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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Natal num turbilhão de emoções...

 



Podia escolher, exclusivamente, escrever sobre a beleza do Natal, as luzes, as canções, a alegria da partilha, a gratidão e o amor que, sem dúvida, caracterizam esta época festiva. Mas o fim do ano carrega nele, igualmente, uma série de balanços, sendo que podem ser vividos por uns tranquilamente, mas por outros, gera ansiedade consoante, a estrutura de personalidade, assim como, os acontecimentos, experiências que foram ou estão a ser vividas.

Nem sempre o Natal é um conto de fadas, o natal pode enaltecer a solidão mais do que o sentimento de união, partilha. As saudades, de quem já não está, do que foi, as lembranças e a nostalgia, traduzem e identificam estas épocas.  Reflexões sobre o que concretizamos emergem. O que desejamos para o ano que está a terminar, foi realizado? Conseguimos avançar, evoluir? Parece que há uma certa exigência, mais do que nunca, para fazer mais e melhor e ter “obrigatoriamente “de atingir resultados, ter sucesso, vencer, mas a vida, por vezes, não é só feita de celebrações permanentes, existem alturas em que somos colocados, em situações delicadas e, geralmente, não estamos à espera do que nos pode acontecer, neste momento, instalasse a frustração e a desilusão. Esta pressão que, de certa forma, foi incutida pela sociedade, de estarmos sempre bem, no nosso melhor, é impossível e, até doentio estarmos “sempre bem”, há alturas difíceis, desafiantes, existem momentos duros, nem sempre tudo é um mar de rosas. Viver é uma soma de desafios, superações, algumas conquistas e bons momentos.  De facto, como encaramos esses períodos difíceis, que às vezes, duram meses e anos, vai fazer toda a diferença.

 Assim sendo qual é a chave? Como devemos superar os momentos duros, como lidar com essas emoções de ansiedade, medo, tristeza, quando estas se tornam avassaladoras? Só existe uma forma é aceitar, porém essa aceitação não vai ser imediata, uma vez que a fase do luto assim obriga, a processar no seu devido tempo, mas sem dúvida que ignorar, negar, as nossas emoções, não é de todo o caminho certo e, apenas leva a mais dificuldades. Ter consciência e distinguir, o principio da realidade, da fantasia, compreender pensamentos não são verdades, pode ajudar no processo. A psicoterapia tem aqui um papel fundamental para poder catalisar, todo este caminho de orientação e de auto-regulação.

É muito comum socialmente ouvirmos: “não chores, controla-te, não tenhas medo, não fiques assim”, mas isto só acontece uma vez que, a maioria das pessoas aprende, desde cedo a rejeitar as emoções mais intensas e, esse ignorar, só piora a situação. Temos de aceitar que somos humanos, vulneráveis, sim, por vezes caímos, estamos tristes, zangados, frustrados, faz parte do nosso constante processo de crescimento. Embora na altura, em que vivemos os momentos difíceis, seja difícil de aceitar, vamos acabar por aprender e ganhar maior sabedoria sobre o que nos rodeia.

 A vida irá nos colocar à prova, qual é o tamanho do seu amor próprio? Qual é o seu auto diálogo, amoroso ou critico? O nosso lado mais sombrio, deve ser integrado e amado, igualmente, tal como todas as nossas outras facetas, não está errado sentir zanga, tristeza, ansiedade, faz parte, é natural, não diz nada sobre o que somos, as emoções não são boas nem más. As emoções, na realidade, são todas boas, necessárias e fundamentais para o osso equilíbrio, homeostático, psíquico, somente a intensidade com que são alimentadas, pelos nossos pensamentos é que pode gerar perturbações. Assim sendo até felicidade a mais, pode ser negativa, uma vez que leva à ingenuidade, ausência de prudência.

Deste modo permita-se, a ser o que tiver de ser hoje, sem ter de refletir no que podia ter atingido mais, às vezes, só estar presente e conseguir desfrutar do agora, é já extraordinário, conseguir, apenas, aproveitar os pequenos momentos, pequenas coisas do dia a dia, já é fazer imenso. Até só estar agora, a ultrapassar o momento desafiante, já é um ato de coragem que deve ter orgulho, é válido, é importante, mesmo que não esteja sempre a fazer “coisas” que a sociedade impõe.

Numa era cada vez mais narcísica, há uma ditadura da perfeição instaurada, como se fosse tudo contabilizado, cronometrado sobre o que ter, o que fazer? Nesta azafama, agora também, do natal esquecemos de estar apenas de corpo e alma no presente, com quem amamos, em família, termos foco, somente, no que nos rodeia agora. Podemos atingir mais? Penso que estar aqui é viver este desafio, mas não esquecer do mais importante, que é ter tempo para divertir, brincar e não levar tudo com tanta seriedade, que lhe escape o que realmente importa. 

 

Mafalda Leite Borges - Alcochete

Canto da Psicologia



sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A série de todas as séries...

 



Nos últimos dias tornou-se inevitável abordar este tema, pelos mais diversos motivos e não pelos melhores motivos… o tema envolve a série Squid Game e, por consequência, o tema envolve igualmente várias outras séries, filmes e jogos que são vistos e jogados por crianças e adolescentes antes da idade indicada para tal, devido à violência a que são expostos.

