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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Natal num turbilhão de emoções...

 



Podia escolher, exclusivamente, escrever sobre a beleza do Natal, as luzes, as canções, a alegria da partilha, a gratidão e o amor que, sem dúvida, caracterizam esta época festiva. Mas o fim do ano carrega nele, igualmente, uma série de balanços, sendo que podem ser vividos por uns tranquilamente, mas por outros, gera ansiedade consoante, a estrutura de personalidade, assim como, os acontecimentos, experiências que foram ou estão a ser vividas.

Nem sempre o Natal é um conto de fadas, o natal pode enaltecer a solidão mais do que o sentimento de união, partilha. As saudades, de quem já não está, do que foi, as lembranças e a nostalgia, traduzem e identificam estas épocas.  Reflexões sobre o que concretizamos emergem. O que desejamos para o ano que está a terminar, foi realizado? Conseguimos avançar, evoluir? Parece que há uma certa exigência, mais do que nunca, para fazer mais e melhor e ter “obrigatoriamente “de atingir resultados, ter sucesso, vencer, mas a vida, por vezes, não é só feita de celebrações permanentes, existem alturas em que somos colocados, em situações delicadas e, geralmente, não estamos à espera do que nos pode acontecer, neste momento, instalasse a frustração e a desilusão. Esta pressão que, de certa forma, foi incutida pela sociedade, de estarmos sempre bem, no nosso melhor, é impossível e, até doentio estarmos “sempre bem”, há alturas difíceis, desafiantes, existem momentos duros, nem sempre tudo é um mar de rosas. Viver é uma soma de desafios, superações, algumas conquistas e bons momentos.  De facto, como encaramos esses períodos difíceis, que às vezes, duram meses e anos, vai fazer toda a diferença.

 Assim sendo qual é a chave? Como devemos superar os momentos duros, como lidar com essas emoções de ansiedade, medo, tristeza, quando estas se tornam avassaladoras? Só existe uma forma é aceitar, porém essa aceitação não vai ser imediata, uma vez que a fase do luto assim obriga, a processar no seu devido tempo, mas sem dúvida que ignorar, negar, as nossas emoções, não é de todo o caminho certo e, apenas leva a mais dificuldades. Ter consciência e distinguir, o principio da realidade, da fantasia, compreender pensamentos não são verdades, pode ajudar no processo. A psicoterapia tem aqui um papel fundamental para poder catalisar, todo este caminho de orientação e de auto-regulação.

É muito comum socialmente ouvirmos: “não chores, controla-te, não tenhas medo, não fiques assim”, mas isto só acontece uma vez que, a maioria das pessoas aprende, desde cedo a rejeitar as emoções mais intensas e, esse ignorar, só piora a situação. Temos de aceitar que somos humanos, vulneráveis, sim, por vezes caímos, estamos tristes, zangados, frustrados, faz parte do nosso constante processo de crescimento. Embora na altura, em que vivemos os momentos difíceis, seja difícil de aceitar, vamos acabar por aprender e ganhar maior sabedoria sobre o que nos rodeia.

 A vida irá nos colocar à prova, qual é o tamanho do seu amor próprio? Qual é o seu auto diálogo, amoroso ou critico? O nosso lado mais sombrio, deve ser integrado e amado, igualmente, tal como todas as nossas outras facetas, não está errado sentir zanga, tristeza, ansiedade, faz parte, é natural, não diz nada sobre o que somos, as emoções não são boas nem más. As emoções, na realidade, são todas boas, necessárias e fundamentais para o osso equilíbrio, homeostático, psíquico, somente a intensidade com que são alimentadas, pelos nossos pensamentos é que pode gerar perturbações. Assim sendo até felicidade a mais, pode ser negativa, uma vez que leva à ingenuidade, ausência de prudência.

Deste modo permita-se, a ser o que tiver de ser hoje, sem ter de refletir no que podia ter atingido mais, às vezes, só estar presente e conseguir desfrutar do agora, é já extraordinário, conseguir, apenas, aproveitar os pequenos momentos, pequenas coisas do dia a dia, já é fazer imenso. Até só estar agora, a ultrapassar o momento desafiante, já é um ato de coragem que deve ter orgulho, é válido, é importante, mesmo que não esteja sempre a fazer “coisas” que a sociedade impõe.

Numa era cada vez mais narcísica, há uma ditadura da perfeição instaurada, como se fosse tudo contabilizado, cronometrado sobre o que ter, o que fazer? Nesta azafama, agora também, do natal esquecemos de estar apenas de corpo e alma no presente, com quem amamos, em família, termos foco, somente, no que nos rodeia agora. Podemos atingir mais? Penso que estar aqui é viver este desafio, mas não esquecer do mais importante, que é ter tempo para divertir, brincar e não levar tudo com tanta seriedade, que lhe escape o que realmente importa. 

 

Mafalda Leite Borges - Alcochete

Canto da Psicologia



sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A escuta… n(d)o silêncio

 


 

“É em silêncio que melhor se ouve o que vem de fora e o que nos vai por dentro; é de silêncio a reflexão sobre o que já se aprendeu; é o silêncio que se interpõe entre as palavras que lhe empresta o valor mais significativo do discurso.”

(João dos Santos)

 

A escuta terapêutica, pode dizer-se, vai para além da escuta das palavras. Quando alguém faz “um pedido de ajuda” transmite normalmente com as suas palavras a urgência de uma compreensão. Não raras as vezes após uma primeira consulta, o paciente se questiona sobre a necessidade dessa mesma compreensão, quase como se um possível alívio sentido num primeiro encontro (terapêutico) o fizesse questionar sobre a veracidade dessa mesma compreensão – será que vou ser verdadeiramente compreendido? como poderá esta pessoa ajudar-me se já lhe disse tudo o que me preocupa?

