quinta-feira, 25 de março de 2021

O mito da responsabilidade e da autonomia...

 



A base de quase tudo, no que concerne à vida mental, está nas relações, no ambiente relacional, pois é neste ambiente que crescemos, enquanto crianças, e que nos desenvolvemos e nos construímos enquanto futuros adultos - na forma como experienciamos e como vivemos as relações. O desenvolvimento da criança está inevitavelmente dependente da qualidade da relação estabelecida com os pais ou com os seus cuidadores. Têm sido vários os autores a referirem isto ao longo dos anos, entre vários, Coimbra de Matos (2001), o “pai da psicanálise em Portugal”, refere que “O Homem é essencialmente um animal narcísico – que se admira e precisa de ser admirado”. Isto mostra-nos que precisamos de uma relação em que sentimos que recebemos afecto, valor, reconhecimento, empatia, compreensão, amor, limites (etc) por parte do outro, e é isto que faz com que a criança, internamente, se vá desenvolvendo como alguém importante para o outro.

 Consequentemente, quando não estamos perante vivências, experiências ou figuras (parentais, neste caso) suficientemente boas, deixamos de estar equilibrados psicologicamente, começamos a ter comportamentos vistos como desadequados e desenvolvemos sintomas. É, muitas vezes, neste ciclo de desenvolvimento relacional que desenvolvemos também a patologia que se manifesta enquanto adultos.

 Ficamos muitas vezes presos nas regras, nos limites, no bom comportamento, nas boas notas e esquecemo-nos que as crianças, muitas vezes, são apenas isso, crianças! Muitas vezes elas não querem tomar banho, não querem lavar os dentes, é aborrecido fazer os trabalhos de casa (quando é muito mais divertido brincar!), temos regras (internas) de que não podemos dar colo, não podemos dar afecto ou ficamos contaminados com a nossa sensação de zanga e frustração e não conseguimos tolerar a “insolência” de não se fazer os trabalhos de casa ou lavar os dentes. Ou até, já dissemos 10 vezes! Valorizamos as crianças bem comportadas, autónomas, responsáveis mas não nos questionamos sobre o que poderá também não estar a ser comunicado nestes pequenos quase adultos?

 Com isto, não dizemos ou pensamos que os pais são o agente criador de “culpa”, convidamos apenas a pensar... os limites e as regras são fundamentais mas será que há limites para o afecto? Para a valorização? Para a compreensão? Para a empatia? Ou será que os limites podem ser limites dados com afecto? Com compreensão?


Drª Inês Lamares - Alcochete e Lisboa

O Canto da Psicologia

 


terça-feira, 23 de março de 2021

Passeios higiénicos...

 



Com os números de Covid a baixarem diariamente, a confiança entre a população sobe,  logo há mais pessoas  na rua a fazer os seus passeios higiénicos. Não esquecendo que a segurança e a higiene deverão ser sempre garantidas com as nossas ações, é fundamental que se arranjem estratégias para fomentar a prática de atividade física e exercício. É importante notar, que a prática ao ar livre deve ser fomentada, mas que o exercício no ginásio feito de forma estruturada e segura mostra ser um grande coadjuvante na prevenção e na diminuição dos efeitos secundários associados ao Covid, ora vejamos:

- Pessoas com síndrome plurimetabólico (obesidade, hipertensão, diabetes, dislipidemia) apresentam cerca de 3x mais probabilidades de morrer com Covid;

- Pessoas com resistência à insulina ou diabéticos, aumentam cerca de 2x mais probabilidades de morrer com Covid;

- Pessoas activas e sem sintomas de doença respiratória, apresentam maior resistência ao vírus e menores complicações relacionadas com a doença;

- Pessoas activas, mostram maiores níveis de auto-estima e menores níveis de ansiedade, comparativamente a pessoas sedentárias;

 

Em suma, ser fisicamente ativo é um facto preponderante para melhorar e precaver a saúde.

 

Bons treinos

Hugo Silva

Instagram: hugo_silva_coach

-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre


quinta-feira, 18 de março de 2021

Mudança de Paradigma...