Comecemos então pela série em questão, que está a ter um enorme foco por toda a comunicação social, em diversos países do mundo. Trata-se de uma série que foi lançada há pouco tempo e que atingiu rapidamente um número de visualizações muito elevado, infelizmente visualizações estas realizadas, na grande maioria, por crianças e adolescentes com idade muito menor à recomendada. Referimo-nos a algo com um conteúdo extremamente agressivo, violento, tanto física como psicologicamente, claramente com uma mensagem implícita por trás, que para adultos essa mensagem poderá ser interessante e até importante, mas que para adolescentes não será compreendido dessa forma e muito menos o será por crianças.

As “provas” de que estamos perante um perigo a nível comportamental, para quem vê esta série, são as notícias que têm surgido, que em nada surpreendem, sobre crianças a replicar nos recreios das escolas o que viram na série. O que nos remete para brincadeiras extremamente violentas e, consequentemente, perigosas a vários níveis.

Tudo isto pode levar-nos a alguns pontos para discussão. Podemos começar pela idade indicada como referência para se ver uma série/filme ou jogar determinados jogos. Esta referência não é colocada aleatoriamente, esta referência é colocada com base em critérios específicos e, por isso mesmo, não deve ser ignorada. Este é o principal problema observado atualmente, o ignorar desta referência, o ignorar da parte da maioria dos pais… Se pode ser difícil o dizer “não” quando o argumento é “mas todos os meus colegas viram”? Pode! Mas também pode ter consequências ceder a este argumento? Pode!

Esta nova série é apenas mais um exemplo, do quanto os jovens atualmente estão a ser expostos a algo totalmente desadequado às suas idades. A problemática aqui foca-se na agressividade excessiva que está presente nos conteúdos apresentados e que, inevitavelmente, se refletem no comportamento.

Neste texto o objetivo é alertar para o que estamos nós, enquanto sociedade, a permitir que os nossos jovens tenham acesso, sem que ainda tenham as devidas capacidades desenvolvidas para assimilar a informação que consomem. Existem diversas fases do desenvolvimento, pelas quais todos passamos e cada uma delas vem com a aquisição de capacidades e conhecimentos. E quais são as consequências de dar informações aos jovens antes dessas capacidades estarem totalmente sedimentadas? Assimilar de forma errada, percecionar o que veem de forma errada e adquirirem comportamentos com base no que assimilaram, que muitas das vezes se reflete em comportamentos agressivos, por ainda estar a ser construída a capacidade de lidar com o emocional. Quais poderão ser os impactos a nível social e emocional? Incapacidade de lidar com a frustração sem aceder à violência e incapacidade de estabelecer ligações emocionais contentoras e coesas, são apenas exemplos.

Importa assim respeitar o caminho das etapas de desenvolvimento das crianças e adolescentes, não lhes oferendo ferramentas que ainda não conseguem utilizar da melhor forma e para as quais ainda não têm competências emocionais de gerir e aplicar.

 

Drª Rita Rana

O Canto da Psicologia – Lisboa


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Crianças violentas...

 


 

A morte de um jovem de 23 anos à porta de uma discoteca no Porto provocada por outro jovem de 21 anos fez-me pensar neste titulo, escolhido há 2 anos atrás para a 5ª Jornada de estudos do Instituto Psicanalítico da Criança em Paris.

 A agressividade na criança e no jovem pode ser uma chamada de atenção ou uma tentativa de afirmar a sua singularidade, a sua vontade, face às regras e limites impostos pelos adultos (pais, professores, etc). Neste caso estaríamos no registo do simbólico e falaríamos de acting-out, um ato inconsciente que se realiza para um Outro, para poder passar uma mensagem que não se consegue exprimir de outra forma, através da palavra.

 As passagens ao ato, pelo contrário, como parece ser aquela que vitimou Paulo Correia no Porto, escapam ao simbólico, à palavra. Esta noção designa atos violentos, auto ou hetero agressivos e frequentemente impulsivos. A tentativa de encontrar uma causalidade para estes fenómenos de violência é muitas vezes infrutífera pois trata-se de uma irrupção isolada de qualquer tipo de discurso ou diálogo possível. Falamos da violência gratuita que tem como satisfação o simples ato de destruir, de sair de cena, sem causa nem mensagem dirigida a alguém.

 A questão que eu gostaria de abordar, orientada por um texto de Jacques-Alain Miller escrito para a referida jornada de estudos, é como podemos integrar esta violência num discurso simbólico.

 Miller fala de uma posição terapêutica afetuosa e de contra-violência simbólica, em que se tentaria ajudar a criança/jovem a encontrar palavras para expressar a sua agressividade, a (re)construir uma defesa contra eventuais episódios de irrupção da violência, e a reparar um eventual defeito na sua capacidade simbólica.

 Não se trata de impôr um determinado significado ou de corrigir comportamentos através de uma técnica igual para todos, mas de ouvir o que a criança/jovem tem a dizer sobre a sua violência e agressividade, sobre o que a desencadeia, sobre o sofrimento que lhe provoca. Quando esta violência encontra um lugar para ser abordada, pode revelar-se uma força frutífera para a criança.

 J-A Miller alerta-nos para o perigo de ficarmos colados a uma visão determinista da criança/jovem que muitas vezes é veiculada no ambiente familiar, escolar e social desde muito cedo - “agressivo”, “violento”, “destruidor”. Defende igualmente que nem toda a violência é errática e que é necessário respeitar e dar lugar a uma revolta que pode ser saudável, em alguns casos.

 

 

Drª Rafaela Lima

O Canto da Psicologia - Braga


quinta-feira, 15 de julho de 2021

Era uma vez um bebé...