Voltando ao pedido de ajuda e ao seu significado, será interessante pensar-se sobre o que é dito com as palavras, mas também com o tom, com a sua musicalidade. Um pouco como acontece na díade mãe-bebé, onde a voz da mãe coloca legendas no sentir do bebé, também na relação terapêutica se vai dançando ao som da música. Nesse sentido o lugar do psicoterapeuta é (também) o lugar da escuta e da espera. O silêncio, por vezes ensurdecedor, pode dar lugar e voz à escuta do espaço interno do paciente, permitindo a livre expressão do eu. A relação terapêutica, à medida que se torna um espaço seguro e de confiança, funciona como um terreno fértil, dando condições ao desenvolvimento e crescimento mental.

            Quando alguém nos narra uma história ou fala sobre um acontecimento, geralmente vai articulando o seu discurso com o som, as pausas, a linguagem que melhor descrevem (fazem compreender) o que se quer transmitir. É esta interpretação que ajuda a dar significado ao vivido. Curiosamente, é um pouco aí que reside o entendimento face à questão “será que vou ser verdadeiramente compreendido?”. Digamos que enquanto a voz do paciente não é suficientemente audível para expressar aquilo que apenas é potencialmente expressável, que o psicoterapeuta lhe empresta, com o seu silêncio, a sua voz (João Pedro Dias). São as qualidades do psicoterapeuta - calma, serenidade, vitalidade, constância, genuinidade, segurança, indestrutibilidade - (João Pedro Dias) que refletidas no silêncio permitem ouvir a voz do paciente e dar espaço à verdadeira compreensão, por parte do outro e interna. A escuta no silêncio funciona metaforicamente como um “empréstimo” de voz, como se ao ficar em silêncio, o psicoterapeuta pudesse (com as suas qualidades) complementar a voz do paciente, dando-lhe significado. Sabemos que a palavra e a interpretação são elementos essenciais na psicoterapia, mas também a qualidade do silêncio, na medida em que possibilite o encontro da díade paciente – terapeuta. E é neste sentido que a relação terapêutica é diferente das outras relação, eliminando ruídos e facilitando o acesso ao simbólico da palavra, mas também do silêncio.


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia 

  

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A série de todas as séries...

 



Nos últimos dias tornou-se inevitável abordar este tema, pelos mais diversos motivos e não pelos melhores motivos… o tema envolve a série Squid Game e, por consequência, o tema envolve igualmente várias outras séries, filmes e jogos que são vistos e jogados por crianças e adolescentes antes da idade indicada para tal, devido à violência a que são expostos.

Comecemos então pela série em questão, que está a ter um enorme foco por toda a comunicação social, em diversos países do mundo. Trata-se de uma série que foi lançada há pouco tempo e que atingiu rapidamente um número de visualizações muito elevado, infelizmente visualizações estas realizadas, na grande maioria, por crianças e adolescentes com idade muito menor à recomendada. Referimo-nos a algo com um conteúdo extremamente agressivo, violento, tanto física como psicologicamente, claramente com uma mensagem implícita por trás, que para adultos essa mensagem poderá ser interessante e até importante, mas que para adolescentes não será compreendido dessa forma e muito menos o será por crianças.

As “provas” de que estamos perante um perigo a nível comportamental, para quem vê esta série, são as notícias que têm surgido, que em nada surpreendem, sobre crianças a replicar nos recreios das escolas o que viram na série. O que nos remete para brincadeiras extremamente violentas e, consequentemente, perigosas a vários níveis.

Tudo isto pode levar-nos a alguns pontos para discussão. Podemos começar pela idade indicada como referência para se ver uma série/filme ou jogar determinados jogos. Esta referência não é colocada aleatoriamente, esta referência é colocada com base em critérios específicos e, por isso mesmo, não deve ser ignorada. Este é o principal problema observado atualmente, o ignorar desta referência, o ignorar da parte da maioria dos pais… Se pode ser difícil o dizer “não” quando o argumento é “mas todos os meus colegas viram”? Pode! Mas também pode ter consequências ceder a este argumento? Pode!

Esta nova série é apenas mais um exemplo, do quanto os jovens atualmente estão a ser expostos a algo totalmente desadequado às suas idades. A problemática aqui foca-se na agressividade excessiva que está presente nos conteúdos apresentados e que, inevitavelmente, se refletem no comportamento.

Neste texto o objetivo é alertar para o que estamos nós, enquanto sociedade, a permitir que os nossos jovens tenham acesso, sem que ainda tenham as devidas capacidades desenvolvidas para assimilar a informação que consomem. Existem diversas fases do desenvolvimento, pelas quais todos passamos e cada uma delas vem com a aquisição de capacidades e conhecimentos. E quais são as consequências de dar informações aos jovens antes dessas capacidades estarem totalmente sedimentadas? Assimilar de forma errada, percecionar o que veem de forma errada e adquirirem comportamentos com base no que assimilaram, que muitas das vezes se reflete em comportamentos agressivos, por ainda estar a ser construída a capacidade de lidar com o emocional. Quais poderão ser os impactos a nível social e emocional? Incapacidade de lidar com a frustração sem aceder à violência e incapacidade de estabelecer ligações emocionais contentoras e coesas, são apenas exemplos.

Importa assim respeitar o caminho das etapas de desenvolvimento das crianças e adolescentes, não lhes oferendo ferramentas que ainda não conseguem utilizar da melhor forma e para as quais ainda não têm competências emocionais de gerir e aplicar.

 

Drª Rita Rana

O Canto da Psicologia – Lisboa


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Crianças violentas...

 


 

A morte de um jovem de 23 anos à porta de uma discoteca no Porto provocada por outro jovem de 21 anos fez-me pensar neste titulo, escolhido há 2 anos atrás para a 5ª Jornada de estudos do Instituto Psicanalítico da Criança em Paris.

 A agressividade na criança e no jovem pode ser uma chamada de atenção ou uma tentativa de afirmar a sua singularidade, a sua vontade, face às regras e limites impostos pelos adultos (pais, professores, etc). Neste caso estaríamos no registo do simbólico e falaríamos de acting-out, um ato inconsciente que se realiza para um Outro, para poder passar uma mensagem que não se consegue exprimir de outra forma, através da palavra.

