Volvidos
12 meses após o primeiro caso confirmado de COVID-19 em Portugal, muito se tem
falado do vírus e do seu impacto a vários níveis. As palavras pandemia,
confinamento, desconfinamento, máscara, parecem terem entrado na vida
singular e coletiva sem pedir permissão, ao ponto de nos dar a sensação de invasão
interna, qual fantasma tornado realidade. Simultaneamente, as questões
ligadas à saúde mental parecem começar a ganhar uma visibilidade, atrevo-me
a dizer, “nunca antes vista”. Por diversos motivos (defesas do ego,
dificuldades financeiras…) faz-se jus ao provérbio, “ninguém vê a tranca no seu
olho, mas é fácil ver o argueiro no olho do vizinho”, ficando os sentimentos e emoções demasiado tempo confinados. Este confinamento do sentir pode dar
origem a um mal-estar em tudo semelhante ao mal-estar pandémico. Não deixa de
ser curiosa a ligação que aqui podemos fazer entre a problemática da doença
mental e um vírus que surge sem causa aparente. O desconhecido vírus, como a
distância (e por vezes frieza?) com que se olha a doença mental instala em
todos nós a sensação de estranheza, desconforto e medo (face a todas as
incertezas).
Levanta-se
assim a questão: Ficámos todos de repente um pouco mais sensíveis a esta
problemática? Talvez. E aqui podemos entrar na temática deste texto –
Confiar o sentir – ou melhor dizendo, (não) confi(n)e os seus
sentimentos.
A confiança
– sentimento de segurança relativamente a si próprio; convicção de valor
próprio – é um sentimento que se vai constituindo ao longo da vida, com o
auxílio das figuras parentais e outras de referência, bem como da meio social
envolvente. O jogo interativo e também simbólico que se desenvolve
precocemente, como por exemplo, atirar o bebé ao ar e de seguida acolhê-lo nos
braços; brincar ao esconde-esconde; permite desenvolver uma série de competências
emocionais, que entre muitas outras coisas possibilita criar um espaço
interno seguro e confiável, preenchido de boas relações de objeto. A palavra
assume aqui uma grande dimensão, do “dar nome” e significado ao que sente.
Desta forma compreende-se também o papel fundamental da linguagem emocional,
como o manhês (diálogo entre a mãe/figura materna e o bebé, onde se
utiliza um “idioma” especial – prolongamento das vogais, que as torna mais
lentas e sonoras, aumento da frequência, que as faz mais agudas, e uma certa
musicalidade). Todos temos muito presente a extrema importância que teve (e
tem) o confinamento para que a tão conhecida curva epidémica começasse a
baixar. Este cenário pandémico, digno de um filme, traz à superfície a
importância da palavra, como veículo mental e de simbolização.
“A
palavra é o veículo mental, ligante por excelência; ligante porque liga o
dentro de mim com o fora de mim (liga-me ao outro: é a dimensão
intersubjetiva); mas também porque liga o “dentro” com o fora” dentro de
mim próprio (liga-me comigo mesmo; é a dimensão intrapsíquica)
Esta
última ligação é intrapsíquica porque liga “aquilo que está dentro”: o que está
mais dentro do dentro (sistema inconsciente) com o que está mais fora do dentro
(sistema consciente/pré-consciente)”.
João Pedro Dias, Revista Portuguesa de
Psicanálise, 30 (2)
Tudo
isto ganha hoje ainda maior importância quando somos diariamente confrontados
com a necessidade de lidar com diversos sentimentos, que muitas vezes, na
correria dos nossos dias, se vão escapando pelos pingos da chuva. Claro está
que não desaparecem. A fadiga pandémica é disso reveladora. Contudo, e
utilizando a metáfora inicial entre um vírus e a doença mental, importa referir
que os sistemas imunitários são idiossincráticos, assim como a forma de ligar
com a realidade (interna e externa). Dar nome aos sentimentos e confiar o
sentir (partilhando o que se sente) é fundamental para que esta experiência que
é em tudo coletiva, seja também percecionada como individual, e como tal não se
desvalorizar as vivências individuais na forma como tudo isto pode ou
não ter impacto na realidade pessoal.
Nós a equipa d´O “Canto da Psicologia”, continuamos por aqui, para o ajudar a pensar
e sempre disponíveis para o ajudar a desconfinar as suas emoções, num espaço seguro
e contentor.
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