 



Quase toda a gente gosta de bebés, suscitam ternura e não é por acaso, foram “desenhados” com aquelas formas redondas para  atrair, para que possam ser cuidados, visto a sua enorme dependência de outra pessoa para a sua sobrevivência. Dizia o pediatra e psicanalista Donald Winnicott “there's not such a thing as a baby” (“o bebé não existe”), referindo-se exactamente à impossibilidade de um bebé viver sozinho, existindo sim a díade mãe-bebé (ou cuidador-bebé). Contudo este olhar para o bebé, este conhecimento que fomos adquirindo acerca da pessoa humana na sua natureza mais precoce é muito, muito recente e ainda existem muitos mitos e falta de conhecimento. Ainda há poucos anos atrás se faziam intervenções médicas, e algumas cirurgias, a bebés sem qualquer tipo de anestesia porque se acreditava que os bebés recém-nascidos não sentiam dor...  Mesmo a palavra “bebé” é relativamente recente na história da humanidade, segundo Delassus[1] é um vocábulo retirado da lingua inglesa (baby) e pode ser datado de meados do século XIX, mais precisamente de 1842. A palavra infância já existe há mais tempo, oriunda do latim infans que significa aquele que não fala, que não teve acesso à linguagem, embora possamos ver também aqui uma certa conotação negativa no sentido em que é excluido da comunidade humana dos seres que falam.

            Felizmente, os bebés em particular e a infância no geral, começaram a despertar o interesse dos investigadores e o bebé começou a ter um lugar próprio e as suas capacidades poderam ser vistas. O estudo dos bebés atravessa várias disciplinas entre elas, a biologia, a medicina, a antropologia, a pedagogia e a  psicologia teve (e tem tido) também um grande contributo, tendo alguns cientistas começado por observar sistematicamente os seus próprios filhos, abrindo assim portas para novas observações. Pode então surgir uma cultura da infância, muito embora este conhecimento fique muitas vezes fechado em livros e circuitos académicos, dando azo a que persistam alguns mitos e não prevaleça uma verdadeira cultura da infância. A título de curiosidade colocarei aqui algumas perguntas e respostas, que por vezes surgem:

 

-        Quanto vêem os bebés?

            Poucos dias após o nascimento, o recém-nascido é capaz de ver de forma nítida e focada qualquer objecto a uma distância entre os 20 e os 50cm de distância. Quando olha para longe vê uma mancha difusa, uma vez que ainda não tem um controlo bi-ocular e é por isso que por vezes entortam os olhos. Contudo, a partir das 6 semanas já começam a conseguir concentrar-se em distâncias mais longas. E isto não é por acaso, é um “mecanismo anti-stress”! Foca-se no que se encontra perto, e que pode ser muito importante, a mãe, o alimento, etc, e evita o que está longe do seu corpo, que não tem importância para ele e que pode ser ainda muito confuso. Sabe-se ainda que os bebés preferem formas curvas, são sensíveis a padrões e gostam de objectos grandes e iluminados.

 

-        Os bebés sonham?

            Sim, sonham só não sabemos com o quê! Têm até surgido investigações que sugerem que sonham já desde a vida uterina, na barriga da mãe. Sabe-se que sonham através do tipo de sono, o REM,  onde os olhos se movem por detrás das pálpebras fechadas; este é um sono mais leve e os bebés fazem-no em cerca do dobro do tempo dos adultos.

 

-        Os bebés têm consciência de si próprios?

            Esta questão é mais difícil de responder mas tudo leva a crer que o bebé sabe diferenciar-se: sente os limites do seu próprio corpo, situa-se nas relações com os outros (eu social) e tem um elementar conhecimento de si. Alguns estudos que utilizam a interação e imitação precoce, o reflexo em espelhos ou a visualização de vídeos, têm vindo a demonstrar formas elementares de consciência de si, contudo o conhecimento acerca de si próprio pressupõe a interação com o meio ambiente e é um processo longo que acompanha o desenvolvimento. É então um conhecimento que nos acompanha a vida toda e será, aliás, um dos propósitos da psicoterapia: conhece-te a ti mesmo.

 


Drª Maria Portugal - Lisboa

O Canto da Psicologia

 



[1]             - Delassus (1998)  “A natureza do bebé”. Edições Cetop


sexta-feira, 2 de julho de 2021

A Pandemia e a Adolescência perdida...

 


 

De acordo com estatísticas recentes do Health Behaviour in School-aged Children, feito em Portugal em 2021, estamos a assistir a um aumento gritante de casos de automutilação em que cerca 62% dos jovens inquiridos, referem terem assumido comportamentos de autoagressividade, principalmente, nas idades compreendidas entre os 13 e os 17anos, sendo que é mais predominante no sexo feminino. Verifica-se que desde 2019 que todas, estas perturbações, têm vindo a aumentar exponencialmente, a par com o inicio da pandemia, que já esta a caminho dos quase 2 anos.

Certamente que as faixas etárias que mais têm vindo a sofrer, psicologicamente, com a Pandemia, são os idosos e os adolescentes, uns por terem estado, ainda mais isolados e mergulhados na sua solidão e os outros, por terem perdido os primeiros passos da vida social, a necessidade de partilha e de ser aceite pelos pares.

A adolescência, é um período de desenvolvimento normal, em que surge o desejo e a vontade de estar, maioritariamente, com os amigos, de conviver, de experimentar, papeis sociais, de se encontrarem, de construírem e estabilizarem a sua personalidade.  Ora a Pandemia roubou esta oportunidade de evolução humana, aos jovens adolescentes, impossibilitou, as convivências sociais, criar laços de amizade e, mais importante, que tudo isto, de permitir a progressão da auto estima, necessária para se tornarem independentes, no pensamento e na identidade.