 As passagens ao ato, pelo contrário, como parece ser aquela que vitimou Paulo Correia no Porto, escapam ao simbólico, à palavra. Esta noção designa atos violentos, auto ou hetero agressivos e frequentemente impulsivos. A tentativa de encontrar uma causalidade para estes fenómenos de violência é muitas vezes infrutífera pois trata-se de uma irrupção isolada de qualquer tipo de discurso ou diálogo possível. Falamos da violência gratuita que tem como satisfação o simples ato de destruir, de sair de cena, sem causa nem mensagem dirigida a alguém.

 A questão que eu gostaria de abordar, orientada por um texto de Jacques-Alain Miller escrito para a referida jornada de estudos, é como podemos integrar esta violência num discurso simbólico.

 Miller fala de uma posição terapêutica afetuosa e de contra-violência simbólica, em que se tentaria ajudar a criança/jovem a encontrar palavras para expressar a sua agressividade, a (re)construir uma defesa contra eventuais episódios de irrupção da violência, e a reparar um eventual defeito na sua capacidade simbólica.

 Não se trata de impôr um determinado significado ou de corrigir comportamentos através de uma técnica igual para todos, mas de ouvir o que a criança/jovem tem a dizer sobre a sua violência e agressividade, sobre o que a desencadeia, sobre o sofrimento que lhe provoca. Quando esta violência encontra um lugar para ser abordada, pode revelar-se uma força frutífera para a criança.

 J-A Miller alerta-nos para o perigo de ficarmos colados a uma visão determinista da criança/jovem que muitas vezes é veiculada no ambiente familiar, escolar e social desde muito cedo - “agressivo”, “violento”, “destruidor”. Defende igualmente que nem toda a violência é errática e que é necessário respeitar e dar lugar a uma revolta que pode ser saudável, em alguns casos.

 

 

Drª Rafaela Lima

O Canto da Psicologia - Braga


quinta-feira, 15 de julho de 2021

Era uma vez um bebé...

 



Quase toda a gente gosta de bebés, suscitam ternura e não é por acaso, foram “desenhados” com aquelas formas redondas para  atrair, para que possam ser cuidados, visto a sua enorme dependência de outra pessoa para a sua sobrevivência. Dizia o pediatra e psicanalista Donald Winnicott “there's not such a thing as a baby” (“o bebé não existe”), referindo-se exactamente à impossibilidade de um bebé viver sozinho, existindo sim a díade mãe-bebé (ou cuidador-bebé). Contudo este olhar para o bebé, este conhecimento que fomos adquirindo acerca da pessoa humana na sua natureza mais precoce é muito, muito recente e ainda existem muitos mitos e falta de conhecimento. Ainda há poucos anos atrás se faziam intervenções médicas, e algumas cirurgias, a bebés sem qualquer tipo de anestesia porque se acreditava que os bebés recém-nascidos não sentiam dor...  Mesmo a palavra “bebé” é relativamente recente na história da humanidade, segundo Delassus[1] é um vocábulo retirado da lingua inglesa (baby) e pode ser datado de meados do século XIX, mais precisamente de 1842. A palavra infância já existe há mais tempo, oriunda do latim infans que significa aquele que não fala, que não teve acesso à linguagem, embora possamos ver também aqui uma certa conotação negativa no sentido em que é excluido da comunidade humana dos seres que falam.

            Felizmente, os bebés em particular e a infância no geral, começaram a despertar o interesse dos investigadores e o bebé começou a ter um lugar próprio e as suas capacidades poderam ser vistas. O estudo dos bebés atravessa várias disciplinas entre elas, a biologia, a medicina, a antropologia, a pedagogia e a  psicologia teve (e tem tido) também um grande contributo, tendo alguns cientistas começado por observar sistematicamente os seus próprios filhos, abrindo assim portas para novas observações. Pode então surgir uma cultura da infância, muito embora este conhecimento fique muitas vezes fechado em livros e circuitos académicos, dando azo a que persistam alguns mitos e não prevaleça uma verdadeira cultura da infância. A título de curiosidade colocarei aqui algumas perguntas e respostas, que por vezes surgem:

 

-        Quanto vêem os bebés?

            Poucos dias após o nascimento, o recém-nascido é capaz de ver de forma nítida e focada qualquer objecto a uma distância entre os 20 e os 50cm de distância. Quando olha para longe vê uma mancha difusa, uma vez que ainda não tem um controlo bi-ocular e é por isso que por vezes entortam os olhos. Contudo, a partir das 6 semanas já começam a conseguir concentrar-se em distâncias mais longas. E isto não é por acaso, é um “mecanismo anti-stress”! Foca-se no que se encontra perto, e que pode ser muito importante, a mãe, o alimento, etc, e evita o que está longe do seu corpo, que não tem importância para ele e que pode ser ainda muito confuso. Sabe-se ainda que os bebés preferem formas curvas, são sensíveis a padrões e gostam de objectos grandes e iluminados.

 

-        Os bebés sonham?

            Sim, sonham só não sabemos com o quê! Têm até surgido investigações que sugerem que sonham já desde a vida uterina, na barriga da mãe. Sabe-se que sonham através do tipo de sono, o REM,  onde os olhos se movem por detrás das pálpebras fechadas; este é um sono mais leve e os bebés fazem-no em cerca do dobro do tempo dos adultos.

 

-        Os bebés têm consciência de si próprios?

            Esta questão é mais difícil de responder mas tudo leva a crer que o bebé sabe diferenciar-se: sente os limites do seu próprio corpo, situa-se nas relações com os outros (eu social) e tem um elementar conhecimento de si. Alguns estudos que utilizam a interação e imitação precoce, o reflexo em espelhos ou a visualização de vídeos, têm vindo a demonstrar formas elementares de consciência de si, contudo o conhecimento acerca de si próprio pressupõe a interação com o meio ambiente e é um processo longo que acompanha o desenvolvimento. É então um conhecimento que nos acompanha a vida toda e será, aliás, um dos propósitos da psicoterapia: conhece-te a ti mesmo.