 


 Gritam-nos a plenos pulmões que a solidão é a nossa salvação. Sentimos que o Luto se vestiu de preto muito mais vezes do que era suposto, que se cantaram mais marchas fúnebres do que era desejado e que perdemos mais entes queridos do que nos é permitido.

Por estes dias, é-nos vedado estar em grupo, conviver como sempre fizemos, agir como coletivamente sempre nos ensinaram e, por força dessa alteração do real, deixou de estar disponível a renovação de contactos que sempre nutriu as relações sociais e o bem-estar intra e inter-individual. Ficar em casa e proteger-nos é, sem dúvida, vital. No entanto, o isolamento social – pedem-nos para ignorar o Ser Gregário que há em nós – acarreta outras consequências, além do afastamento físico, que são invisíveis ao olho e à desatenção. Vivemos, actualmente, um Luto pela idealização, pelos desejos, pela relação, pelas vontades e pela fantasia. Este Luto que se veste de preto e está presente nos enterros, veste-se, também, com um manto da invisibilidade dentro de cada um de nós e ameaça, a todo o instante, aparecer novamente com a notícia, brutal: “acabámos de perder mais um desejo!”. Este desejo, o de cada um de nós, nasce da idealização da vontade e do sonho, mas acaba com um “adeus” e uma marcha fúnebre; ainda que a consciência nos diga “Calma, vêm mais desejos amanhã”; e é certo. Elaboramos mais desejos no dia seguinte mas, aquele já não volta. Tal como as pessoas que se perderam nesta luta colectiva.

Vivemos uma ameaça permanente e invisível que a qualquer momento pode atacar com maior vigor.

 Temos vindo a adaptar-nos. Quem sabe já estamos adaptados.  Somos indivíduos subjectivos quando elaboramos um pensamento, o que nos permite duas formulações: a primeira que somos seres de hábitos e, à partida, resistimos a novos que nos sejam impostos; a segunda é que, apesar de contrariados, somos capazes de nos adaptar a situações externas ameaçadoras e desenvolver mecanismos que nos permitam sobreviver. Além das questões externas, as problemáticas internas são maleáveis, certamente, pela necessidade que daí advém. A solidão será atenuada pela sensação de solidão conjunta e a invisibilidade da tristeza será amparada pela certeza de que todos desejamos sentir-nos mais felizes. O setting terapêutico enche-se da procura pelas respostas, pelas interrogações ansiosas que precisam de ser escutadas e o desejo de alguém que anseia gerir as emoções e dizer: “Desta vez estou preparado”.

Temos dois lados de uma moeda: por um lado a vontade do antigo e a saudade do que já foi; por outro a incerteza do futuro ao espelho com o desconforto do presente. Do oculto terceiro lado, sabemos que sobra o desejo comum de uma perspectiva brilhante e saudável deste Mundo Novo.



Drª Maria Inês Almeida - Alcochete

O Canto da Psicologia



quinta-feira, 11 de março de 2021

Ontem não fiz nada de jeito... ou será que fiz, não fazendo?

 


É bom estarmos ativos e, sem dúvida, que constitui um motivo de orgulho, mas é preciso tempo para parar tanto quanto ser produtivo e orgulharmo-nos disso na mesma medida. Não falo só em dormir, férias, diversão, lazer, que são fundamentais, mas falo principalmente de tempo para não fazer nada. Nada mesmo (e não vale olhar para o telemóvel)!

Quando paramos estamos a permitir que as nossas emoções enviem mensagens ao nosso cérebro sobre o nosso estado e, assim, conceder uma oportunidade para avaliar como me estou a sentir; sobre o que me fez feliz durante o dia ou o que me perturbou. Quais as minhas necessidades e como posso satisfazê-las. O que está bem ou mal na minha vida. O que é preciso manter e o que é preciso mudar.

 E porque é que eu tenho de parar para que isto aconteça?”

