agora que olho para trás. Mesmo em relação à minha irmã, o quanto contrasto com a sua espontaneidade, rebeldia, até um certo desaforo, que me irrita e agrada ao mesmo tempo. Agrada-me, sobretudo, a irreverência com que faz frente “a este mundo e o outro”, mesmo ao meu pai! Que por incrível que pareça, e por mais que a repreenda, é também aquela que parece acarinhar mais.


 - Bom dia, Madalena!


E levei, assim, em associação livre, como me dizia a terapeuta, tudo o que tinha em mente e tudo o que foi surgindo entretanto. Sem medo, mas com algumas hesitações e justificações pelo meio, que invariavelmente acompanham o meu discurso, às quais a terapeuta me devolvia “aqui, não precisa de justificar os outros, aqui pode trazer apenas a Madalena e a sua forma de sentir”. E percebo, que é como se houvesse sempre um “se” na minha vida. Cada tomada de decisão, cada vontade, cada desejo, cada contrariedade, traz um “se”, que é, geralmente, o “se” do que os outros vão pensar se me desarrumar. 

Mas hoje, ao trazer tudo isto para fora, fiquei agradavelmente desarrumada, um desarrumo que não é ameaçador, mas que me faz sentir mais livre, mais fluída. Talvez por isto que vou constatando do quanto este espaço começa a ser seguro para mim, ao mesmo tempo que me gratifica ter alguém que olha para o que eu sinto. E reparo, quando saio e me dirijo ao carro, como até o meu cabelo se desalinhou… E viva, poder desarrumar-me de quando em vez!




sexta-feira, 15 de novembro de 2013





Dia 12 de Novembro


Hoje, apeteceu-me ir à terapia… já há algum tempo que  não sentia esta vontade de me sentar e decidir se quero falar ou calar!

Se por um lado me incomodam os inícios das sessões, como se andasse por ali à deriva à procura de assunto para começar, por outro lado, hoje, não me ralo nada com isso. Não sei se é para continuar mas, só por hoje, é isto que eu consigo dar a mim própria. Vou entrar, sentar-me e deixar que as coisas fluam.

Parece que estou sempre preocupada com o que devo fazer. Agora, tenho que cumprimentar; agora, sentar-me e colocar as mãos assim; agora, perguntar se está boa ( como mandam as etiquetas da educação), agora, sei lá… a tal imagem da “menina linda” que foge dos silêncios e ocupa o espaço com barulhos internos silenciosos.
E como sempre, a psicóloga não diz nada, aguarda que eu o faça.

E a mim pouco me apetece dizer. Mas não assusta. Hoje, apetece-me lá ir. E penso. Relembro uma palmada muito antiga, perdida no tempo, levada sem perceber de que lado veio mas que rebentou, tal dique a transbordar, pelos meus olhos  tristes e assustados pelo gesto! Parece que não tinha seguido as regras que o meu pai nos impunha em qualquer contexto social. Lembro que olhei para o meu irmão e para os meus primos que espelhavam no olhar a pena que sentiram de mim. Sim pena! Detesto a palavra! E revi, nos olhos deles, a minha própria pena!

Lembro-me que voei para o meu quarto para esconder tudo o que estava a sentir: vergonha, medo e sobretudo aquela  sensação  que não se percebe mas sente-se ,de ter feito algo errado, mais uma vez, aos olhos do meu pai! Lembro-me que achei que de facto ele não me amava. E apeteceu-me correr para o colo da minha mãe. Mas sabia que não podia. Ela não ia contrariar o gesto do meu pai mesmo que no seu olhar eu visse rasgos de vontade de o fazer. Será que vi ou desejei muito ver?

- Bom dia, Madalena!


E falei, após um largo silencio, sobre esta palmada que sinto que ainda hoje me dão, sem eu perceber de onde ela vem e que continuo a ver nos meus olhos, pena! E quando a terapeuta me perguntou porque não reagia a essa palmada que ainda sente que lhe dão, eu respondi-lhe, porque parece que continuo com medo de descobrir que, se o fizer , fico sozinha mais uma vez, sem nenhum colo para recorrer. E ela devolveu-me que agora, há este espaço para recorrer sem medo de um olhar reprovador e, de pena…

Eu sei que sim…cada vez mais sinto isso mas ,às vezes, é como se eu não soubesse fazer de outra maneira a não ser, continuar a interpretar este papel de “linda menina” que não pode trazer coisas feias para a terapia. E afinal, parece que posso…

Para a semana, falo-lhe sobre o tufão que houve lá por casa…



sexta-feira, 1 de novembro de 2013



Dia 30 de Outubro

Ainda que dividida, senti que devia rabiscar por aqui qualquer coisa hoje. Afinal, é dia de sessão e não deixa de ser uma forma de me antecipar… Talvez à própria dor, à dor que me invade quando toco nas coisas que me magoam, que não entendo, que me confundem e que, sobretudo, me provocam uma reviravolta interior ao simples toque da palavra da psicóloga. (De repente, quero fugir a isso tudo. Mas há qualquer coisa que me empurra para esta folha.)

As últimas sessões têm sido difíceis. As confrontações (ou interpretações, como insiste em chamar-lhes…), as incertezas, a angústia imensa que juntar todas estas coisas me desperta, faz-me querer desistir. Desistir de escrever aqui, de ir lá semana após semana ou mesmo do próprio processo, porque é demasiado pesado sentir-me uma constelação de asteriscos e pontos de interrogação, aos quais não me sinto capaz de dar forma! Eu, que sempre tive tudo tão arrumado! Ou, pelo menos, achava! Mas não vale mais às vezes vivermos até numa certa ignorância? É que isto é tão duro e dói-me tanto… Porque, de repente, põe-me de frente com sentimentos, emoções, que desconhecia.

Eu, a Madalena híper-controlada, boa menina, exímia profissional, que não desaponta, que faz o que os outros desejam… Eu, a Madalena fada-do-lar, que organiza a semana dos miúdos e do marido, que, no limite, até a mala lhe faz quando ele se vai embora!! Eu, esta Madalena que às vezes me cansa e que me irrita, mas que não sabe ser, nem viver de outra forma!! E voltam-me as palavras da terapeuta sobre a minha possível desresponsabilização, sobre a forma como me escudo nos outros, para me proteger… Mas de quê? Não sei responder.