 


Drª Maria Portugal - Lisboa

O Canto da Psicologia

 



[1]             - Delassus (1998)  “A natureza do bebé”. Edições Cetop


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Avó, quanto tempo o tempo tem?

 



 

E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos

E por vezes os braços que apertamos

nunca mais são os mesmos    E por vezes

 

encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes

 

ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites      não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos

 

E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos

 

David Mourão-Ferreira, in 'Matura Idade'

 

 

Recordo-me com muita saudade de questionar a minha avó sobre a passagem do tempo. Intrigava-me a sua resposta – “quando tiveres 18 anos vais sentir que o tempo passa de uma outra maneira”. Penso que sem se aperceber a minha avó falava de dois tempos, um tempo da infância, onde “nem se dá pelo tempo a passar”, e um tempo adulto, onde “parece que o tempo nos foge das mãos”. Acho que com a sua morte, ainda antes dos meus 18 anos, consegui perceber um pouco melhor o que me queria dizer. Com a sua linguagem própria, e doce, como só os avós conseguem ter (pelo menos assim era a minha) penso ter tido um primeiro contato com o que é a memória das coisas, e a sua função no tempo atual (o inconsciente e o consciente).  Os 18 anos ou a “Matura Idade” leva-nos supostamente para uma outra visão do aqui e do agora, onde o tempo cronológico e o tempo interno nem sempre andam a par e passo. Na infância onde parece haver um relógio parado (quem não se lembra das longas férias grandes?), há também um lugar para a imaginação e criatividade. Em Alice no País das maravilhas, encontramos de uma forma simbólica o que pode ser a ingenuidade da mente infantil e como esta compreende as regras e obrigações sociais de um mundo adulto, representada pela Alice (eternamente criança, porque paralisada no tempo). Por outro lado, a personagem do Coelho Branco, sempre apressado, transporta-nos para o universo das responsabilidades adultas, onde parece nunca “haver tempo para nada”. Curiosamente, esta personagem “rápida como um coelho”, está sempre a correr para não chegar atrasado.

 


A passagem do tempo acaba por ser invariavelmente um dos temas presentes dentro do espaço psicoterapêutico. Digamos que a passagem do tempo, ou a vivência de uma continuidade e a experiência de vida (recordações) são ferramentas essenciais ao trabalho a dois desenvolvido entre paciente e terapeuta, pois o passado está presente na nossa vida atual. Questões como a duração de uma sessão de terapia e da própria terapia, fazem-me reativar a questão “quanto tempo o tempo tem”, e de uma forma mais profunda ainda, do significado do tempo (e lugar) e da permanência das relações dentro de nós. A tolerância à espera – quanto tempo vai durar a terapia? Como sei que o que aqui estamos a fazer vai ficar dentro de mim? – é tanto mais possível quanto a relação se revela de confiança e segura, e também plena de intimidade (mental). De certa forma, penso que no início de uma psicoterapia haverá quase sempre a dúvida de uma “criança”, no sentido da existência de um tempo que parece não passar, ou que parece andar muito devagar. No fim de contas, o processo de transformação interna passa também por aí, pela existência de um tempo e lugar, onde de uma forma simbólica se possa parar o tempo e fazer as ligações necessárias entre o relógio mental e o cronológico. Estar ligado ao presente e ao futuro, não significa perder de vista o tempo passado, mas possivelmente “acertar as horas” e ter um tempo e disponibilidade mental para estar consigo e com um outro de uma forma verdadeira e genuína. E assim, fazendo jus às palavras de Fernando Pessoa “Eu era feliz? Não sei, fui-o outrora agora”.


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia


quinta-feira, 13 de maio de 2021

Descobrimentos do ser...

 



“Toda a dor pode ser suportada, se sobre ela, puder ser contada uma história”

 

Hannah Arendt



É na relação com o outro que descobrimos todas as matizes do nosso ser. Todos, sem exceção, desenvolvemo-nos em relação e através dela. Um desenvolvimento humano sadio depende fundamentalmente de uma relação íntima primária harmoniosa. E a harmonia desta relação está dependente de cuidados suficientemente satisfatórios e adequados às necessidades emocionais dos seres humanos no início da vida. O sentimento de ser amado, de ser gostado, de valor próprio e de competência é desenvolvido desde uma fase de existência muito precoce. Quando no seio destas relações primárias não existem condições favoráveis ao desenvolvimento de um amor próprio salutar, incorremos em sérios riscos de um desenvolvimento deficitário. 

Quem bate à porta da psicoterapia traz, muitas vezes, dentro de si, acumulações de relações falhadas. Ausência de sentimento de valor próprio, perda de sentido de vida, insatisfação nas relações, conflitos interpessoais. E de forma mais ou menos explícita pedem que olhemos todo o seu ser com verdadeiro interesse e entusiasmo, que identifiquemos as suas qualidades e competências e, sobretudo, acreditemos genuinamente no seu potencial de desenvolvimento e mudança.  

E será este interesse genuíno por quem nos procura, o fator elementar no favorável desenvolvimento da relação terapêutica e a possibilidade de retoma do amadurecimento da pessoa, direcionando-a para a capacidade de integrar todos os aspetos da sua vida numa unidade sintónica. 

A psicoterapia é um caminho de volta à herança do amadurecimento, onde tudo pode ser sentido e pensado, e o olhar de quem escuta permite a expansão das competências que se bloquearam algures no caminho do desenvolvimento.


Drª Soraia Almeida - Braga

O Canto da Psicologia



sexta-feira, 30 de abril de 2021

“Que as mulheres não sejam criadas para serem criadas”...