Os confinamentos foram vividos, por muitos adolescentes, como torturas autênticas, numa época em que se querem afirmar, para se tornarem mais autossuficientes e confirmarem a sua capacidade de autonomia, tal não foi possível de forma alguma. Queriam sair não tinham como, queriam estar com os amigos não era possível, a única possibilidade era estar em casa, com os pais, mas vendo bem e se, nos colocarmos nos sapatos dos nossos adolescentes, não é por mal, mas a última coisa que devem querer, é estar com os pais, ou a família, permanentemente, 24 sobre 24 horas.

Deste modo, os pais absorvidos em preocupações, ao observarem os filhos fechados nos quartos, todos os dias, ápticos, desinteressados, irritados e sem entusiasmo. Os mesmos pais que, com mais ou menos facilidade, de lidarem com o seu próprio luto, de verem que os filhos já não são mais os bebés de outrora, mas, também não são, adultos, a frustração instala-se e o mais comum, é embirrar com os filhos, tal como eles se zangam com os pais, multiplicam-se as chamadas de atenção: “- sai do quarto! Arruma isto! não faças assim! Porque estás com essa cara de mal disposto…? etc.”. Todas estas posturas parentais, entre outras, só vão criar, mais distanciamento emocional, entre os adolescentes e as suas figuras parentais, já não são crianças, estão a caminho de serem adultos. Como os pais vivenciam estas realidades, vai moldar a forma como os jovens vão continuar a construir a sua própria autoestima, eles sabem que os pais têm saudades de quando eles, eram bebés e não davam “problemas” agora respondem, são desagradáveis.

Contudo é preciso amar igualmente, esta fase dos nossos filhos, em que começam a querer se “separar” dos pais e se aproximarem dos amigos. Custa mais a uns pais, do que a outros, mas a criança/adolescente, já não quer só estar com os pais, já não os idealiza, como antigamente, não são os heróis máximos, mas continuam a amar os seus pais.

No entanto, por conta da necessidade de afirmação, mais agressiva ou menos, procuram esta independência. Se sentirem que tem de provar mais, que tem de ser perfeitos, para que os pais se orgulhem deles, então o sofrimento psicológico instalasse, a auto estima, fica ferida e a única forma de acalmar a ansiedade avassaladora, são os cortes, que existem, de verdade, na alma, mas parecem que, momentaneamente, ganham vida naquela marca e a dor deixa de ser invisível, o que parece acalmar, temporariamente. São jovens com incapacidade de regularem emoções, de aceitarem a sua vulnerabilidade, como normal e saudável, é natural sentir as emoções e não abafa-las, não se deve educar os filhos para ignorarem o que estão a sentir, de forma a serem “perfeitos”, a melhor forma de ajudar os adolescentes, é os pais serem o exemplo, na procura de sentirem e aceitarem a sua própria, humanidade e fragilidade.

Além de todos estes fatores familiares e, também, a par com a pandemia, o mundo tecnológico acaba por favorecer a solidão, a falta de contacto com os próximos, de interagir de face a face, de criar laços afetivos mais profundos, o sentimento que é compreendido, sem ser julgado, que se é amado incondicionalmente.

Deste modo vamos tentar compreender melhor os nossos adolescentes e ouvi-los, com ouvidos atentos e deixa-los crescer a um ritmo que é possível, sempre com esperança que conseguem lá chegar e que não precisam de atingir nada, mas podem existir, no agora e desfrutarem das pequenas e simples coisas da vida.

 

Dra. Mafalda Leite Borges - Alcochete

Canto da Psicologia


sexta-feira, 30 de abril de 2021

“Que as mulheres não sejam criadas para serem criadas”...

 


“Que as mulheres não sejam criadas para serem criadas” - e eu acrescentaria: nem os homens para serem servidos 

    A frase e a ilustração são da Clara Não, feminista, ilustradora e escritora, é assim que se descreve no seu perfil do instagram onde conta com mais de 114 mil seguidores e tem muitas outras reflexões ilustradas que valem a pena uma visita atenta. Aqui fica mais uma: “não quero um cavalheiro, quero alguém que trate as pessoas com respeito, independentemente do género delas”.
 
   Num momento em que (felizmente) muito se fala da importância da saúde mental, deixo-vos alguns números e conclusões do Relatório Anual sobre a Igualdade de Género na UE de 2021 em que ficou claro que a pandemia exacerbou as desigualdades existentes entre mulheres e homens em quase todos os domínios da vida e por todo o mundo.

    -    Os Estados-Membros registraram um agravamento da violência doméstica, por exemplo com um aumento de 32% em França durante a primeira semana do confinamento, ou de 5 vezes mais casos na Irlanda durante a primeira quinzena (a APAV está neste momento a realizar um estudo e as conclusões sobre este assunto no nosso país serão publicadas em Maio).

    -    As mulheres estiveram na linha da frente na luta contra a pandemia: 76% dos trabalhadores do setor da saúde e da assistência social são mulheres, o que representou um aumento tanto do volume de trabalho, dos riscos sanitários e dos desafios em conciliar a vida profissional e familiar.

    -    As mulheres dedicaram, em média, 62 horas por semana a tomar conta de crianças (em contraste com 36 horas para os homens) e 23 horas por semana foram consagradas ao trabalho doméstico (em comparação com 15 horas para os homens).
 
    São vários os relatos que oiço de mulheres que têm de conciliar o inconciliável e que expressam a sua exaustão e por vezes outros sintomas. Nos jornais abundam manchetes como “Jovens mulheres estão a ser afectadas desproporcionalmentepela pandemia” ou “Covid-19: Pandemia faz descarrilar conquistas de igualdade” e as conclusões dos estudos relacionam este fenómeno com o facto de serem maioritariamente as mulheres a acumular papéis e tarefas.
 
   Eu pergunto-me porque sentem as mulheres um pouco por todo o mundo, e na generalidade dos casos, esta responsabilidade acrescida. Porque devem ser elas a cuidar da casa, dos filhos e por vezes de outros familiares dependentes que têm a cargo, a prestar assistência no ensino à distância das crianças, a prejudicar a produtividade e reduzir a progressão na carreira e o salário ou até a abdicar do trabalho ou de outros projetos em prol da família? Existe sem dúvida um conjunto de fatores que ajudam a responder a estas questões, mas hoje gostaria de falar apenas de um: o papel da educação diferenciada por género.
 
   As crianças são imersas e formadas pela linguagem, atitudes e ações das pessoas significativas que as rodeiam e é inegável que meninos e meninas continuam a ser tratados de forma distinta seja em casa, no espaço público ou na escola.

   A linguagem é fundamental na construção da identidade e também na construção das representações sociais de género. Por vezes são coisas pequenas que se dizem como “vais ajudar a mamã a fazer o jantar?” ou “vais ajudar o papá a lavar o carro?”(a primeira questão será, regra geral, colocada a uma menina e a segunda a um menino); os comentários e os olhares de reprovação quando não é a mãe a ir buscá-los à escola ou se chega atrasada, em contraste com o olhar benevolente se é o pai a atrasar-se ou a ter de sacrificar-se para ir buscar as crianças; a escolha dos brinquedos ou das atividades marcadamente femininas ou masculinas; um elogio que será focado numa qualidade relacionada com a beleza para as meninas e na força para os meninos.
 
   Eu sou mãe de um menino e fico deliciada ao ver que no parque ele tem interesse nas bicicletas e trotinetes dos outros independentemente da cor e feitio delas (sim, porque a galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha) e assustada com os comentários de adultos relativamente a esse interesse: “mas olha que essa é cor-de-rosa, é de menina”. Por acaso não tem 2 rodas, um selim e um guiador? Fico igualmente deliciada ao observar a criatividade nos seus jogos de faz-de-conta que tanto envolvem cuidar de bonecas e realizar afazeres domésticos como dominar pistas de carros de corridas, e entristece-me pensar que um dia alguém lhe vai dizer que bonecas são para meninas.
 
   Se continuarmos a educar os homens para serem homens e as mulheres para serem mulheres, estamos a alimentar esta desigualdade e a certeza de que este tratamento diferenciado vai resultar em estatísticas como as que comecei por enumerar. Nas palavras de Nelson Mandela: A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.
 
  E se, em vez disso, educarmos as crianças para serem pessoas que respeitam outras pessoas, independentemente do género, idade, raça ou religião delas?


 
Drª Rafaela Lima
O Canto da Psicologia - Braga


quinta-feira, 25 de março de 2021

O mito da responsabilidade e da autonomia...

 



A base de quase tudo, no que concerne à vida mental, está nas relações, no ambiente relacional, pois é neste ambiente que crescemos, enquanto crianças, e que nos desenvolvemos e nos construímos enquanto futuros adultos - na forma como experienciamos e como vivemos as relações. O desenvolvimento da criança está inevitavelmente dependente da qualidade da relação estabelecida com os pais ou com os seus cuidadores. Têm sido vários os autores a referirem isto ao longo dos anos, entre vários, Coimbra de Matos (2001), o “pai da psicanálise em Portugal”, refere que “O Homem é essencialmente um animal narcísico – que se admira e precisa de ser admirado”. Isto mostra-nos que precisamos de uma relação em que sentimos que recebemos afecto, valor, reconhecimento, empatia, compreensão, amor, limites (etc) por parte do outro, e é isto que faz com que a criança, internamente, se vá desenvolvendo como alguém importante para o outro.

 Consequentemente, quando não estamos perante vivências, experiências ou figuras (parentais, neste caso) suficientemente boas, deixamos de estar equilibrados psicologicamente, começamos a ter comportamentos vistos como desadequados e desenvolvemos sintomas. É, muitas vezes, neste ciclo de desenvolvimento relacional que desenvolvemos também a patologia que se manifesta enquanto adultos.

 Ficamos muitas vezes presos nas regras, nos limites, no bom comportamento, nas boas notas e esquecemo-nos que as crianças, muitas vezes, são apenas isso, crianças! Muitas vezes elas não querem tomar banho, não querem lavar os dentes, é aborrecido fazer os trabalhos de casa (quando é muito mais divertido brincar!), temos regras (internas) de que não podemos dar colo, não podemos dar afecto ou ficamos contaminados com a nossa sensação de zanga e frustração e não conseguimos tolerar a “insolência” de não se fazer os trabalhos de casa ou lavar os dentes. Ou até, já dissemos 10 vezes! Valorizamos as crianças bem comportadas, autónomas, responsáveis mas não nos questionamos sobre o que poderá também não estar a ser comunicado nestes pequenos quase adultos?

 Com isto, não dizemos ou pensamos que os pais são o agente criador de “culpa”, convidamos apenas a pensar... os limites e as regras são fundamentais mas será que há limites para o afecto? Para a valorização? Para a compreensão? Para a empatia? Ou será que os limites podem ser limites dados com afecto? Com compreensão?


Drª Inês Lamares - Alcochete e Lisboa

O Canto da Psicologia

 


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

"A infodemia pode causar um dano tão grande ou maior que a pandemia”

 



Este é um excerto de uma entrevista à revista Visão dos cientistas David Marçal e Carlos Fiolhais que publicaram um livro recentemente intitulado “Apanhados pelo Vírus”. A ideia deste livro é, segundo os autores, tentar esclarecer a avalanche informativa sobre a Covid-19 e combater a desinformação sobre a pandemia.

Apesar de estar convencida que ninguém é detentor de toda a verdade, são de louvar iniciativas que tentem esclarecer alguns mitos que ameaçam neste momento o bem-estar de todos nós: as máscaras não têm utilidade, este vírus só é perigoso para os mais velhos, este vírus não é mais do que uma gripe, se estiver num espaço ao ar livre não preciso de usar máscara, etc.

Nos últimos tempos têm-se propagado os discursos negacionistas e escasseado as camas nos cuidados intensivos dos hospitais de norte a sul do país. Como psicóloga e portanto agente de saúde pública, sinto que tenho o dever de aproveitar este espaço para apelar à responsabilidade de cada um de vós. Gostava de poder explicar o que empurra as pessoas para as teorias da conspiração, os discursos que desvalorizam a gravidade da pandemia ou até que a negam, mas sei que cada um terá as suas razões e a sua lógica interna singular, não existem generalizações no que diz respeito ao inconsciente e ao funcionamento psíquico. Mas há uma certeza que ouvimos vezes sem conta e que precisamos de interiorizar o quanto antes: só a diminuição de contágios pode evitar o pior.

O que fazer para diminuir os contágios e o que é o pior? O pior, a meu ver, já está a acontecer em vários hospitais. Quando um profissional de saúde tem de escolher quem tem prioridade para aceder aos cuidados intensivos, quem tem mais hipóteses de sobreviver e, portanto, o direito aos cuidados que o poderão salvar, e quem não…é porque chegamos ao pior. Estas decisões deixarão marcas naqueles que as tomam, nos que as executam e naqueles em que são executadas, nas suas famílias e na sociedade no geral.

A questão é não prolongar o pior e para isso todos podemos contribuir com bom senso e, é certo, uma grande dose de sacrifício. Muitos dirão que não existe risco zero, mas ainda assim há muito que podemos fazer para tentar reduzi-lo:

-    As pessoas que vivem connosco estão dentro da nossa "bolha social", são as pessoas com quem convivemos em casa, sem cautelas. Proteja-se para as proteger e peça-lhes que façam o mesmo.

-    Compreenda que a nossa máscara, mais do que nos proteger, serve para proteger quem nos rodeia, assim como as máscaras de quem nos rodeia nos protegem a nós. O mesmo se aplica ao distanciamento social. Use máscara por respeito aos outros e use-a corretamente, este é um pequeno gesto que pode fazer uma grande diferença.

-    Leia e acredite só em informação com validade científica e com a fonte bem identificada. Verifique a veracidade de vídeos, declarações e publicações que se dizem escritas por um médico ou enfermeiro, mas cujas fontes são difusas ou inexistentes.

 

Cuide bem de si e dos que o rodeiam, para que em breve possamos estar novamente juntos.

 

Rafaela Lima

O Canto da Psicologia - Braga


quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Devias fazer psicoterapia! Do podcast ao sofá da terapia…

 

Esta frase anda a tornar-se familiar por estes tempos, não acha? 

Possivelmente por tudo o que andamos a viver ultimamente, mas por aqui, em alturas de rentrée, este eco torna-se sempre mais evidente. É nesta época do ano que muitos processos psicoterapêuticos têm início, mas também muitos outros  ficam pelo talvez. 

Quem já fez ou faz psicoterapia tem por hábito recomendá-la a amigos ou familiares e nem sempre consegue entender os motivos pelos quais existe alguma resistência a dar o primeiro passo. 

“Não vou falar com um estranho sobre mim”
“Eu consigo resolver sozinho”
“Também não é assim tão grave”
“Um conhecido meu foi e não adiantou nada”

Assim se vão expressando alguns receios, naturais e bastante pertinentes, mas a verdade é que não são mais do que o reflexo de resistências internas que todos temos. O funcionamento psicológico é muito eficiente e por isso tenta, algumas vezes com resultado inverso, consumir pouca energia emocional e garantir o menor esforço possível. Por outro lado, porque queremos ser amados e tememos a rejeição do outro, fomo-nos habituando a calar o que pensamos e sentimos, para sermos facilmente aceites e depois, amados. Ouvir o que temos a dizer sobre nós não é tarefa fácil…

Vou à psicoterapia para ouvir o que eu tenho a dizer!

Quando ouvi esta frase, fiquei indagada e ao mesmo tempo a pensar no quanto é difícil ouvir o que temos a dizer sobre nós. Mas não estamos na Era em que os podcasts assumiram o lugar de protagonista nos conteúdos digitais e que hoje nos assaltam minuto a minuto? 
Bom, é certo que os nossos conteúdos internos nem sempre são apelativos, mas se lhe dermos a atenção devida talvez se encontrem agradáveis surpresas. 
Quando ouvimos um podcast, estamos mesmo a ouvi-lo? Tenho algumas dúvidas… Na maioria das vezes, o podcast é conciliado com outras tantas tarefas em simultâneo, depois paramos, aceleramos e saltamos algumas partes do mesmo. É um conteúdo que faz parte da nossa coleção de materiais digitais, que cada vez mais vão tendo como função ajudar a suportar silêncios e se têm tornado fortes aliados no preenchimento de vazios. Ouvir os nossos silêncios não é tarefa fácil… 

No sofá da terapia criam-se podcasts?