 Precisamente porque quando estamos envolvidos nas nossas rotinas estamos, na maioria do tempo, a responder a exigências externas (sejam profissionais, sociais ou de outras pessoas que nos são mais ou menos próximas) e que, por mais que possam fazer parte da nossa vivência em sociedade e nos tragam benefícios diretos ou indiretos, podem desviar-nos (mesmo sem nos apercebermos) das nossas próprias necessidades.

Há uma diferença entre produzir algo em função da satisfação do outro e produzir algo em função da nossa própria satisfação e é preciso parar para a distinguirmos de forma clara.

 Quando é que sei que estou a precisar de parar?”

 Parar deve fazer parte da nossa rotina, tal como o é beber água, alimentarmo-nos, etc. Quando isso não acontece, vou começar a sentir-me cansado, stressado, irritado, entre outros. Ou ainda, o nosso corpo irá obrigar-nos a baixar o ritmo através de uma doença, uma gripe por exemplo.

 Eu não consigo estar muito tempo sem fazer nada!

 Para além do sentimento de culpa associado aos períodos de inércia porque a sociedade assim o exige, tendemos a evitar esse tempo principalmente porque estar a sós connosco pode gerar desconforto.

 Mas se me vou sentir desconfortável porque razão tenho de parar?”

 De facto, quando nos permitimos parar, surge por vezes a sensação de nos sentirmos perdidos, desesperados ou um sentimento de vazio (que serão tão mais intensos quanto maior o tempo que passo sem me permitir este espaço) e isto não é fácil de se enfrentar, mas uma vez este estado ultrapassado vão começando a emergir sentimentos mais positivos, mais energia, maior capacidade para criar, mas agora de uma forma mais concordante com os nossos desejos e valores.

Se, por outro lado, tanto o desconforto persistir no tempo, devemos procurar ajuda especializada que nos ajude a amparar esses sentimentos, a reorganizar e a reconstruir ou procurar um novo sentido.

O processo terapêutico é, entre muitos outros elementos, um espaço onde nos é concedido tempo para nós mesmos porque é o que se passa nele (nesse tempo) que nos permite mudar. 

 

 Filipa Noronha - Lisboa

O Canto da Psicologia


terça-feira, 9 de março de 2021

Corrida...e tempo

 


O tema não é novo, mas traz-nos novamente a dicotomia entre o tempo que temos disponível para treinar e o benefício que daí podemos retirar. O excesso de peso entre a população é uma realidade, sendo que muitas pessoas fazem da corrida, uma forma de exercício para a perda de peso. Um estudo recente, comparou a corrida contínua de baixa a média intensidade (entre 3000-5000m) e corrida intervalada de alta intensidade (200m alternando com períodos curtos de descanso). Após 2 meses de testes, com vários parâmetros monitorizados (descanso, alimentação, ingestão calórica, etc), o grupo que perdeu mais massa gorda, reduziu o IMC, melhorou de forma consistente a nível cardiorrespiratório, baixou PA e  melhorou outros factores metabólicos, foi o grupo que fez corrida intervalada de alta intensidade. Com isto podemos tirar várias conclusões: o treino intervalado permite “poupar” tempo quando se pretende treinar; o treino intervalado de alta intensidade mostra maiores benefícios para a saúde quando comparados com métodos de baixa/média intensidade; o treino intervalado de alta intensidade pode e deve ser adaptado à realidade individual, ou seja, intensidade elevada deverá ser ajustada a cada pessoa e não formatada de forma igual para todas as pessoas. Por exemplo alta intensidade para uma pessoa com excesso de peso, podem ser 200m de caminhada rápida.

Resumindo, não há desculpa para não aproveitar os benefícios da corrida ou da falta de tempo.

Bons treinos

Hugo Silva

Instagram: hugo_silva_coach

-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre



quinta-feira, 4 de março de 2021

Confi(n)ar o sentir...