 


“Que as mulheres não sejam criadas para serem criadas” - e eu acrescentaria: nem os homens para serem servidos 

    A frase e a ilustração são da Clara Não, feminista, ilustradora e escritora, é assim que se descreve no seu perfil do instagram onde conta com mais de 114 mil seguidores e tem muitas outras reflexões ilustradas que valem a pena uma visita atenta. Aqui fica mais uma: “não quero um cavalheiro, quero alguém que trate as pessoas com respeito, independentemente do género delas”.
 
   Num momento em que (felizmente) muito se fala da importância da saúde mental, deixo-vos alguns números e conclusões do Relatório Anual sobre a Igualdade de Género na UE de 2021 em que ficou claro que a pandemia exacerbou as desigualdades existentes entre mulheres e homens em quase todos os domínios da vida e por todo o mundo.

    -    Os Estados-Membros registraram um agravamento da violência doméstica, por exemplo com um aumento de 32% em França durante a primeira semana do confinamento, ou de 5 vezes mais casos na Irlanda durante a primeira quinzena (a APAV está neste momento a realizar um estudo e as conclusões sobre este assunto no nosso país serão publicadas em Maio).

    -    As mulheres estiveram na linha da frente na luta contra a pandemia: 76% dos trabalhadores do setor da saúde e da assistência social são mulheres, o que representou um aumento tanto do volume de trabalho, dos riscos sanitários e dos desafios em conciliar a vida profissional e familiar.

    -    As mulheres dedicaram, em média, 62 horas por semana a tomar conta de crianças (em contraste com 36 horas para os homens) e 23 horas por semana foram consagradas ao trabalho doméstico (em comparação com 15 horas para os homens).
 
    São vários os relatos que oiço de mulheres que têm de conciliar o inconciliável e que expressam a sua exaustão e por vezes outros sintomas. Nos jornais abundam manchetes como “Jovens mulheres estão a ser afectadas desproporcionalmentepela pandemia” ou “Covid-19: Pandemia faz descarrilar conquistas de igualdade” e as conclusões dos estudos relacionam este fenómeno com o facto de serem maioritariamente as mulheres a acumular papéis e tarefas.
 
   Eu pergunto-me porque sentem as mulheres um pouco por todo o mundo, e na generalidade dos casos, esta responsabilidade acrescida. Porque devem ser elas a cuidar da casa, dos filhos e por vezes de outros familiares dependentes que têm a cargo, a prestar assistência no ensino à distância das crianças, a prejudicar a produtividade e reduzir a progressão na carreira e o salário ou até a abdicar do trabalho ou de outros projetos em prol da família? Existe sem dúvida um conjunto de fatores que ajudam a responder a estas questões, mas hoje gostaria de falar apenas de um: o papel da educação diferenciada por género.
 
   As crianças são imersas e formadas pela linguagem, atitudes e ações das pessoas significativas que as rodeiam e é inegável que meninos e meninas continuam a ser tratados de forma distinta seja em casa, no espaço público ou na escola.

   A linguagem é fundamental na construção da identidade e também na construção das representações sociais de género. Por vezes são coisas pequenas que se dizem como “vais ajudar a mamã a fazer o jantar?” ou “vais ajudar o papá a lavar o carro?”(a primeira questão será, regra geral, colocada a uma menina e a segunda a um menino); os comentários e os olhares de reprovação quando não é a mãe a ir buscá-los à escola ou se chega atrasada, em contraste com o olhar benevolente se é o pai a atrasar-se ou a ter de sacrificar-se para ir buscar as crianças; a escolha dos brinquedos ou das atividades marcadamente femininas ou masculinas; um elogio que será focado numa qualidade relacionada com a beleza para as meninas e na força para os meninos.
 
   Eu sou mãe de um menino e fico deliciada ao ver que no parque ele tem interesse nas bicicletas e trotinetes dos outros independentemente da cor e feitio delas (sim, porque a galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha) e assustada com os comentários de adultos relativamente a esse interesse: “mas olha que essa é cor-de-rosa, é de menina”. Por acaso não tem 2 rodas, um selim e um guiador? Fico igualmente deliciada ao observar a criatividade nos seus jogos de faz-de-conta que tanto envolvem cuidar de bonecas e realizar afazeres domésticos como dominar pistas de carros de corridas, e entristece-me pensar que um dia alguém lhe vai dizer que bonecas são para meninas.
 
   Se continuarmos a educar os homens para serem homens e as mulheres para serem mulheres, estamos a alimentar esta desigualdade e a certeza de que este tratamento diferenciado vai resultar em estatísticas como as que comecei por enumerar. Nas palavras de Nelson Mandela: A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.
 
  E se, em vez disso, educarmos as crianças para serem pessoas que respeitam outras pessoas, independentemente do género, idade, raça ou religião delas?


 
Drª Rafaela Lima
O Canto da Psicologia - Braga


quinta-feira, 22 de abril de 2021

Liberdade Dentro da Cabeça...

 


Aproxima-se o dia 25 de Abril, o dia da Liberdade.

            O conceito de Liberdade dá para discorrer acerca de muito, dá para grandes debates a vários níveis mas, remetendo para esta área, dá também para pensarmos no que significa a Liberdade a nível pessoal e interno; o que é a liberdade na vida interna.

             Para nós (...) a saúde mental não consiste no indivíduo ser sólido assim como o granito ou rígido como uma estátua. A saúde mental consiste na pessoa ser capaz de se movimentar livremente dentro de si, e os movimentos de tristeza são tão importantes como os de alegria.(João dos Santos, 1988)

             Mas será assim tão simples entrarmos em contacto connosco próprios, compreendermos a tristeza e a alegria como parte integrante das nossas vivências? Sentirmos estes polos emocionais como saudáveis? Reconhecermo-nos nestes movimentos? Talvez nem sempre… mas certamente este será um dos objectivos da psicoterapia: tornarmo-nos capazes de nos movimentarmos livremente dentro de nós próprios! E eu diria que se somos capazes de o fazer dentro de nós também seremos capazes de o fazer fora de nós!