Será que me vitimizo? Talvez. Mas, o meu marido não deixa de ser aquele que progride, que evolui na sua fabulosa carreira e eu sou a que tem ficado para trás, porque não sou apenas uma carreira, sou uma mãe e a casa inteira onde a nossa família habita. E gerir tudo não é fácil… Porque para ele progredir, há quem tenha que ficar com os miúdos! Isto, afinal, não é suposto mexer comigo? Fazer-me até sentir revoltada com este marido que eu olho agora como um egoísta? Sim, um egoísta! Quando é que ele parou para pensar em mim e no extremo cansaço que sinto? Despede-se com um beijo e olha de soslaio a mala, elogiando a minha extrema organização num gesto de “quem era eu sem ti”, mas que vem mascarado, pelo menos na forma como me faz sentir, naquele festinha do pai que diz “linda menina” depois de um bom resultado escolar.

E é isto que sinto, “um linda menina” que se tem eternizado pelos meus 40 anos, escondido nos elogios que recebo, mas que no fundo está sempre lá, a menina-bonita que não desaponta os outros… Mas que se esquece de si!

- Bom dia, Madalena!

E venho, talvez um pouco mais leve, porque hoje, pelo menos, dei nome a alguns destes asteriscos. De uma forma sentida, magoada, entre lágrimas e lenços, mas foi possível revisitar esse lugar de menina-bonita que se anula… De há tantos anos para cá! E este marido, que como o meu pai, parece cultivar este meu lado… Mas, como me dizia a terapeuta, “Esta Madalena que parece procurar relações nas quais se possa sentir a menina-bonita, talvez pelo medo de descobrir um lado mais feio com o qual não se quer confrontrar…”.

Bem, mas não é isso que tem acontecido? Pelo menos, nesta nova forma de relação.



quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Diário de uma Terapia






É irrelevante uma data!

Há um bom tempo que não me coloco em escrita! Não me apetece escrever sobre as minhas sessões!!

 Provavelmente porque não gosto do que tenho aqui, na ponta dos meus dedos para escrever!

Tenho  ido à terapia!  Não tenho faltado! Mas reconheço que não me apetece e esforço-me por lá ir. Logo, não me tem apetecido escrever. A psicóloga devolve-me que mais difícil do que ir à terapia seja, talvez, a dificuldade de me olhar e ver algo que não estou a gostar o que, como reconheço, seguramente me desorganiza. Será? Mas desorganizada não é como ando há séculos???

E insisto em colocar o meu marido como grande responsável disso! E mais uma vez, a psicóloga devolve-me:
-  “ Será uma forma da Madalena se desresponsabilizar da sua própria responsabilidade? “

 E não sei o que lhe responda a não ser:
-  Mas está aqui para me ajudar ou está aqui para defender o meu marido?

- “ E ela responde-me: “ O que acha?”

Eu não acho nada!!! Claramente estou cega! Cega pela zanga, pela raiva e por tudo o que esta mudança me tem feito sentir!

Ando por aqui a pensar, a pensar …e quando confrontada com as minhas próprias frustrações, escudo-me no outro e no que ele não me dá, ou, tem para me dar e eu não quero receber! Vim para aqui porque não aguentava a minha colega Maria ! E ela, por lá anda, alheada a estas minhas guerras internas, entregue à sua carreira, disponível sempre que necessário, pronta para agarrar qualquer causa, por mais que pareça perdida, com tempo para tudo, sim, tempo para tudo. Afinal de contas é descomprometida, não tem filhos, nem qualquer tipo de relação que a limita!

- “ Mas a Madalena sente que a sua relação a limita ?”

- Não!! Disparate! porque havia de sentir? Estou-lhe a falar da Maria!

-  “ E eu a tentar falar da Madalena”!

E calo-me! Fico em silêncio! E sem dar por isso, passam uns longos minutos!

- Madalena, por hoje, chegámos ao fim do nosso tempo! “

Raios para isto tudo! E para o tempo!! Não sei se volto para a semana! Se calhar não tenho tempo! Tenho que ir tratar dos médicos para os meus filhos, das compras para a casa, das reuniões na escola, da mala do meu marido que agora, não pára em casa e todos as semana há uma viagem para fazer, de trabalho, claro!!!

 E não tenho tempo para mais! Não consigo desdobrar-me em várias Madalenas! Alguma está a ficar para trás e temo, que seja a que mais gosta de mim…


quarta-feira, 2 de outubro de 2013



02 de Outubro



Sinto-me ridícula: estou seguramente há longos minutos a olhar para esta folha em branco, onde espero ser capaz de escrever sobre mim. Qualquer coisa, Madalena. Qualquer coisa que possa dar nome ao que sinto ou ao que julgo não sentir. Mas enquanto a olho, num misto de intimidação e desejo, num misto de querer e não querer, sinto-me assoberbada por aquela irritação que se tem instalado em mim e que me empurra a toda a força para desistir. (Para a destruir!!)

Sim, desistir de escrever folhas em branco e, em vez disso, amarrota-las, riscá-las, cortá-las. Sei lá, tudo que lhes tire esse lado imaculado e cheio de leveza com que me irritam solenemente no aqui e agora deste momento, por em tudo isso contrastarem com a forma como me sinto. Porque EU não estou imaculada, ajeitada, organizada e leve como estas folhas, entenderam? E escrevê-las assim é como sujá-las, conspurcá-las de coisas que não sei se quero reconhecer em mim.

E logo hoje, que é dia de terapia… E hesito mais uma vez, se quero ou não quero ir. Logo hoje que, depois da última sessão, sinto uma embrulhada no estômago, na cabeça, no coração. Uma embrulhada de coisas que saltaram para aquele espaço na última sessão, como se me tivessem dado um soco na barriga e dali me tivesse saltado tudo o que tenho cá dentro. Mas agora, há distância, assusto-me com tanta coisa que saiu de dentro mim! Das minhas entranhas! O que é isto? Quem sou eu, afinal?

Diz o meu marido, certamente para melhorar as coisas, “Não te reconheço, pareces descontrolada!”. E fico furiosa, mas furiosa como nem sei pôr em palavras, revolvida com estas acusações a que só me apetece dizer-lhe “MAS QUEM É QUE TU PENSAS QUE ÉS?!”. E digo-lhe, mas fico-me por ali para não lhe dizer tantas outras, ai tantas outras que gostava de lhe dizer! … Mas, entretanto, é hora da sessão.



- Bom dia, Madalena!




