sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A escuta… n(d)o silêncio

 


 

“É em silêncio que melhor se ouve o que vem de fora e o que nos vai por dentro; é de silêncio a reflexão sobre o que já se aprendeu; é o silêncio que se interpõe entre as palavras que lhe empresta o valor mais significativo do discurso.”

(João dos Santos)

 

A escuta terapêutica, pode dizer-se, vai para além da escuta das palavras. Quando alguém faz “um pedido de ajuda” transmite normalmente com as suas palavras a urgência de uma compreensão. Não raras as vezes após uma primeira consulta, o paciente se questiona sobre a necessidade dessa mesma compreensão, quase como se um possível alívio sentido num primeiro encontro (terapêutico) o fizesse questionar sobre a veracidade dessa mesma compreensão – será que vou ser verdadeiramente compreendido? como poderá esta pessoa ajudar-me se já lhe disse tudo o que me preocupa?

Voltando ao pedido de ajuda e ao seu significado, será interessante pensar-se sobre o que é dito com as palavras, mas também com o tom, com a sua musicalidade. Um pouco como acontece na díade mãe-bebé, onde a voz da mãe coloca legendas no sentir do bebé, também na relação terapêutica se vai dançando ao som da música. Nesse sentido o lugar do psicoterapeuta é (também) o lugar da escuta e da espera. O silêncio, por vezes ensurdecedor, pode dar lugar e voz à escuta do espaço interno do paciente, permitindo a livre expressão do eu. A relação terapêutica, à medida que se torna um espaço seguro e de confiança, funciona como um terreno fértil, dando condições ao desenvolvimento e crescimento mental.

            Quando alguém nos narra uma história ou fala sobre um acontecimento, geralmente vai articulando o seu discurso com o som, as pausas, a linguagem que melhor descrevem (fazem compreender) o que se quer transmitir. É esta interpretação que ajuda a dar significado ao vivido. Curiosamente, é um pouco aí que reside o entendimento face à questão “será que vou ser verdadeiramente compreendido?”. Digamos que enquanto a voz do paciente não é suficientemente audível para expressar aquilo que apenas é potencialmente expressável, que o psicoterapeuta lhe empresta, com o seu silêncio, a sua voz (João Pedro Dias). São as qualidades do psicoterapeuta - calma, serenidade, vitalidade, constância, genuinidade, segurança, indestrutibilidade - (João Pedro Dias) que refletidas no silêncio permitem ouvir a voz do paciente e dar espaço à verdadeira compreensão, por parte do outro e interna. A escuta no silêncio funciona metaforicamente como um “empréstimo” de voz, como se ao ficar em silêncio, o psicoterapeuta pudesse (com as suas qualidades) complementar a voz do paciente, dando-lhe significado. Sabemos que a palavra e a interpretação são elementos essenciais na psicoterapia, mas também a qualidade do silêncio, na medida em que possibilite o encontro da díade paciente – terapeuta. E é neste sentido que a relação terapêutica é diferente das outras relação, eliminando ruídos e facilitando o acesso ao simbólico da palavra, mas também do silêncio.


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia 

  

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