Voltando ao sofá da terapia, percebemos que aqui, os podcasts se desenham noutra forma e se moldam noutra ordem. Na ordem do falar, do ouvir e do sentir. Requerem atenção exclusiva! Persistência, paciência e coragem! 
Se nos sentimos ansiosos, cansados, deprimidos ou irritados, a psicoterapia é sempre uma escolha acertada, por mais difícil que seja declará-la. A investigação científica comprova a sua eficácia e os nossos pacientes também. Perante a dor e o sofrimento, a possibilidade de compreensão das emoções, permite quebrar o ciclo de repetição e a mudança ocorre naturalmente, aliviando os sintomas. O pedido de ajuda psicoterapêutica vem, na maioria das vezes, associado a angústia e esta é uma temática na qual os psicólogos se encontram atentos desde o início, dando uma resposta adequada e integrando a queixa. Eles são especialistas na arte de perceber e aceitar o outro, são empáticos e disponíveis. Quem já fez psicoterapia reconhece estes fatores e é por isso que a sugere com tanta veemência. Mas também sabe que o compromisso com a psicoterapia deve ser real para ter um resultado transformador e que não é suficiente marcar a consulta e ter um psicólogo a acompanhá-lo todas as semanas (como nos ginásios…, não basta fazer a inscrição para obter resultados).

Talvez no sofá da terapia seja possível criar um podcast mais atrativo e interessante, onde a temática principal e de fundo é a nossa história, relatada em vários episódios, uns mais emocionantes do que outros. Criar um podcast sobre nós alimenta a capacidade de estarmos connosco próprios, independentemente de estarmos sós ou acompanhados. Permite olhar o que somos, ouvir o que temos a dizer e sentir o que sentimos.

Afinal, se não nos ouvimos, o que andamos a ouvir?

 

 

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Quando a perda invade o espaço terapêutico...



“Não tenho medo da morte. Só não quero estar presente quando ela acontecer.”

                                                                                                         Woody Allen

Drª. O meu pai partiu hoje ao início da tarde…que tristeza tão profunda…” 

Se por um lado, no desempenho da nossa profissão, vamos, com orgulho profissional, assistindo ao crescimento dos nossos pacientes, há momentos em que a empatia se instala de tal forma e, num poder descontrolado, apodera-se e embebeda-nos em momentos de sofrimento imenso onde a dor contamina e é sentida de forma intensa quase como se fosse  nossa; valha-nos a experiência, a supervisão e as nossas ferramentas de trabalho que nos permitem um distanciamento suficientemente seguro de maneira a sermos capazes de ajudar, conter e suportar o sofrimento desmedido pela perda sentida por  quem está à nossa frente, derrubada por uma tristeza imensurável. É inimaginável  este cenário; também somos humanos e trazemos connosco, às costas, a nossa própria história e também as nossas perdas mas, foi para isto e muito mais que nos fomos preparando enquanto profissionais de saúde mental  e por isso, capazes de fazer o nosso trabalho mesmo nestas circunstâncias tão, mas tão difíceis …

Ao longo dos meus anos de prática, já acompanhei dois processos lancinantes de espera da morte; um, enquadrado no percurso normal da vida,  e outro, absolutamente antinatural onde se trabalhou durante um ano e meio,   a espera inevitável da morte de um filho, na primeira infância.

Alguém me disse, um dia, de que as dores são incomparáveis e são, efectivamente; e estas, as dores da perda pela morte prematura ou tardia, são incontornáveis e tem o seu tempo para serem vividas. O Professor Coimbra de Matos, numa supervisão, dizia: “ O luto de um filho nunca se faz; vai-se aprendendo a viver de saudade” ; Rose Kennedy escreveu um dia:” Diz-se que o tempo cura todas as feridas. Eu não concordo. As feridas ficam. Com o tempo, a fim de proteger a sua sanidade, a mente cobre as feridas e a dor diminui, mas nunca desaparece”.

Também eu passei, há uns anos, pela morte do meu pai. Esperada e pela doença degenerativa da qual sofria a certa altura, até “desejada”, a despedida era feita a cada visita, tal a vontade que o seu sofrimento terminasse mas, perante a derradeira impossibilidade de o trazer novamente à vida com um simples sopro de amor, sucumbi à dor lacinante de me tornar órfã de pai; valeu-me a terapia onde houve dias em que o som era só o do meu choro, do meu lamento, da minha tristeza profunda e incapacidade de lidar com o meu novo estatuto, o de “órfã de pai”.

Apesar de ter tido tempo para me ir preparando ( será que alguém consegue estar verdadeiramente preparado para tal?) assistiram-me as cinco fases de luto: negação, revolta, negociação , depressão e aceitação; retirei-me temporariamente da presença dos meus pacientes e mais tarde, quando regressei , cuidei para que, enquanto eu não tivesse este meu luto resolvido, não recebesse ninguém em consulta que estivesse igualmente a passar por um processo de luto: eu não estaria ainda  preparada para o ou, a acompanhar. A vida, entretanto, quando achou que assim o devia e que eu aguentaria,  foi-me pondo à prova pelos casos que fui abraçando e dei por mim, serena,  a trabalhar lutos com a saudade por companhia e com a empatia  em absoluta sintonia.

