“Um Conto de Natal” talvez seja
um dos clássicos que mais fazem parte do imaginário cultural do ocidente
europeu nesta época. Quando uma obra de 1853 atravessa dois séculos e se mantém
viva na nossa história é caso para perguntarmos em que é que ela nos toca, na
nossa humanidade, que transcende períodos sociológicos tão distintos. Em muitos
aspetos, estamos longe do ambiente de Londres do século XIX.
No conto de Charles Dickens, o
personagem principal, Mr. Scrooge, um homem caracterizado como ávaro, egocêntrico,
e rude com os outros, um homem só, é visitado, durante a noite, por três
fantasmas, o do passado, o do presente e o do futuro.
O fantasma do passado leva-o a
recordar-se de partes significativas da sua história, partes de privação e de
dor, de uma vulnerabilidade que ele já não conhecia, tão distantes que nem
parecia ele mesmo, e que, para o espectador, humanizam este personagem,
permitindo compreendê-lo melhor e atribuindo outro tipo de significados às suas
atitudes e comportamentos. O fantasma do presente mostra-lhe outras versões da
realidade, a vida do funcionário que ele despediu, as agruras pelas quais a sua
família passa, e as consequências da sua atitude na vida desta família. Esta é,
também, caracterizada de forma bastante estilizada, a família pobre, mas recta
e afetuosa. O Mr. Scrooge fica, genuinamente, surpreendido. Mesmo que pudesse
ter uma noção de tais dificuldades, o fantasma trouxe-lhe um olhar diferente, a
cores, um olhar já um pouco mais esclarecido, também, pelo fantasma do passado.
O fantasma do futuro mostra-lhe, por sua vez, o que será o seu fim de vida se
continuar no mesmo curso, um fim solitário e sem paz. Dá-se conta do que é o
seu próprio presente, solitário, agora com um outro olhar, enriquecido por outras
possibilidades e por outras vontades. Quando acorda desta experiência, quase
por magia, muda, torna-se uma pessoa a cores, mais generosa, mais afetuosa, que
abraça o espírito de Natal.
Naturalmente que há outras
leituras deste conto, designadamente morais, mas não estamos interessados
nelas. Interessa-nos, particularmente, a possibilidade de mudança. Neste Conto,
esta é facilitada por 3 fantasmas. Serão as/os psicoterapeutas fantasmas do passado, presente e futuro? Somos, todos, potencialmente, um Mr. Scrooge ou o
funcionário que ele despede? Espero que não! Mas todos temos os nossos“fantasmas” e na psicoterapia vamos conhecendo uns e outros, revisitando e
reconstruindo as versões do passado, do presente e do futuro, a possibilidade
de mudança está nesta análise e nesta experiência.
Na época em que nos encontramos
interessa-nos, muito, esta idealização do espírito de Natal, que banha as
famílias de generosidade e afecto. Uma imagem estilizada do Natal à lareira com
a qual confrontamos a nossa própria experiência. A minha família não éassim...porquê?... mas eu gostava que fosse.... um dia será.... Os “fantasmas”
não aparecem nos anúncios de TV e, evita-se, a todo o custo, que apareçam na
festa. Mas, precisamente pela simbologia da época, precisamente nesta altura,
estão bem ativos. O Natal é bom, mas também pode ser difícil. E não ajuda
termos como horizonte aquele Natal estilizado. Pode ser melhor, sim, também
podemos ser melhores, mas não tem de ser perfeito, mais vale ser autêntico.
Drª Ludmila Carapinha - Lisboa
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