No passado dia
25 de Maio, em Mineápolis, E.U.A., George Floyd, um homem negro foi asfixiado
até à morte por um polícia branco de Mineápolis, que durante 8 minutos e 46
segundos se manteve ajoelhado sobre o pescoço e costas de George, em pose
descontraída e mãos nos bolsos enquanto este suplicava “por favor, não consigo
respirar”. O agente que asfixiou George não agiu sozinho – dois outros agentes
ajudaram-no a imobilizar George, enquanto um terceiro agente se passeava,
descontraidamente, à volta da cena. George era suspeito de ter usado uma nota
falsa de vinte dólares para efectuar um pagamento numa loja.
Em Portugal, no
ano de 1995,Alcindo Monteiro, foi agredido até à morte por um grupo de skinheads no Bairro Alto, em Lisboa. Em
2001, António Pereira, de 25 anos, membro do Centro Cultural Africano de
Setúbal foi morto por disparos pela PSP no bairro da Bela Vista, quando tentava
intervir numa luta. Em 2007, dois agentes da PSP da área do Porto espancaram o
cidadão de etnia cigana Paulo Espanhol e foram condenados, em 2011, a 20 meses
de pena suspensa. Em 2012 Igor, um jovem de etnia cigana foi baleado em Beja
por um agente da PSP quando se deslocou a uma quinta para pedir trabalho na
apanha da azeitona. Em 2015, jovens negros da Cova da Mora, foram detidos e
acusados de terem invadido a esquadra da polícia de Alfragide. Após terem sido
libertados, contarão ter sido torturados e vítimas de racismo, tendo em 2017 o
Ministério Público dado origem ao julgamento de 17 agentes da polícia. Em Fevereiro
de 2020, Moussa Marega, jogador do FCP abandonou o campo durante um jogo da I
Liga frente à equipa do Vitória de Guimarães, quando os sons racistas de
imitações de macacos que vinham das bancados do estádio se tornaram
insuportáveis.
É impossível não
pensar em George Floyd nos dias que correm. E por mais doloroso que seja, ainda
bem. Mas é também importante não esquecer outras pessoas, outras situações.
Tentei recordá-las em cima, consciente da existência de muitíssimas mais. E
depois há outra coisa: às vezes, quando ouvimos e lemos sobre pessoas que não
conhecemos, pode acontecer, depois do choque inicial dos primeiros dias, um
certo desligamento. Na tentativa de que tal não
me aconteça, trago dentro de mim a Mariana, uma menina que frequentava há dois
anos atrás o 4º ano, numa escola onde trabalhei. A Mariana tinha nacionalidade
portuguesa, mas tez negra. Foi encaminhada pela professora de educação especial
para avaliação em psicologia, porque tinha muitas dificuldades de aprendizagem.
Um dia, a
professora da Mariana, quando me encontrou no intervalo das aulas, perguntou-me
se já tinha novidades em relação aos resultados da avaliação. Devolvi que ainda
se encontrava em curso. A Professora da Mariana advertiu:
- “Pois…deve ser
fraquinha…sabes como é, vive naqueles bairros sociais, a mãe não quer muito
saber…tem a ver com a cultura e a raça deles…e tu vês, que para chegarem a
cargos altos têm que estudar nos melhores colégios, terem muitas ajudas …nos
EUA, por exemplo, para chegarem a presidentes”.
- “Eu não sei Sra.
Professora, como diz que é?”
- “ É assim
Catarina, como te digo. E olha que eu não sou racista, mas é assim”.
Não, Sra. Professora
não é assim. Nem cá nem lá, nos EUA. Nós estamos muito mais atentos a si e à
Mariana mas, sobretudo, mais atentos ao que se passa dentro de nós. Às partes
destrutivas e mais primitivas que todos nós humanos, sem excepção, carregamos
dentro. Quando nos permitimos olhar e pensar sobre elas, permitimos que possam,
também em conjunto, ser elaboradas. O racismo também lá está, nessa toca das
partes destrutivas que carregamos. Se pensarmos uns com os outros, se não
tivermos receio de lá chegarmos juntos, talvez essas partes incompreensíveis e destrutivas que carregamos dentro, possam ser elaboradas e transformadas noutra
coisa. Melhor. Para garantir que não atuam contra a Mariana. É urgente garantir
isso.
Repito: Não, não
é assim, Sra. Professora.
Drª Catarina Candeias - Lisboa
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