quinta-feira, 25 de junho de 2020

2020, a Saúde Mental e a Psicoterapia...








Estamos a meio de 2020! E este já é seguramente o ano em que mais fomos alertados para a importância da saúde mental, seja através das notícias na televisão, artigos em jornais ou informações nas redes sociais.

"Os Efeitos do Coronavírus na Saúde Mental são um desastre em Slow Motion."

Provavelmente, o contexto subjacente à pandemia e o confinamento nos tenham feito parar e reflectir. No entanto, a preocupação com a saúde mental tem acrescido nos últimos anos em todos os profissionais que diariamente trabalham neste contexto. As notícias não são animadoras e todos os dias nos confrontamos com números e histórias surpreendentes.


Talvez por isso, seja tão difícil definir e identificar o que é saúde mental. 
Sabemos hoje que não pode ser considerada apenas na ausência de perturbações psicológicas e que envolve outros critérios e capacidades. Sabemos também que está intimamente ligada à saúde física e que as duas não se podem dissociar. Por outro lado, a saúde das nossas relações também tem uma palavra importante a dizer quando nos referimos a um bem-estar geral e completo. 

"Entre Janeiro e Março, venderam-se mais de 400 mil embalagens de ansiolíticos e antidepressivos."

Ainda que nunca se tenha falado tanto sobre saúde mental, como nos dias de hoje, a verdade é que o sofrimento humano existe desde sempre. Ao longo da história da humanidade, o homem foi-se confrontando com problemas que condicionavam o seu bem-estar psicológico. A perda, o luto, as dificuldades nas interacções familiares, os conflitos relacionais e os episódios traumáticos fazem parte da origem da maioria das patologias mentais mais frequentes, como a ansiedade e a depressão. 
Com o passar dos anos e com maior acesso ao conhecimento, a forma encontrada para lidar com as problemáticas psicológicas foi, ironicamente, dando um lugar mais significativo à sua ocultação e encobrimento. Os sintomas vão-se camuflando e mascarando, com recurso cada vez maior à medicação, ao álcool, ao trabalho em excesso ou a outros equivalentes com a função de evitar o confronto e assim anestesiar o mal-estar sentido frequentemente, indo em sentido contrário do tratamento da raiz dos problemas. O sofrimento permanece e torna-se ainda mais ensurdecedor!

"Portugal é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa."


Ultimamente, temos lido e falado muito mais sobre psicoterapia e a sua validade tem sido solidificada no tratamento de todas as patologias do foro psicológico e psiquiátrico.
Para os psicoterapeutas nem sempre é fácil descrever e explicar de forma simples todos os factores envolvidos no sucesso e eficácia da psicoterapia. Até porque, é um processo prolongado e progressivo.

Há uma analogia curiosa que às vezes me ocorre quando penso na intervenção psicoterapêutica e que me conduz à era digital e tecnológica que vivemos hoje.
No mundo da informática, um dos conceitos base é ditado pelo Código-Fonte. Esta concepção determina o conjunto de palavras ou símbolos escritos com lógica e ordenação, que pretendem dar instruções em vários tipos de linguagem de programação. Existem vários tipos de linguagem, com diferentes padronizações e estas podem ser compiladas e originar um ou vários softwares específicos. 
Que complexidade! 
Quando utilizamos incessantemente tecnologias digitais, seja em casa, no trabalho ou nas compras online, não imaginamos a multiplicidade de factores envolvidos na criação daquele sistema. 
Também assim é a compreensão do funcionamento psicológico de cada um e a respetiva intervenção psicoterapêutica. Decifrar, compreender e conhecer o “código-fonte interno” é um dos pilares do processo. Por vezes é o ponto de partida e logo aí, começam a surgir os primeiros resultados positivos.


Na terapia, os problemas psicológicos são entendidos como consequência de experiências ocorridas que moldam a forma como nos relacionamos com os outros e connosco próprios.  Aqui, com um olhar muito atento e um novo modelo de compreensão individual, a intervenção psicoterapêutica conduz à saúde mental e ao bem-estar. Depois, pode dizer-se que se parte para a criação de uma nova linguagem de programação interna (que se descodificou e voltou a codificar), que resulta numa diferente capacidade de integração psíquica, maior adaptação ao próprio mundo interno e aos outros. Assim, vão-se constituindo alicerces fundamentais para a autonomia emocional que vai substituindo o sofrimento enraizado, dando lugar a novos e saudáveis recursos psicológicos. 

Ter saúde mental e experienciar um bem-estar geral é conseguir olhar, escutar e lidar com as tensões normais da vida sem medo, é dormir e comer naturalmente sem privação ou excesso, é sentir-se bem fisicamente e sem cansaço persistente, é poder trabalhar de forma produtiva, é ter capacidade para pensar colectiva e individualmente, é realizar actividades com entusiasmo e para as quais temos habilidade, é sentir e aproveitar a vida, interagindo saudavelmente com os outros e com o mundo.







quinta-feira, 18 de junho de 2020

O Humor e a Pandemia...



                           
A pandemia que estamos viver, está a afetar-nos a todos, sem distinção de idades, profissões, raças ou qualquer tipo de hierarquia social. De um dia para o outro, toda a vida que sentíamos ser a nossa e julgávamos ter sob o nosso controlo, as rotinas e hábitos, as relações com os outros, são-nos tirados. De forma abrupta, percebemos ser necessário mudar o nosso comportamento de forma a podermos adaptar-nos, o mais rapidamente possível, a uma nova forma de estar no mundo. A bem da nossa saúde mental e física.
Após nos ter sido sugerido, para nosso próprio bem, ficarmos em casa, experienciámos um chorrilho constante de mensagens, através dos nossos telemóveis. Um envio furioso e compulsivo. Questionei o porque de todo este envio desmedido? Aparentemente, o vírus transformou o mundo numa fábrica gigante de mensagens com os mais variados conteúdos.
Contudo, algo me começou a inquietar. Tudo servia para fazer piada. As piadas intensificaram-se com todo o tipo de conteúdos, do mais adequado, ao que não fazia qualquer sentido e não tinha assim tanta piada. Parece que estávamos todos a querer transformar o “mau” em “bom”. Todos estávamos a sentir uma forte necessidade de agir, fazermos qualquer coisa. A este propósito, numa conversa com um amigo, ele disse-me: “é assim que o afastamos, com uma boa piada!” É assim que afastamos o quê?
Passada esta azáfama, este “Boom messaging” dos primeiros dias de confinamento, as coisas foram abrandando, já não havia tantas piadas novas e as que existiam “já tínhamos visto”, a novidade de outrora, perdeu-se. E também se perdeu parte da alegria e do entusiasmo. Vamos, gradualmente, confrontando-nos com a realidade que estamos a viver e tudo aquilo que se modificou. Estamos isolados uns dos outros. Passamos a estar mais em contacto com a nossa realidade interior. Questionamos o que é que estamos a sentir.
A alegria é o oposto da tristeza. Fazer piadas torna-nos mais alegres? Mais ou menos. Talvez estejamos a usar essas piadas para tentarmos não ficar tristes. Mas, como assim, tristes?
É normal estarmos tristes. Todos estamos a perder. De um só golpe fomos separados das nossas vidas normais e da convivência com os mais próximos, familiares e amigos. Pense nas coisas mais simples como beijar, abraçar ou tocar. Ou fazer um passeio em família. Na realidade, é uma lista bem grande de coisas que fazíamos e deixámos de fazer. Fomos privados de tudo isso. Por isso é natural estarmos tristes. Quando perdemos coisas que são importantes para nós, lamentamos. A tristeza faz parte do luto. O luto é um processo natural, ajuda-nos e cura-nos. E faz parte da nossa experiência de vida enquanto seres humanos.
Então, quando o humor deixa de servir como “vacina” eficaz para lidarmos com os nossos sentimentos, quando a última piada já não tem piada alguma, aquilo que realmente sentimos é um pouco de tristeza. Não tenha medo de se sentir triste. Pense nas relações mais significativas que tem, procure falar com essas pessoas, partilhar o que sente e o que vai experienciando neste período de maior isolamento. E se precisar, solicite a ajuda de um psicólogo clínico ou psicoterapeuta.



terça-feira, 16 de junho de 2020

Treino online...






Com a nova pandemia, muitas das coisas que dávamos por certas, mudaram. A prática de exercício físico não fugiu à regra. Neste momento, muitos treinadores e professores mantém os seus treinos à distância e aumentam a sua carteira de alunos. Do ponto de vista científico, a evidência aponta para que seja possível obter resultados positivos ao nível da melhoria da saúde com treinos à distância, quer seja com treino com o peso corporal ou através de treino com resistências.

A grande questão que se coloca com o treino online ou à distância, é a individualização do treino face ao aluno e ao contexto. Mais do que nunca, a especificidade e a individualidade do treino ao aluno se torna fundamental. Um exercício mesmo que bem executado por um aluno, do ponto de vista funcional e biomecânico pode ser o oposto para outro.

Nesta perspetiva, é importante que este novo paradigma traga uma responsabilização acrescida por parte de quem prescreve um treino e um cuidado redobrado por parte de quem treina.

Bons treinos
Hugo Silva



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre




quinta-feira, 4 de junho de 2020

Nós e os outros...






No passado dia 25 de Maio, em Mineápolis, E.U.A., George Floyd, um homem negro foi asfixiado até à morte por um polícia branco de Mineápolis, que durante 8 minutos e 46 segundos se manteve ajoelhado sobre o pescoço e costas de George, em pose descontraída e mãos nos bolsos enquanto este suplicava “por favor, não consigo respirar”. O agente que asfixiou George não agiu sozinho – dois outros agentes ajudaram-no a imobilizar George, enquanto um terceiro agente se passeava, descontraidamente, à volta da cena. George era suspeito de ter usado uma nota falsa de vinte dólares para efectuar um pagamento numa loja.

Em Portugal, no ano de 1995,Alcindo Monteiro, foi agredido até à morte por um grupo de skinheads no Bairro Alto, em Lisboa. Em 2001, António Pereira, de 25 anos, membro do Centro Cultural Africano de Setúbal foi morto por disparos pela PSP no bairro da Bela Vista, quando tentava intervir numa luta. Em 2007, dois agentes da PSP da área do Porto espancaram o cidadão de etnia cigana Paulo Espanhol e foram condenados, em 2011, a 20 meses de pena suspensa. Em 2012 Igor, um jovem de etnia cigana foi baleado em Beja por um agente da PSP quando se deslocou a uma quinta para pedir trabalho na apanha da azeitona. Em 2015, jovens negros da Cova da Mora, foram detidos e acusados de terem invadido a esquadra da polícia de Alfragide. Após terem sido libertados, contarão ter sido torturados e vítimas de racismo, tendo em 2017 o Ministério Público dado origem ao julgamento de 17 agentes da polícia. Em Fevereiro de 2020, Moussa Marega, jogador do FCP abandonou o campo durante um jogo da I Liga frente à equipa do Vitória de Guimarães, quando os sons racistas de imitações de macacos que vinham das bancados do estádio se tornaram insuportáveis.

É impossível não pensar em George Floyd nos dias que correm. E por mais doloroso que seja, ainda bem. Mas é também importante não esquecer outras pessoas, outras situações. Tentei recordá-las em cima, consciente da existência de muitíssimas mais. E depois há outra coisa: às vezes, quando ouvimos e lemos sobre pessoas que não conhecemos, pode acontecer, depois do choque inicial dos primeiros dias, um certo desligamento. Na tentativa de que tal não me aconteça, trago dentro de mim a Mariana, uma menina que frequentava há dois anos atrás o 4º ano, numa escola onde trabalhei. A Mariana tinha nacionalidade portuguesa, mas tez negra. Foi encaminhada pela professora de educação especial para avaliação em psicologia, porque tinha muitas dificuldades de aprendizagem.
Um dia, a professora da Mariana, quando me encontrou no intervalo das aulas, perguntou-me se já tinha novidades em relação aos resultados da avaliação. Devolvi que ainda se encontrava em curso. A Professora da Mariana advertiu:

- “Pois…deve ser fraquinha…sabes como é, vive naqueles bairros sociais, a mãe não quer muito saber…tem a ver com a cultura e a raça deles…e tu vês, que para chegarem a cargos altos têm que estudar nos melhores colégios, terem muitas ajudas …nos EUA, por exemplo, para chegarem a presidentes”.

- “Eu não sei Sra. Professora, como diz que é?”

- “ É assim Catarina, como te digo. E olha que eu não sou racista, mas é assim”.

Não, Sra. Professora não é assim. Nem cá nem lá, nos EUA. Nós estamos muito mais atentos a si e à Mariana mas, sobretudo, mais atentos ao que se passa dentro de nós. Às partes destrutivas e mais primitivas que todos nós humanos, sem excepção, carregamos dentro. Quando nos permitimos olhar e pensar sobre elas, permitimos que possam, também em conjunto, ser elaboradas. O racismo também lá está, nessa toca das partes destrutivas que carregamos. Se pensarmos uns com os outros, se não tivermos receio de lá chegarmos juntos, talvez essas partes incompreensíveis e destrutivas que carregamos dentro, possam ser elaboradas e transformadas noutra coisa. Melhor. Para garantir que não atuam contra a Mariana. É urgente garantir isso.

Repito: Não, não é assim, Sra. Professora.