E… BOOM! Disse as todas, mas mesmo todinhas que andavam aqui entaladas, disse tudo o que tenho sentido e o que ele me tem feito sentir, disse sem jeito, sem nexo, entre choro e dor, mas disse e dei nome a este lado que está tão zangado com o meu marido, como me devolvia a terapeuta. Porque está e talvez assim ande há algum tempo, com este marido que me faz sentir uma bengala de apoio e, curioso: “Logo agora que o seu marido foi promovido, esta zanga parece estar a ganhar palavra dentro de si.” E sim, é verdade, este progresso de carreira dele deixou-me sem chão, mas isso… “Terá que ficar para a próxima sessão”.
Saio, entre lágrimas enxutas, entranhas revolvidas, mas um pouco mais leve, como as folhas.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Diário de uma Terapia




25 de Setembro


Desta vez não escrevi logo no meu diário. Neste meu diário de uma terapia ou, mesmo dizendo , neste meu jeito terapêutico de cuidar de mim, do meu Eu. Li algures que, “Escrever é Terapêutico”. É. Reconheço que quando passo para o papel ou computador o que sinto, o que senti, tudo me soa de forma diferente. Não necessariamente pior ou melhor, de todo, mas, claramente diferente.

Se no meu espaço verbal terapêutico ( acho que posso escrevê-lo assim), eu me oiço carregada de emoções umas verdadeiras, outras, sobre o efeito de situações vividas e não pensadas e outras, a partir do que a psicóloga me devolve, mesmo assim, quando faço este exercício de as escrever, olho as letras e a composição das palavras feitas frases sobre outro prisma, soando-me de forma diferente e pondo-me, sem dúvida, a pensar.

E hoje não me apetece fazê-lo!

Não me apetece sequer, no que escrevo agora, escrever o antes e o depois como o tenho feito neste meu diário. Sinto que não tenho vontade de voltar a pensar e até escrever sobre o que foi falado na última sessão, aliás, nada foi falado. Só eu falei, bom, gritei!. Reconheço que entrei e nunca mais me calei. Eu, que dizia que se não tivesse um feedback no tal de setting terapêutico me punha de lá para fora, esta última sessão ,preenchida de queixas, raivas, zangas, irritações, foi isto mesmo: uma autêntica zanga, como aquelas que eu às vezes tenho lá por casa, que ecoa por aquelas paredes, que me parecem tão vazias em determinada altura, soando a trovão de furacão e que fazem com que durante uma hora ninguém fale, nem se mexa, sequer!  E se algum movimento acontecer, morrem, desfeitos pelo meu olhar fulminante!

Oh…Meu Deus, como estou zangada! E não gosto de estar assim! Vou mais longe e digo, não tenho razões para estar assim… Que se passa comigo? Porque me sinto assim, feita nuvem negra em espiral de destruição? Até me assustei com a última frase que escrevi de tal forma me identifico. É melhor mesmo parar por aqui...

Meu Deus, não me reconheço. Nem quero continuar a escrever. Acho que vou parar com a escrita. Desisto do meu diário! E da Terapia? Oh…sei lá…!


Vou reduzir o meu pensamento a zero… vou reduzir-me a zero…

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Quarta-feira, 18 de Setembro de 2013

Não tenho dado notícias aqui pelo meu Diário. Retomo hoje, mas confesso que sem saber exatamente o que dizer. Podia argumentar com grande preceito que tive semanas agitadíssimas, entre o regresso às aulas dos miúdos, a adaptação a uma nova rotina que entretanto me parecia já longínqua, os processos e o trabalho pendente que se condensa entre Agosto e Setembro. E podia, porque me reconheço nessas habilidades, defender esta minha tese “com unhas e dentes”, sem deixar espaço para dúvidas. Afinal, fui para Direito, sou advogada e a minha vida tem sido passada num constante exercício de argumentação.

Mas, há uma verdade que vai passando este lado que conheço de mim, e que se impõe perante os meus olhos e que me deixa quase sem chão: tudo isto que escrevo não é mentira nenhuma. Mas sei que o me fez ausentar foi uma outra coisa, como se sentisse um impedimento de ir à sessão na última semana ao qual não sei dar nome. E custa-me, porque não houve atrasos, não houve trânsito, não houve… argumentos. Houve, antes de tudo, uma vontade enorme de não ir àquele espaço que, ainda na sessão anterior, reconhecia como importante e seguro! Agora, neste preciso momento, sinto-me esquisita e incompreensível, perdida entre estes dois lados: um, que vai e que quer ir, que pensou com a terapeuta que é ali que encontro a minha tranquilidade (que é ali que me reencontro e outro), e outro, que com grande audácia faltou na semana passada, avisando com uma breve mensagem – “Bom dia, Dr.ª. Hoje não vou conseguir ir à sessão”. E sinto que estou a errar, porque no fundo sei para mim mesma que isso do “não vou conseguir ir à sessão” é uma meia verdade, que tem em si uma meia mentira.

- Bom dia, Madalena!

E ao fim de alguns, largos, minutos de silêncio, entre um medo enorme de dizer o que sinto, fui capaz de o fazer! E, sim! Explicando à terapeuta o quanto me senti pouco credível na mensagem que lhe enviei, como se não estivesse sido absolutamente honesta com ela. Quando, para minha surpresa, ela foi capaz de entender que é como se existissem mesmos dois lados, duas vontades, dois desejos contraditórios – um de ir e outro de não querer confrontar-me com aspectos meus que são dolorosos. E que, perante isto, a mensagem faz, afinal, todo o sentido: houve um lado meu que, de facto, não conseguia ir à sessão.

E depois de muito pensarmos em conjunto (de tanto que pensei, pensámos, há coisas das quais não me recordo), percebo claramente que as minhas defesas apareceram num momento em que me vi por inteiro num papel que me pertence há muito e muito tempo, este da mulher que faz tudo, da filha que tudo faz, da mãe incansável e da colega irrepreensível, e o quanto esse confronto é difícil! Mas saí, embalada e reconfortada com esta frase que me fica “esse caminho, que pode ser doloroso em alguns momentos, a Madalena não terá que fazer sozinha. Eu estou aqui, mesmo quando decide não vir, à sua espera.”

(E eu que julgava que ninguém esperava por mim…)


quarta-feira, 4 de setembro de 2013


4 de Setembro

As férias acabaram e desde segunda-feira que ando em ritmo frenético. O confronto com a realidade num “pós-férias” é, de facto, difícil e aqui por casa não tem sido excepção. O impacto silencioso do reencontro com a nossa casa, que parecia esperar por nós numa espécie de promessa de tranquilidade, rapidamente caiu por terra, qual fantasia criada por mim! E foi então substituído pelas luzes e vozes que circulam de um lado para o outro, as tarefas e os desígnios que cada um vai tendo (e que, continuam a recair sobre mim), as compras que há para fazer, a roupa que há para organizar, os livros dos miúdos para encomendar e, de repente: SOCORRO! Venho de férias e é isto que me espera?!

Sinto-me já cansada e ainda agora regressei! E isso assusta-me de algum modo, porque sei o que tenho pela frente: um longo ano de trabalho, de dedicação, e este contraste com o que foram as férias é demasiado violento … Sobretudo depois destas férias que foram de algum modo serenas. Bom, para dizer a verdade, serenas mais nos últimos dias do que propriamente nos primeiros, onde consegui finalmente ir deixando este meu lado que me persegue do que ficou por fazer.

Espanta-me, pelo contrário, a leveza com que o meu marido faz o corte para com tudo isto e inicia os dias de descanso como se a realidade a que pertence já não lhe pertencesse! E é com essa mesma facilidade que retoma o trabalho, como se as férias tivessem ficado arrumadas num canto e agora voltasse à pele que habita no dia-a-dia. E confesso: isto irrita-me! Irrita-me solenemente! Esta passividade com que tudo parece tão fácil para ele! E, depois, claro que me queixo. Queixo-me, porque no fundo, ele não organiza, não arruma e, no limite, ainda sou eu que lhe faço a mala!

(... Parece que estou já a ver o tema desta semana para a sessão ...)


- Bom dia, Madalena!

Agora sim, sinto-me verdadeiramente serena. E percebo a falta que este espaço me fez nesta interrupção! Percebo também que isto a que chamo de serenidade nas férias, parece ser uma “falsa serenidade” – enquanto nos primeiros dias vou carregada de angústia do que fica para trás, nos últimos, que supostamente foram mais tranquilos, começa a surgir a angústia do que irei reencontrar… E, mesmo aqui, com a terapeuta, mais uma vez hesitei sobre o dia da sessão! Como ela diz e bem “tinha medo que me tivesse esquecido de si”.

E como se não bastasse, acabo por compreender que estas coisas andam mesmo todas ligadas e que o que tanto me irrita no meu marido é precisamente sentir que ele é capaz de fazer aquilo que eu, no fundo, também gostaria de fazer! Mas que, pelo contrário, eu sofro, eu angustio, eu sinto-me insegura e todas as mudanças são coisas muito difíceis para mim.

E saio, levando presente aquela pequena Madalena para quem separar-se da mãe era um tormento, como falávamos na última sessão e a terapeuta me recordou… (entretanto, acho que já tinha esquecido).

quarta-feira, 7 de agosto de 2013




31 de Julho


Férias!! Férias!! Férias!!

Ando metade do ano a desejar férias e a outra metade a temê-las! Nem sei bem porquê! Um ciclo que termina, mais do que aquele final de ano onde quase  todos ritualizam fazendo o  “balanço” e “saldo”, para mim, é este final de ano, o laboral!

Encerro os processos, os que consigo, outros ficam pendentes até ao meu regresso e ainda outros, entrego-os a colegas para que os prossigam. E lá vou eu, de férias, sem conseguir deixar para trás tudo isto de uma forma temporária e levando comigo esta mesma responsabilidade que não me permite ficar literalmente, de férias!
E sinto que, mais do que nunca, este ano vacilo entre a satisfação de ir e a insatisfação de não ficar por cá na minha rotina diária. Que coisa tão anormal! Quem a esta altura me pudesse ler, com certeza diria que, efectivamente, faz todo o sentido eu andar neste processo terapêutico! Não pode ser normal este meu sentir!

Isto traz-me à memória as minhas férias! Lembro da família toda junta, dos amigos em que a amizade intervalava até ao próximo verão e quando acontecia o reencontro, tudo voltava a ser o mesmo e, que bem me sabia… há que longos tempos eu não tenho esta sensação de retorno pacífico, contentor e sobretudo afectuoso. Sentimos que ninguém nos esquece! Que continuam ali! E que não é a ausência de nós, enquanto corpo, que faz com que se desapareça da memória de alguém! Será? Às vezes duvido!
Vendo bem, até lá no trabalho, tudo continua, eu, de facto, não sou imprescindível! Onde vou buscar eu, esta necessidade de sentir que o sou? Lá volto eu aquela sessão onde falei das férias dos meus filhos e de quanto isso me importunava e lembrei do que eu própria sentia quando me separava da minha mãe: tinha medo que ela me esquecesse!


- Bom dia Madalena!


Férias! Pois então…

Não sei como serão as minhas! Assusta? Talvez! Como vou lidar com a Matilde e os desafios que ela me vai colocar, desafios estes, normais nesta fase de crescimento mas acentuados pelo facto de estarmos mais tempo juntas? E com o João e os seus 16 anos? Durante o ano de trabalho, eu vou estando ocupada e às vezes, reconheço, adiando e fugindo do inevitável! Nas férias, há confrontos, entre o ir ao café, sair à noite, vir tarde! Ou, ir dormir à casa da amiga, ficar a jogar até tarde na casa dos primos… E eu e o meu marido, o que fazemos? Podemos fazer muito, namorar, nestes espaços em que enquanto casal estamos sozinhos mas, será que ainda sei? E entre uma ida à praia e um jantar a dois, será que ainda sei estar enquanto mulher, amante?

Fiquei com as palavras: - Tenha umas óptimas férias, Madalena! Estarei por aqui à sua espera com “processos pendentes”, outros novos para serem pensados e quem sabe, alguns para serem encerrados. Não há qualquer risco de ser “esquecida”.


E entrei de férias… Lá para Setembro regresso, convicta de que tenho alguém à minha espera e que tudo voltará a ser o mesmo!


quarta-feira, 31 de julho de 2013





24 de Julho

Na semana passada não houve sessão. Quer dizer, haver até houve, eu é que não pude ir. Não sei como é que isto foi acontecer! Juro que não sei. Eu bem que tentei organizar-me, cronometrei o dia ao segundo, andei de um lado para o outro à laia de uma verdadeira estafeta! Mas a última quarta-feira foi uma loucura! Aliás, como todos os últimos dias – e talvez todos os que restam!

Agosto bate à porta e os processos que se acumularam disfarçadamente na minha secretária ganham  a forma de um gigante que me faz sentir quase engolida! Depois, são os prazos de última hora, as instituições públicas que entram em hibernação durante todo um mês que poderia ser de trabalho, mas que é de férias (COMO é que um país pode PARAR um mês INTEIRO? Como, se falamos em CRISE? Há coisas que me deixam indignada, mesmo de fazer-me chegar a mostarda ao nariz! Não há quem aguente um País de parasitas! E não vale a pena cair em ilusões! – Sim, Madalena, não vale a pena quereres contar com a boa-vontade da senhora das finanças ou do funcionário do tribunal... Vais ter de te desenrascar sozinha! É isso mesmo, mas, no fundo, já estás habituada!).

Voltando a quarta-feira: como tudo isto pois claro que não houve qualquer hipótese de ir à sessão, e o quanto me custou! Custou na medida em que avisei em cima da hora e percebi que a psicóloga estava já à minha espera... Ainda que conte pagar-lhe a sessão, obviamente! Foi o que acordámos logo no início, sobre as “faltas em cima do joelho”. Mas fiquei péssima de sentir que a fiz esperar em vão. E hoje questiono-me, será que está lá à minha espera? Será que percebeu que eu retomo hoje, quarta-feira, no horário habitual? Ela despediu-se pelo telefone com um “Até para a semana”, mas daí a não se ter confundido, sei lá... Devem ser imensos pacientes...

Pretendo desculpar-me pelo sucedido, mas ao mesmo tempo receio que não esteja lá ninguém para me receber. Ainda assim, vamos lá! Até porque, duas semanas sem lá ir parece-me demasiado. Não dei por isso no frenesim da semana passada, mas agora que me sinto esgotada pelo cansaço e pelas pressões que decidiram disparar de todos os lados, acho que estou mesmo a precisar de me sentir serena, num lugar que seja apenas meu, como aquele.

- Bom dia, Madalena!


Terminada a sessão, desloco-me, perdida entre tanta informação, como se a minha cabeça fosse uma daquelas “Slot Machines” que se encontra nos casinos, a piscar intermitentemente até que, no fim, mas mesmo só no fim, aparece uma espécie de jackpot quando os itens se ligam entre si!

Isto porque, passo a explicar: a minha ausência, de acordo com a psicóloga, foi uma forma de lhe falar da minha zanga, essa que parece que nunca sai por lado nenhum e que até aqui, no MEU diário, é escrita entre parêntesis e dando nome de crise e de mostarda ao nariz ao que me aborrece! Talvez por isso me tenha lembrado durante a sessão da zanga que tive com o pai um destes dias, quando lhe pedi que fosse buscar os miúdos ao ATL e ele me respondeu que não poderia e que eu, adivinhe-se, teria que me desenrascar. Essa palavra que me remete para as ausências dele e para uma educação onde as pessoas não devem apenas não ser parasitas, como serem mouros de trabalho... dos outros! (Entretanto, pobre do tipo do tribunal e da senhora das finanças... Serviram lindamente ao que eu não queria ver, mas a minha zanga, pelos vistos, não é assim tanto com eles...).

E, mesmo para a despedida, lá saí com esta: “É curioso, porque hoje a Madalena trouxe o lado da exaustão, do cansaço, do desgaste... Na semana passada não se trouxe a si... Como se esse lado de uma Madalena que se sente “moura” dos outros se traduzi-se em qualquer coisa deste tipo: enche-se dos outros para se esvaziar de si, não concorda?”...

Encho-me dos outros, para me esvaziar de mim... Será que é assim?
Jackpot.


quarta-feira, 17 de julho de 2013




Diário de Uma Terapia 


10 de Julho de 2013

Quando terminou a última sessão e me dirigi às escadas, desta feita  para descê-las, saí com um estranho conforto aqui por dentro. O subir e descer escadas nas visitas à psicóloga têm sido acompanhados por muitas emoções, é um facto: a angústia de não saber o que dizer, a expectativa do que vou encontrar naquele dia, o medo de chegar atrasada e de falhar, ou o turbilhão em que tantas vezes saio porta fora, com tanto que pensar!
Mas, desta vez, em alguma coisa tudo isto foi diferente. O que é curioso, porque falou-se em medos. Ou resistências. (Bom, continuo a achar que são medos, sim, medos). E talvez fosse suposto sair, sei lá, assustada. Mas a verdade é que, mesmo falando dos medos e reconhecendo até que a psicóloga terá alguma razão quando me diz que tocar em alguns assuntos é difícil para mim, mesmo sendo tudo isso verdade, houve um conforto e uma serenidade que se instalou quando saí daquele espaço. Uma espécie de sossego que me é estranho, porque, bem vistas as coisas,  não me lembro da última vez que me senti assim... Assim... E falta-me a palavra! Assim, num lugar que é sobretudo agradável, que me fez conduzir até casa acompanhada pela Smooth FM, alheia ao trânsito, ao condutor que apita furioso, à ambulância que passa em alta velocidade. Eu, apenas eu, numa tranquilidade com que o meu rádio amigavelmente se sintonizou...


-          Bom dia, Madalena!


E, realmente, nada como uma sessão de psicoterapia para dar nome ao que se sente. É que a tal palavra que me faltava, aquela que encaixaria como uma luva neste estado de espírito entretanto descoberto e que não me surgia de maneira alguma é, para meu espanto, ACOMPANHADA.
-          “Parece que esse lugar de que fala, onde é possível viajar sozinha, é um lugar onde começa a sentir-se acompanhada, como aqui, neste espaço, onde é possível pensar as coisas difíceis sem ter que ficar absolutamente só com elas.”, disse-me a psicóloga!


E, de repente, recordo-me ainda durante a sessão, que foi assim que terminou a última, precisamente com qualquer coisa deste género a respeito de pensar as coisas difíceis... Que não estaria sozinha nessa tarefa e que poderia contar com aquele espaço! Agora sim, faz sentido! O que não deixa de ser espantoso, porque embora não tenha conseguido lembrar-me da palavra ou da expressão que a psicóloga me disse, foi mesmo assim que me senti, acompanhada. Acompanhada por uma nova forma de relação, que ainda é difícil de compreender como funciona, mas que parece que vai ganhando significado... Acompanhada como poucas vezes me senti, entre um pai ausente e austero e uma mãe que, por vezes, parecia alienar-se um pouco de tudo e de todos... 


quarta-feira, 10 de julho de 2013

Diário de uma Terapia




03 de Julho

Hoje é a minha décima sessão! Apetece-me reflectir  e pergunto-me, tem valido a pena? Porque o faço, continuo sem saber muito bem! Mas, pelo menos, continua a parecer-me  relevante! 

Quando na primeira sessão a terapeuta me perguntou, qual era o meu pedido e o que eu esperava daquele espaço, sei que na altura lhe respondi, colocando demasiado ênfase na minha relação com a Maria, que queria sobretudo controlar o meu lado homicida que, quanto a mim, tinha surgido de forma inexplicável, para que não fosse confrontada com um descontrolo difícil de lidar, onde as consequências poderiam ser demasiado nefastas para o meu lado.
Curiosamente, ao fim deste tempo, pouco ou nada temos falado da Maria! Já percebi que este processo é lento, demasiado lento para os tempos que correm, onde tudo tem que ser feito à pressa e sempre para ontem. Também sei que um comprimido tem um efeito mais rápido, e está absolutamente adequado ao contexto actual em que tudo é enquadrado no princípio da “fast food”! Para mim, sempre ficou clara a ideia de que, dificilmente eu recorreria a tal, mas…

Temos tocado em temas que há muito estavam, aparentemente, arrumados! Sinto que ainda não consigo (será que alguma vez vou conseguir?) perceber a relevância de alguns, apesar de reconhecer ligações fortes com as minhas vivências actuais. Ainda na última sessão fiquei em silêncio pela ligação feita ao meu pai, no que toca a tudo o que tenha a ver com autoridade e austeridade na minha vida! Apesar de pertinente esta associação, ainda estou por aqui a remoer. Mas será que faz sentido ligar as coisas?  Será que isto me está a fazer sentido? Ou, não? Valerá a pena continuar? Mas o que é que a Maria tem efectivamente a ver com tudo isto?O que é que eu faço aqui, realmente? O que é que me incomoda de facto?


- Bom dia Madalena!


E devolvi tudo o que sentia à psicóloga! Pelo menos isso consegui! Não me inibi, como às vezes o faço quando tento fazer ouvir-me! Como eu escrevi há tempos neste meu diário, aqui sinto que me ouvem…

- Curioso, parece haver aqui uma resistência sua que a põe a questionar a relevância deste espaço para si, Madalena! Talvez porque, quem sabe, o que tem trazido e o que tem estado por aqui a pensar, seja de alguma forma incómodo e difícil de suportar. 

Pois… não sei… às vezes fica-me de facto difícil lidar com as tais “infindas verdades” que se vão revelando por aqui e dentro de mim. Verdades que não suspeitava, das quais já tinha feito por esquecer e que agora, parece pertinente relembrar!
E fica muito difícil! Mesmo muito difícil! E ainda ecoam em mim as palavras da psicóloga mesmo ao terminar a sessão: 

- É difícil de facto Madalena mas lembre-se, estou aqui consigo, não está sozinha neste percurso!

E resolvo voltar para a semana, apesar das dúvidas que tinha, efectivamente! Chamam-lhe resistências eu, prefiro chamar-lhe, medo!



quinta-feira, 4 de julho de 2013

Diário de uma Terapia





Diário de uma Terapia

26 de Junho

Tenho constatado em mim um certo efeito de perplexidade no que vou descobrindo. Confesso que quando parti para este processo, dito terapêutico, não sabia o que poderia esperar, nem tão pouco o que iria encontrar por detrás daquela morada. Segui até lá, desafiei-me. Consegui dar-me esse tempo, afinal, merecido e reiterado por longos anos. Mas o que tenho vindo a compreender é qualquer coisa que jamais imaginei e que não sei se serei capaz de colocar em palavras. (A esta altura, pergunto-me se é assim para as outras pessoas que, como eu, embarcam nesta viagem?).

Bom, primeiro porque parecem infindas as verdades que se vão revelando aqui, dentro de mim. Verdades que não suspeitava ou das quais já me tinha esquecido!
Depois, este novelo que se desenlaça e onde um pensamento podem ser centenas de tantos outros, sem botão de STOP, como se tivessem vida própria... E na verdade até têm!
E por fim, a certeza de que há tanto por desvendar, por compreender, que acabo por estranhar esta minha morada, com paragem obrigatória num “Eu, Madalena” que me parece inacreditavelmente desconhecido.

É no meio deste desconcerto que me sinto estacionada hoje e nos últimos dias, entre a perplexidade do que é novo, do que é desvendado, e uma tristeza que me assola por tudo isto me ser precisamente demasiado novo, apesar de habitar por aqui há tantos anos...

A última sessão marcou-me neste sentido de que escrevo. Talvez como em nenhuma outra as palavras da terapeuta tenham ecoado em mim como sinos a entoar por uma aldeia inteira, sem deixar ninguém indiferente. Compreender que muito do que incomoda no fervilhar do meu marido com os miúdos é rever-me no papel de miúda a fervilhar por dentro (apenas por dentro e apenas de medo) de um pai que, a uma só voz, era capaz de silenciar uma casa inteira e, arrisco-me a dizer, um jardim de infância cheio de miúdos a bradar aos sete ventos!


-          Bom dia, Madalena!


E, 45 minutos depois, saio convicta  de que a minha dificuldade em ouvir o tom zangado do meu marido ou a voz esganiçada da minha colega, é a mesma com que me encolho perante o ar altivo que o meu patrão coloca quando algo corre mal, quando um pedido ou observação que é feito “com a máxima urgência” vem carregado de austeridade e até quando o caixa de supermercado me torce o nariz porque estou a demorar a encontrar o cartão de crédito, como aconteceu ainda esta semana! 

E perante a pergunta “como é que se sente nessas alturas, Madalena?”, eu respondo “a fervilhar, mas só por dentro!”.
E fico boquiaberta, sem resposta, quando oiço “bom, parece que enfrentar esse pai austero é verdadeiramente difícil para si”... E novamente o silêncio.



quarta-feira, 26 de junho de 2013




19 de Junho


É curioso, como vou cada vez mais me envolvendo  e aderindo ao tipo de linguagem  seja verbal ou não verbal , que se vai usando neste espaço, dito, terapêutico! Reconheço que  já dou comigo a parar ( são só fracções de segundos, mas paro ) e a pensar ,o que diria a terapeuta, ao obrigar-me a reflectir  sobre o meu sentir perante determinada situação?

Mas hoje, hoje, não me apetece nada lá ir. Estou aqui no carro, a deixar ir ao limite o tempo que dou a mim própria até tocar à campainha… Peso uma tonelada! Custa-me mexer os braços, as pernas e sobretudo os lábios… não me apetece nada lá ir! Não tenho nada para levar, não tenho nada para pensar… e não faço a mínima ideia porque estou assim.


Bom dia Madalena!


Hoje, pela primeira vez neste meu processo, bati de frente com os silêncios terapêuticos!

É  um silêncio e ao mesmo tempo, um ruído ensurdecedor e desarmante! Mas é também , em simultâneo, acolhedor! Estranho, não é? Parece que aqui posso estar quando quero, como quero, sem ter ninguém a questionar-me : “Então, não dizes nada? Estás calada? Bom, se for para dizer algum disparate, o  melhor mesmo é estares calada!” 

– Quem lhe dizia isso, Madalena? Perguntou-me a psicóloga! 
– Oh!!! Quase sempre o meu pai! Raramente estava em casa e como a minha mãe dizia – é o trabalho, filha – mas quando estava, era assim, dominante! A voz dele soava por todos os cantos da casa! Aliás, a voz dele abafava completamente as nossas! E eu e os meus irmãos fazíamos tudo para evitar ouvi-lo quando nos soava a complicações, fossem elas quais fossem!

Talvez por isso, sempre que o meu marido levanta a voz mesmo que ligeiramente aos meus filhos, eu fico de imediato em estado de alerta! Lembrei-me disto hoje, num dos meus silêncios e parece que de repente apareceu ali aos meus olhos a razão desse meu estado incontrolável: detesto vozes mais altas do que o habitual mesmo que o tom, só por si, não seja indicador de algo desagradável. Eu acho sempre que é! Aliás, a minha colega Maria, a tal que me irrita tem uma facilidade imensa em deixar a voz ir por aí acima e de repente, até eu, já falo mais alto, isto é grito, porque acho sempre que ela não me vai ouvir! 

– Mas a Madalena acha que tem dificuldade em fazer-se ouvir? Perguntou-me a terapeuta! 

E eu não consegui responder-lhe! Remeti-me ao silêncio… mas desta vez ninguém me chamou a atenção sobre isso, nem exigiu de mim uma resposta…

Hoje não me apetecia mesmo lá ir! Mas,  saí de lá a sentir que, pelo menos ela, aqui, ouve-me!


quarta-feira, 19 de junho de 2013




12 de Junho de 2013

Se calhar porque esta semana é mais curta, tenho andado a mil. (Será? Ou isto é um estado habitual em mim?). Sinto-me frenética e com uma energia inesgotável, que supera o cansaço e chega a alcançar uma resistência que creio que já não é para a minha idade! ( Mas porque corro tanto? Parece que fujo de algo!) Às vezes, questiono-me que dispositivo é este que parece existir dentro de mim, que dispara e tenta chegar a todas as frentes, apagar todos os fogos, socorrer todos os pedidos... Como se não houvesse noite, dia, ou talvez amanhã.

Foi isto toda a misericordiosa semana: a imparável Madalena, entre processos que teimam em empilhar em cima da secretária e que eu insisto em despachar a uma “velocidade cometa”, os pedidos de última hora que, como habitualmente acontece, o meu chefe delega em mim, os miúdos (sim, sobretudo a Matilde, que com os exames e o estudo em desespero, tem pedido doses acrescidas de colo e paciência de mãe, porque nestas alturas não há colo sem boas doses de compreensão aos acessos que pairam naquela cabeça)... Bom, e ainda houve espaço para mais – e confesso que, enquanto escrevo, me interrogo “Como mais, Madalena?! Não enunciaste já o suficiente?!”. Pelos vistos não. Ainda houve espaço para inaugurar a reorganização sazonal da casa, com o pretexto de que os miúdos estão praticamente de férias e faz todo o sentido arrumar livros, cadernos, trocar roupas mais quentes pelas de verão... (Agora que penso, não esteve assim tanto calor… agora que penso!! Como assim, não pensei?).

Com tudo isto, claro que nem dei pelo dia de hoje, quarta-feira, e só me apercebo da hora da sessão pouco antes do seu começo. Saio, desvairada, pego na mala, esqueço-me do telemóvel, desço o elevador e volto atrás para recuperá-lo, e sigo na tal “velocidade cometa”, em conformidade com toda a semana, sem tempo para pensar e quase em piloto-automático... Paro, apenas quando oiço:


 Bom dia, Madalena!


E paro mesmo!! E penso!!! E saio esgotada. Não sei se de alívio ou de exaustão, mas é como se a energia que o meu dispositivo interno dispara tivesse encontrado um espaço onde pode finalmente repousar, onde necessariamente teve que parar.

Mesmo não querendo, como me disse a minha psicóloga... (o ligeiro atraso e o esquecimento do telemóvel, como aliás da própria sessão, foi comentado... Começo a perceber que, para estes lados, tudo tem um significado). E parece que tudo isto é uma espécie de fuga de mim e das coisas que me custam ver... As desorganizações, as separações!


Tanto que há para pensar! Mas o me apetece mesmo dizer agora, cá para dentro de mim, é “Sossega, Madalena, sossega”. E na verdade não há razão para fazê-lo. Creio que o dispositivo ficou naquele espaço, pelo menos hoje, e talvez por isso me esteja a sentir tão perdida, sem ter onde me agarrar... Para não pensar? Até eu já vou achando que sim, que isto de pensar não é fácil...




quarta-feira, 12 de junho de 2013




05 de Junho

Hoje, venho assim, a modos que, vazia… Apetece-me muito vir e nem sei bem porquê mas, estou meio estranha, sem vontade de falar.

Para a semana começam as férias de aulas dos meus filhos. Os feriados, enfim!! Parece que está por aí este período mais longo do verão e eu por aqui a pensar como ocupá-los. É sempre um pensar, organizar e tentar “preenche-los” o mais possível… ficou pouco tempo para mim, Madalena!

O João, já se ocupa bem! Ele próprio já tem os seus interesses e acaba sempre por combinar coisas com os amigos, passeios, concertos, apesar das restrições que eu o pai temos que colocar sim, porque, por ele, tudo o que é concertos, passeios, fins de semana fora, não têm qualquer interesse se ele não estiver por perto… convencido este meu filho!!!  Cabe-nos a nós travar este entusiasmo desmedido. Mas às vezes não é fácil!

A Matilde, para além do campo de férias para onde vai todos os anos, fica entregue aos avós maternos e depois aos paternos. Ainda há pouca coisa com a qual ela se possa entreter. Lá vai tendo os primos e os amigos de férias porque vai sempre para os mesmos sítios. Depois, temos então o período de férias de toda a família. Este ano ainda não sabemos como vai ser, vamos os quatro, de certeza! Para onde e como, está tudo ainda muito incerto…

Mas porque são estes os pensamentos que me ocupam, hoje? Não é propriamente para isto que eu venho até aqui? Aliás, está cada vez mais claro que, organização familiar é comigo!!
Mas estou assim, meio em baixo. Não me apetece pensar! Triste? Acho que não! Ansiosa? Não me parece! Contrariamente ao habitual, com pouca vontade de falar! 


Bom dia Madalena!


Saí pior… Definitivamente não é um bom dia…

Descobri que, por mais que eu consiga externamente ser uma mulher extremamente bem organizada, internamente, estou uma desorganização completa! 

E não é que esta coisa das férias dos meus filhos, me incomoda? Este tempo que estou sem eles, particularmente a Matilde, desorienta-me? E não sei bem como, fui parar à minha infância! 
E algumas das recordações não foram muito agradáveis… A minha mãe, nunca trabalhou… mulher sensível às artes, autodidacta, sempre muito afectuosa, dedicou o seu tempo a gerir a minha vida e a dos meus irmãos. O meu pai, advogado, passava longo tempo distante da família: “o trabalho filha, ocupa-o muito tempo”, dizia a minha mãe. 
Nunca achei que fosse uma boa justificação mas, aceitava-a e passava a maior parte do tempo junto  a ela, ouvindo-a ler, vendo-a pintar e que coisas lindas que ela pintava. Ainda hoje o faz! Às vezes, ao cair da tarde, ficávamos as duas ( sim porque eu era a que gostava mais das coisas que ela gostava) , a ver na televisão, bailados lindos, clássicos… e eu adorava… porque tinha ela que me mandar todas as férias para longe disto que eu amava? Não percebia que me era muito mais agradável estar ao seu lado do que ir para os avós? Mesmo que isso implicasse, primos, praia, piscina?

Como dizia a psicóloga, parece que esta separação sazonal dos meus filhos, traz até mim, as minhas próprias separações… 
E eu que pensava que apesar de tudo gostava de ir de férias? Sim porque depois quando lá chegava até me divertia… mas que saudades que eu tinha da minha mãe.
E lembrei-me que de vez em quando, este pensamento vinha-me à cabeça quando me deitava à noite: Será que ela me esquece? Claro que não!! Mas o medo que eu tinha de que isso fosse possível!

Bom, para a semana há mais… ahhhh… pensamentos desorganizados…


quarta-feira, 5 de junho de 2013





29 de Maio

Hoje o dia passou devagar, num compasso marcado pelo número de vezes em que olhei para o relógio, ansiosa que o ponteiro batesse certo com a minha vontade de sair porta fora do trabalho em direcção àquele lugar. É claro que a minha colega irritante deu o seu contributo, como vem sendo hábito... (Não posso mais com a prepotência com que me julga tratar!) Mas, percebo claramente que a vontade de regressar não tem tanto que ver com isso. (Incrível como ainda há tão pouco tempo atrás, eu achava que este espaço não era assim tão importante). Pelo menos, hoje não é isso que está a mexer cá por dentro.

Talvez porque a última sessão foi... Diferente. Não sei explicar em quê, ou porquê, mas sei que me senti estranhamente bem. Parece confuso dizê-lo a mim própria, mas foi assim que me senti, enquanto os meus pensamentos foram surgindo, embrulhados nas recordações que trago dentro de mim, num lugar que nem imaginava existir (das coisas que eu me fui lembrar! Ainda me interrogo que caixa é esta que trago em cima dos ombros e o que ela tem por desvendar..!). E não foi só na sessão, foi também depois quando saí, e depois nos dias que correram e nas noites que, para variar, fico acordada como uma verdadeira adolescente, que se entretém pela noite dentro nas suas divagações!

Acho que é isso mesmo! Como uma verdadeira adolescente! Foi essa parte de mim que não me lembrava já onde tinha ficado, que fui recuperar na última sessão... E achava eu que ia falar dos dilemas do meu filho João... Quando dou por mim de frente para a minha vivência enquanto adolescente e, afinal de contas, perante os meus próprios dilemas!
Talvez por isso me tenha sentido estranhamente bem... E estranhamente viva, que é coisa que parece que às vezes não sinto. E quero perguntar-lhe porquê – Porque é que eu, Madalena, que vivi com tanta intensidade amores, desamores, amizades e desavenças, hoje sou assim. Digo assim, aprisionada (que raio, quero livrar-me desta expressão que me incomoda, mas é a primeira que me surge).

Bom, com o João, talvez não tão estranhamente, não sei, as coisas correram melhor. Até ouvi dele que era uma mãe curtida, veja-se... Mas senti-me um pouco mais calma nas minhas hesitações de mãe.
Oi!!! Está na hora. Cá vou eu , ainda embriagada pelas minhas interrogações.


Bom dia, Madalena!


E, quando saio, venho satisfeita porque percebi que, entender-me, permitiu-me olhar para o meu projecto de adolescente lá de casa de uma outra forma e a verdade é que parece ter resultado... Bom, resultou em relação a esta última ida ao Bairro Alto, não garanto é que as minhas angústias não venham daí todas outra vez, numa próxima! Será?? Logo se vê! Importa é o que consegui desta vez!


Mas não consegui colocar-lhe a minha interrogação. Faltou-me a palavra, ou talvez a coragem. Como perguntar-lhe onde é que ficou essa Madalena adolescente, se ela pouco ainda conhece de mim? Por enquanto, vai ficar aqui dentro de mim, até ao dia em que não suportar mais esta dúvida ou, simplesmente, me esquecer dela... Por agora, fica aqui pairar e sinto-me parva, por não ter tido o arrojo de a questionar. Enfim, parece que tudo é mais fácil quando se é adolescente!