            No dicionário de Psicologia (Roland Doro e Françoise Parot, 2001), a definição do conceito de Psicoterapia engloba a ideia de liberdade: “...os critérios de cura variam segundo o processo psicoterapêutico e a teoria que o subentende: (...) liberdade interior e capacidade de ser feliz maiores, conhecimento mais fino de si, dos seus limites, das suas possibilidades.

          O processo psicoterapêutico é então mais do que a criação de uma narrativa, é a construção activa de uma nova forma de experiênciar o Eu com o Outro.

O terapeuta deve voltar-se para fora e estar emocionalmente disponível, o que significa ter os seus problemas internos suficientemente tranquilos para que eles intervenham o mínimo possível na sua relação com o paciente. Ao paciente é pedido que aja consoante ele próprio, que seja ele próprio, e que continue comprometido com as sessões de forma a que se construa este “monólogo a dois”.

             Posto isto, neste contexto faz-nos pensar que mais do que uma revolução é necessária a  coragem para investir na (re) descoberta de si e poder fazê-lo com um outro. Haja Liberdade!

 

Drª Maria Portugal - Lisboa

O Canto da Psicologia

 




quinta-feira, 15 de abril de 2021

Direitos humanos, éticos e saúde mental... O que é incapacidade funcional? #freebritney

 




 Quando se abordam os temas da saúde mental, várias questões vêm à tona, nomeadamente o que leva uma pessoa a ser considerada incapaz de ter autonomia e de ter liberdade de decisão, um dos princípios mais fundamentais dos direitos humanos, embora seja raro de acontecer, por vezes é decretada a incapacidade de alguém de forma a poder, garantir e salvaguardar a sua estabilidade e sobrevivência. Os casos mais comuns, em Portugal, relacionam-se com deficiências graves cognitivas (de mais de 60% de incapacidade), autismos, doenças de desenvolvimento, com ou sem doença mental grave, demências, ou outros estados mentais que efetivamente possam limitar a pessoa humana de tomar as melhores decisões para a sua própria vida. Inclusivamente pode-se avaliar que está em perigo a sua própria vida ou a dos outros devido à doença que altera a consciência da pessoa.

Neste sentido, normalmente membros da família, da pessoa incapaz, acabam por assumir essa responsabilidade, sendo que apoiam o familiar doente ou então, o mesmo é encaminhado para uma instituição de reabilitação, com equipas formadas para dar esse apoio continuado. Dado que é um direito fundamental humano, só mesmo em casos extremamente graves, de doença prolongada é que se decide sobre a incapacidade legal, de forma a proteger o paciente.

Agora imagine este cenário estar associado à famosa cantora Britney Spears, dos anos 2000, que iniciou a sua carreira na televisão ainda muito jovem, com apenas 5 anos, com o apoio dos pais e até incentivo. Esta realidade tem estado a causar a maior perplexidade no mundo, ainda hoje a cantora ganha milhões anuais, só pela sua marca, pelos sucessos das suas canções e performances. Contudo a realidade da cantora bilionária, é que está desde 2008, impedida de ter autonomia legal, ou seja, está a ser tutelada pelo próprio pai.

Recentemente, têm surgido vários movimentos contra esta medida decretada pelo tribunal nos Estados Unidos, os movimentos estão a ser desenvolvidos pelos fãs da mesma e são cada vez maiores, pelo que estão a gerar uma onda de indignação a nível mundial, no sentido de pressionar a Justiça Americana a dar independência jurídica à cantora.

Terá sido em 2008, após uma série de episódios e surtos, que revelaram a possível instabilidade mental da cantora, que seu pai, Jamie Spears, pediu a tutela temporária da filha e, desde então, ela não controla decisões relacionadas com a sua situação financeira ou com a sua carreira. Nos últimos doze anos, o seu pai e o seu advogado gerem não só os bens de Britney, como controlam a sua vida pessoal - podem limitar ou proibir as visitas, as entrevistas que dá e podem, supostamente, comunicar diretamente com os médicos e interferir no tratamento da cantora. A medida decretada pelo tribunal que devia ser temporária, está efetivamente a ser considerada final.

O choque desta medida, está relacionado com o facto de serem decisões que, habitualmente, são raras e apenas associadas a casos de gravidade extrema, com prova de incapacidade funcional relacionados, com demências, atrasos cognitivos e doenças mentais graves do ponto de vista estrutural, que impossibilitam a mínima funcionalidade para a sobrevivência do individuo.  

Uma das questões interessantes sobre esta matéria é a relativa a sua funcionalidade, estamos perante uma cantora que obteve enorme sucesso, muito fruto do seu próprio trabalho como os inúmeros documentários e provas factuais, que assim o revelaram ao longo dos anos, tal é o escrutínio destas figuras públicas. Então como se explica que uma cantora de sucesso que organizava e geria os seus próprios eventos, com as coreografias e com todo o processo que envolvia a sua carreira, tenha sido considerada incapaz de forma definitiva? Que o tenha sido em 2008, quando estava em crise psicótica (tentou agredir paparazzi e danificou um carro dos mesmos), parece que pode ter sido protetor, este apoio nessa altura. Contudo, desde então que ela estabilizou, já depois da crise, até realizou alguns concertos com milhares de pessoas, em Las Vegas o que gerou volumosas receitas de milhões de dólares, o que revela ter adquirido funcionalidade e alguma normalidade de forma a poder atuar, brilhantemente, em frente do público. Porém, curiosamente, não pode usufruir, nem pode aproveitar a sua riqueza financeira, fruto do seu trabalho, pelo que decidiu acabar com estas performances de forma a poder recuperar a sua independência.

Assim por motivos legais, as suas incapacidades mantêm-se, o que leva a uma serie de questões éticas, sobre o papel da avaliação médica e psicológica e do seu impacto, nos tribunais e o mais importante na vida dos sujeitos.