 E ontem, recebi esta mensagem! Já esperávamos! Trabalhámos ao longo destes últimos dois meses esta realidade possível mas tão impossível ao mesmo tempo de ser pensada! Com momentos difíceis e terrivelmente dolorosos, a inevitabilidade deste fecho de vida foi-nos colocando a ambas e em cada uma de maneira diferente, face a face com a morte;

Entre estes factos da vida, a morte é o mais evidente, o mais intuitivamente palpável. Desde cedo, bem mais cedo do que muitas vezes se julga, compreendemos que a morte há-de chegar e que não há escapatória (…)

(…) Há medida que envelhecemos, aprendemos a não pensar na morte ; distraímo-nos; transformamo-la em algo positivo; negamo-la com mitos que nos sustentam; esforçamo-nos por alcançar a imortalidade através de obras imperecíveis (…)

(… Contudo, existe outra via – uma tradição antiga, que se aplica à psicoterapia- , que nos ensina que a perfeita consciência da morte amadurece o nosso pensamento e enriquece a nossa vida”

A Psicologia do Amor

Irvin D. Yalom

Respondi à mensagem da mesma forma que me ouvi, quando a li e que achei importante fazê-lo : “ Só me resta relembrar-lhe o que ao longo deste tempo temos tantas vezes dito em sessão: só morre quem é esquecido e o seu pai tem um lugar perene no seu coração”

Agarro-me à frase inicial de Woddy Allen e transformo-a segundo a minha existência:

“Não tenho medo de trabalhar a inevitabilidade da morte. Só não quero estar presente quando ela acontecer.”


Drª Ana de Ornelas

Directora Geral do Projecto 

O Canto da Psicologia




quinta-feira, 9 de julho de 2020

Pensar um equilíbrio...





Vivemos este período marcado por tantos constrangimentos, em que as condições da nossa realidade foram significativamente alteradas e ficámos privados de tantas coisas tão importantes, é como se o mundo de cada um tivesse encolhido um pouco (ou muito… a medida vai de quem o sente). A necessidade de nos adaptarmos foi, e é ainda, imperiosa, nesta fase já se pode sair de casa, desconfinámos, mas as incertezas são muitas, não se sabe que consequências pode ter determinada saída ou como irão correr as coisas de futuro.

A vivência da incerteza e da ausência de controlo, características inerentes da condição humana, intensificaram-se de tal forma que se impuseram no que é o dia a dia das pessoas e se tornou difícil de afastá-lo da consciência (o que também é importante, poder esquecê-lo).


O contacto social, essencial para a vida, mental e física, tornou-se praticamente interdito, ou pelo menos limitado. O que antes era consolo e alegria, como um abraço, pode ser agora risco de contágio… Será prudente e necessário reduzirmos os abraços, limitá-los relativamente ao número de pessoas, mas não será igualmente prudente e emergente que continuem a existir? Tratar-se-á de dosear o que se faz, nivelar o campo de ação, adaptar as expetativas e os objetivos de acordo com os novos parâmetros? No sentido em que se minimizam os riscos e se escolhem as melhores condições possíveis para manter aquilo que é salutar como o convívio com os outros?
Se esta incerteza e ausência de controlo que se impõem trazem dificuldades, ansiedade por exemplo, por outro lado já nos são conhecidas, já lidávamos com elas, mais ou menos conscientemente… poderemos então continuar a fazê-lo? E continuar a viver da melhor forma possível?

Continuemos, continuar também se impõe. Controle-se o que se pode (como os cuidados de higiene por exemplo), e o que não se puder, que se aceite, ou se torne possível aceitar, com relativa tranquilidade. Entenda-se e aceite-se que é natural que se produza menos, que se alcance menos, que se “tenha menos cabeça”. É natural sentir mais ansiedade ou experienciar mais estados depressivos.

Que sentido pode este período ter para cada um? Como é que este período e acontecimento pode ligar-se à sua narrativa pessoal? Trouxe dificuldades, potenciou dores antigas, fez reavivar feridas que pareciam saradas? Trouxe também algo de positivo? Foi possível aproximar-se de alguém significativo, foi possível valorizar coisas que faziam parte do quotidiano, mas passavam despercebidas (como as pessoas que relatam que passaram a usufruir muito mais das suas casas), descobrir ou redescobrir alguns gostos e aptidões? Foi possível, por ter revisitado algumas feridas, ter-se a oportunidade de as sarar melhor? Poderá constituir-se como um daqueles momentos da vida que, por muito desafiante também se reveste de aprendizagem e potencial evolutivo?

São muitos os aspetos que requerem reflexão, e uma coisa parece essencial, que os objetivos de cada um, de toda a ordem, possam ser novos objetivos adequados à nova realidade que se vive.




terça-feira, 7 de julho de 2020

Retorno aos treinos com ou sem máscara?





Com o retorno aos treinos, muitas pessoas continuam a perguntar se é importante o uso de máscara durante a prática de exercício. Do ponto de vista de controlo da doença, risco de contágio, contenção da disseminação das partículas do vírus, sem dúvida que sim.

Particularmente no decorrer de um treino, com o aumento da frequência cardíaca e frequência ventilatória, a evidência mostra-nos que o uso de máscara acarreta uma diminuição da captação de oxigénio, originando alterações importantes a nível respiratório e cardiovascular. Acrescentando que, também a nível da própria temperatura corporal existem alterações importantes quando há o uso da máscara em esforço. As consequências mais visíveis da utilização de máscara em esforço são o aumento da fadiga, diminuição das trocas gasosas, tonturas, mal-estar, aumento da temperatura corporal e diminuição do rendimento desportivo.

Assim, se pretende voltar a treinar, certifique-se que o seu ginásio cumpre as normas de higiene e segurança de forma a poder voltar aos treinos de forma segura e sem receio de tirar a máscara durante o treino. Cuide-se, cuidando dos outros!

Bons treinos
Hugo Silva




Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre