sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Um Conto de Natal...

 



“Um Conto de Natal” talvez seja um dos clássicos que mais fazem parte do imaginário cultural do ocidente europeu nesta época. Quando uma obra de 1853 atravessa dois séculos e se mantém viva na nossa história é caso para perguntarmos em que é que ela nos toca, na nossa humanidade, que transcende períodos sociológicos tão distintos. Em muitos aspetos, estamos longe do ambiente de Londres do século XIX.  

No conto de Charles Dickens, o personagem principal, Mr. Scrooge, um homem caracterizado como ávaro, egocêntrico, e rude com os outros, um homem só, é visitado, durante a noite, por três fantasmas, o do passado, o do presente e o do futuro.

O fantasma do passado leva-o a recordar-se de partes significativas da sua história, partes de privação e de dor, de uma vulnerabilidade que ele já não conhecia, tão distantes que nem parecia ele mesmo, e que, para o espectador, humanizam este personagem, permitindo compreendê-lo melhor e atribuindo outro tipo de significados às suas atitudes e comportamentos. O fantasma do presente mostra-lhe outras versões da realidade, a vida do funcionário que ele despediu, as agruras pelas quais a sua família passa, e as consequências da sua atitude na vida desta família. Esta é, também, caracterizada de forma bastante estilizada, a família pobre, mas recta e afetuosa. O Mr. Scrooge fica, genuinamente, surpreendido. Mesmo que pudesse ter uma noção de tais dificuldades, o fantasma trouxe-lhe um olhar diferente, a cores, um olhar já um pouco mais esclarecido, também, pelo fantasma do passado. O fantasma do futuro mostra-lhe, por sua vez, o que será o seu fim de vida se continuar no mesmo curso, um fim solitário e sem paz. Dá-se conta do que é o seu próprio presente, solitário, agora com um outro olhar, enriquecido por outras possibilidades e por outras vontades. Quando acorda desta experiência, quase por magia, muda, torna-se uma pessoa a cores, mais generosa, mais afetuosa, que abraça o espírito de Natal.

Naturalmente que há outras leituras deste conto, designadamente morais, mas não estamos interessados nelas. Interessa-nos, particularmente, a possibilidade de mudança. Neste Conto, esta é facilitada por 3 fantasmas. Serão as/os psicoterapeutas fantasmas do passado, presente e futuro? Somos, todos, potencialmente, um Mr. Scrooge ou o funcionário que ele despede? Espero que não! Mas todos temos os nossos“fantasmas” e na psicoterapia vamos conhecendo uns e outros, revisitando e reconstruindo as versões do passado, do presente e do futuro, a possibilidade de mudança está nesta análise e nesta experiência.

Na época em que nos encontramos interessa-nos, muito, esta idealização do espírito de Natal, que banha as famílias de generosidade e afecto. Uma imagem estilizada do Natal à lareira com a qual confrontamos a nossa própria experiência. A minha família não éassim...porquê?... mas eu gostava que fosse.... um dia será.... Os “fantasmas” não aparecem nos anúncios de TV e, evita-se, a todo o custo, que apareçam na festa. Mas, precisamente pela simbologia da época, precisamente nesta altura, estão bem ativos. O Natal é bom, mas também pode ser difícil. E não ajuda termos como horizonte aquele Natal estilizado. Pode ser melhor, sim, também podemos ser melhores, mas não tem de ser perfeito, mais vale ser autêntico.



Drª Ludmila Carapinha - Lisboa

O Canto da Psicologia



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