A àrea da saúde mental, assim como, todos os seus intervenientes especialistas, têm a missão ética de assegurar o bem-estar e promover, invariavelmente, a autonomia do paciente, aliás o grande objetivo terapêutico, de qualquer profissional de saúde mental é de estimular a independência do individuo, em determinados casos em que a doença mental está associada a deficit cognitivo, está possibilidade, está substancialmente reduzida. Contudo, quando existem competências cognitivas as possibilidades de melhoria dos pacientes são maiores. Terá realmente a cantora incapacidade funcional, como possivelmente os relatórios médicos e psicológicos referem?

 Além destas questões de ordem jurídica, médica e psicológica, existe outra questão que talvez, seja a mais importante neste caso público, que está relacionado com o papel da família. É importante sublinhar que foi o pai da cantora que pediu a tutela nos tribunais, logo quando a sua filha entrou em crise naquele ano, a mesma foi avaliada psicologicamente e os tribunais, assim decidiram com base nesses relatórios.

 Os pais são promotores de saúde mental nos filhos, ou pelo contrário, parece ser este o caso. Segundo a própria cantora houve sempre uma relação conflituosa entre ambos, o pai é descrito como sendo, muito controlador da sua carreira e da sua vida em geral.

De facto, quando a família não estimula a auto estima e a independência dos seus filhos, estes se desenvolvem com a noção de que não são bons suficientes, de que não são capazes. Se os pais consideram os filhos incapazes e os tratam, dessa forma, o mais certo é eles sucumbirem e, assim, agirem de acordo com estas expectativas. O amor parental, é fundador das bases psíquicas do ser humano, vai marcar o sentimento de que é amado e apreciado, a forma como tratamos os nossos filhos e se acreditamos ou não nas suas capacidades, de serem livres e capazes, vai influenciar essa mesma autoavaliação. Os pais narcísicos, não suportam que os filhos possam brilhar mais do que eles e possam ter asas para voar livremente. A criança quando se está a desenvolver exige muito dos pais, da sua atenção, precisa de se certificar que é amado e respeitado. Se assim for vai crescer com amor-próprio e confiante das suas capacidades. Todos os comportamentos, ações, e atribuições de carácter, persistentes e frequentes, dos pais para os filhos poderão ter consequências na construção de identidade das crianças e, posteriormente, no futuro adulto. O ser humano vai querer sempre se adequar às expectativas dos pais quer sejam positivas (conscientes) quer sejam negativas (inconscientes). Neste aspeto a equipa de médicos e psicólogos é fundamental, para trabalhar estes modelos com o paciente, promovendo uma nova relação. A situação familiar deve ser, sem duvida, a pior provação da Britney, a de ter uma família, que lhe retirou a liberdade e a possibilidade de ser uma adulta livre e cheia de vida.

 

Mafalda Leite Borges

Canto da Psicologia




quinta-feira, 1 de abril de 2021

A esperança no futuro...

 



O ano começou com esperança, a vacinação para a COVID-19. Esperança num regresso à normalidade, esperança naquele reencontro com família e amigos, naqueles abraços e convivios. Esperança na liberdade de cada um.

Mas este processo é lento e moroso. Continuamos a deparar-nos com uma pandemia mundial que nos levou, mais do que uma vez, ao confinamento, ao teletrabalho, à escola a partir de casa. Mas mais impactante é o afastamento imposto dos nossos, família e amigos. Casais lidam com a gestão dos filhos e do próprio casal. Crianças privadas da brincadeira com os amigos e da rotina da escola. Adolescentes que não podem conviver uns com os outros.

Somos confrontados com preocupações que geram ou aumentam ansiedades e incertezas quanto ao futuro. O que nos trará o futuro?

Ninguém consegue responder com certeza a esta questão, mas há que manter a esperança num futuro melhor. E é mesmo a esperança que nos mantém positivos, que nos impulsiona a continuar, a ultrapassar as dificuldades que nos surgem. É ela que nos move e nos mantém vivos.

De acordo com Snyder, que nos trouxe a Teoria da Esperança, esta é um estado cognitivo positivo assente na expetativa de sucesso perante a determinação em alcançar objetivos e delinear planos para os conseguir.

A esperança é uma emoção positiva que ocorre geralmente quando somos deparados com circunstâncias negativas ou incertas. Como o que vivemos atualmente!

É um fator cognitivo mas tem uma qualidade afetiva única que nos dá motivação para procurar resultados futuros. É um estado que mantemos intencionalmente: decidimos ter esperança, muitas vezes, por medo das consequências reais que podem ocorrer caso não tenhamos esperança. Podemos ter esperança em relação ao que quisermos, em relação ao mundo, ao trabalho, à família e ao amor. Podemos ter esperança numa mudança em nós próprios!

Quem tem esperança, tem também o desejo e a determinação de que os seus objetivos serão alcançados, e tem ainda uma série de estratégias (e a capacidade para as procurar e encontrar) para atingir esses objetivos. A esperança permite-nos olhar os obstáculos com a confiança de quem vai conseguir ultrapassá-los e, por isso, estamos mais dispostos a olhar à volta, a procurar formas, caminhos, ferramentas, para o conseguirmos. Ou seja, a esperança não corresponde apenas à vontade ou desejo de se chegar a determinado lugar, mas também às diferentes formas para lá chegar.

Para além de nos permitir evoluir, a esperança ajuda-nos a sobreviver. O instinto de sobrevivência no ser humano é de uma força quase inesgotável. No entanto, em oposição à esperança existem pessoas que perderam a vontade de viver. Várias pesquisas nesta área mostram que a desesperança está mais associada ao suicídio do que a depressão.

Na área da saúde, estudos demonstram que a esperança tem influência na eliminação ou redução de problemas físicos e psicológicos. As pesquisas de Snyder comprovam que a esperança ajuda a pessoa a reagir positivamente no caso de doenças e lesões. Também toleram melhor a dor. Têm maior capacidade e habilidade adaptativa para resolver problemas.

A esperança é a última a morrer… e se precisar de uma ajuda profissional para voltar a acreditar e a ter esperança no futuro, não hesite em contactar O Canto da Psicologia. Estamos cá para lhe dar Esperança!

 

Dra. Irina Morgado

O Canto da Psicologia


quinta-feira, 25 de março de 2021

O mito da responsabilidade e da autonomia...

 



A base de quase tudo, no que concerne à vida mental, está nas relações, no ambiente relacional, pois é neste ambiente que crescemos, enquanto crianças, e que nos desenvolvemos e nos construímos enquanto futuros adultos - na forma como experienciamos e como vivemos as relações. O desenvolvimento da criança está inevitavelmente dependente da qualidade da relação estabelecida com os pais ou com os seus cuidadores. Têm sido vários os autores a referirem isto ao longo dos anos, entre vários, Coimbra de Matos (2001), o “pai da psicanálise em Portugal”, refere que “O Homem é essencialmente um animal narcísico – que se admira e precisa de ser admirado”. Isto mostra-nos que precisamos de uma relação em que sentimos que recebemos afecto, valor, reconhecimento, empatia, compreensão, amor, limites (etc) por parte do outro, e é isto que faz com que a criança, internamente, se vá desenvolvendo como alguém importante para o outro.

 Consequentemente, quando não estamos perante vivências, experiências ou figuras (parentais, neste caso) suficientemente boas, deixamos de estar equilibrados psicologicamente, começamos a ter comportamentos vistos como desadequados e desenvolvemos sintomas. É, muitas vezes, neste ciclo de desenvolvimento relacional que desenvolvemos também a patologia que se manifesta enquanto adultos.

 Ficamos muitas vezes presos nas regras, nos limites, no bom comportamento, nas boas notas e esquecemo-nos que as crianças, muitas vezes, são apenas isso, crianças! Muitas vezes elas não querem tomar banho, não querem lavar os dentes, é aborrecido fazer os trabalhos de casa (quando é muito mais divertido brincar!), temos regras (internas) de que não podemos dar colo, não podemos dar afecto ou ficamos contaminados com a nossa sensação de zanga e frustração e não conseguimos tolerar a “insolência” de não se fazer os trabalhos de casa ou lavar os dentes. Ou até, já dissemos 10 vezes! Valorizamos as crianças bem comportadas, autónomas, responsáveis mas não nos questionamos sobre o que poderá também não estar a ser comunicado nestes pequenos quase adultos?

 Com isto, não dizemos ou pensamos que os pais são o agente criador de “culpa”, convidamos apenas a pensar... os limites e as regras são fundamentais mas será que há limites para o afecto? Para a valorização? Para a compreensão? Para a empatia? Ou será que os limites podem ser limites dados com afecto? Com compreensão?


Drª Inês Lamares - Alcochete e Lisboa

O Canto da Psicologia

 


quinta-feira, 18 de março de 2021

Mudança de Paradigma...

 


 Gritam-nos a plenos pulmões que a solidão é a nossa salvação. Sentimos que o Luto se vestiu de preto muito mais vezes do que era suposto, que se cantaram mais marchas fúnebres do que era desejado e que perdemos mais entes queridos do que nos é permitido.

Por estes dias, é-nos vedado estar em grupo, conviver como sempre fizemos, agir como coletivamente sempre nos ensinaram e, por força dessa alteração do real, deixou de estar disponível a renovação de contactos que sempre nutriu as relações sociais e o bem-estar intra e inter-individual. Ficar em casa e proteger-nos é, sem dúvida, vital. No entanto, o isolamento social – pedem-nos para ignorar o Ser Gregário que há em nós – acarreta outras consequências, além do afastamento físico, que são invisíveis ao olho e à desatenção. Vivemos, actualmente, um Luto pela idealização, pelos desejos, pela relação, pelas vontades e pela fantasia. Este Luto que se veste de preto e está presente nos enterros, veste-se, também, com um manto da invisibilidade dentro de cada um de nós e ameaça, a todo o instante, aparecer novamente com a notícia, brutal: “acabámos de perder mais um desejo!”. Este desejo, o de cada um de nós, nasce da idealização da vontade e do sonho, mas acaba com um “adeus” e uma marcha fúnebre; ainda que a consciência nos diga “Calma, vêm mais desejos amanhã”; e é certo. Elaboramos mais desejos no dia seguinte mas, aquele já não volta. Tal como as pessoas que se perderam nesta luta colectiva.

Vivemos uma ameaça permanente e invisível que a qualquer momento pode atacar com maior vigor.

 Temos vindo a adaptar-nos. Quem sabe já estamos adaptados.  Somos indivíduos subjectivos quando elaboramos um pensamento, o que nos permite duas formulações: a primeira que somos seres de hábitos e, à partida, resistimos a novos que nos sejam impostos; a segunda é que, apesar de contrariados, somos capazes de nos adaptar a situações externas ameaçadoras e desenvolver mecanismos que nos permitam sobreviver. Além das questões externas, as problemáticas internas são maleáveis, certamente, pela necessidade que daí advém. A solidão será atenuada pela sensação de solidão conjunta e a invisibilidade da tristeza será amparada pela certeza de que todos desejamos sentir-nos mais felizes. O setting terapêutico enche-se da procura pelas respostas, pelas interrogações ansiosas que precisam de ser escutadas e o desejo de alguém que anseia gerir as emoções e dizer: “Desta vez estou preparado”.

Temos dois lados de uma moeda: por um lado a vontade do antigo e a saudade do que já foi; por outro a incerteza do futuro ao espelho com o desconforto do presente. Do oculto terceiro lado, sabemos que sobra o desejo comum de uma perspectiva brilhante e saudável deste Mundo Novo.



Drª Maria Inês Almeida - Alcochete

O Canto da Psicologia