 



Volvidos 12 meses após o primeiro caso confirmado de COVID-19 em Portugal, muito se tem falado do vírus e do seu impacto a vários níveis. As palavras pandemia, confinamento, desconfinamento, máscara, parecem terem entrado na vida singular e coletiva sem pedir permissão, ao ponto de nos dar a sensação de invasão interna, qual fantasma tornado realidade. Simultaneamente, as questões ligadas à saúde mental parecem começar a ganhar uma visibilidade, atrevo-me a dizer, “nunca antes vista”. Por diversos motivos (defesas do ego, dificuldades financeiras…) faz-se jus ao provérbio, “ninguém vê a tranca no seu olho, mas é fácil ver o argueiro no olho do vizinho”, ficando os sentimentos e emoções demasiado tempo confinados. Este confinamento do sentir pode dar origem a um mal-estar em tudo semelhante ao mal-estar pandémico. Não deixa de ser curiosa a ligação que aqui podemos fazer entre a problemática da doença mental e um vírus que surge sem causa aparente. O desconhecido vírus, como a distância (e por vezes frieza?) com que se olha a doença mental instala em todos nós a sensação de estranheza, desconforto e medo (face a todas as incertezas).

Levanta-se assim a questão: Ficámos todos de repente um pouco mais sensíveis a esta problemática? Talvez. E aqui podemos entrar na temática deste texto – Confiar o sentir – ou melhor dizendo, (não) confi(n)e os seus sentimentos.

 

A confiança – sentimento de segurança relativamente a si próprio; convicção de valor próprio – é um sentimento que se vai constituindo ao longo da vida, com o auxílio das figuras parentais e outras de referência, bem como da meio social envolvente. O jogo interativo e também simbólico que se desenvolve precocemente, como por exemplo, atirar o bebé ao ar e de seguida acolhê-lo nos braços; brincar ao esconde-esconde; permite desenvolver uma série de competências emocionais, que entre muitas outras coisas possibilita criar um espaço interno seguro e confiável, preenchido de boas relações de objeto. A palavra assume aqui uma grande dimensão, do “dar nome” e significado ao que sente. Desta forma compreende-se também o papel fundamental da linguagem emocional, como o manhês (diálogo entre a mãe/figura materna e o bebé, onde se utiliza um “idioma” especial – prolongamento das vogais, que as torna mais lentas e sonoras, aumento da frequência, que as faz mais agudas, e uma certa musicalidade). Todos temos muito presente a extrema importância que teve (e tem) o confinamento para que a tão conhecida curva epidémica começasse a baixar. Este cenário pandémico, digno de um filme, traz à superfície a importância da palavra, como veículo mental e de simbolização.

 

A palavra é o veículo mental, ligante por excelência; ligante porque liga o dentro de mim com o fora de mim (liga-me ao outro: é a dimensão intersubjetiva); mas também porque liga o “dentro” com o fora” dentro de mim próprio (liga-me comigo mesmo; é a dimensão intrapsíquica)

Esta última ligação é intrapsíquica porque liga “aquilo que está dentro”: o que está mais dentro do dentro (sistema inconsciente) com o que está mais fora do dentro (sistema consciente/pré-consciente)”.

João Pedro Dias, Revista Portuguesa de Psicanálise, 30 (2)

 

Tudo isto ganha hoje ainda maior importância quando somos diariamente confrontados com a necessidade de lidar com diversos sentimentos, que muitas vezes, na correria dos nossos dias, se vão escapando pelos pingos da chuva. Claro está que não desaparecem. A fadiga pandémica é disso reveladora. Contudo, e utilizando a metáfora inicial entre um vírus e a doença mental, importa referir que os sistemas imunitários são idiossincráticos, assim como a forma de ligar com a realidade (interna e externa). Dar nome aos sentimentos e confiar o sentir (partilhando o que se sente) é fundamental para que esta experiência que é em tudo coletiva, seja também percecionada como individual, e como tal não se desvalorizar as vivências individuais na forma como tudo isto pode ou não ter impacto na realidade pessoal.

Nós a equipa d´O “Canto da Psicologia”, continuamos por aqui, para o ajudar a pensar e sempre disponíveis para o ajudar a desconfinar as suas emoções, num espaço seguro e contentor.  

 

Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia