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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Um Conto de Natal...

 



“Um Conto de Natal” talvez seja um dos clássicos que mais fazem parte do imaginário cultural do ocidente europeu nesta época. Quando uma obra de 1853 atravessa dois séculos e se mantém viva na nossa história é caso para perguntarmos em que é que ela nos toca, na nossa humanidade, que transcende períodos sociológicos tão distintos. Em muitos aspetos, estamos longe do ambiente de Londres do século XIX.  

No conto de Charles Dickens, o personagem principal, Mr. Scrooge, um homem caracterizado como ávaro, egocêntrico, e rude com os outros, um homem só, é visitado, durante a noite, por três fantasmas, o do passado, o do presente e o do futuro.

O fantasma do passado leva-o a recordar-se de partes significativas da sua história, partes de privação e de dor, de uma vulnerabilidade que ele já não conhecia, tão distantes que nem parecia ele mesmo, e que, para o espectador, humanizam este personagem, permitindo compreendê-lo melhor e atribuindo outro tipo de significados às suas atitudes e comportamentos. O fantasma do presente mostra-lhe outras versões da realidade, a vida do funcionário que ele despediu, as agruras pelas quais a sua família passa, e as consequências da sua atitude na vida desta família. Esta é, também, caracterizada de forma bastante estilizada, a família pobre, mas recta e afetuosa. O Mr. Scrooge fica, genuinamente, surpreendido. Mesmo que pudesse ter uma noção de tais dificuldades, o fantasma trouxe-lhe um olhar diferente, a cores, um olhar já um pouco mais esclarecido, também, pelo fantasma do passado. O fantasma do futuro mostra-lhe, por sua vez, o que será o seu fim de vida se continuar no mesmo curso, um fim solitário e sem paz. Dá-se conta do que é o seu próprio presente, solitário, agora com um outro olhar, enriquecido por outras possibilidades e por outras vontades. Quando acorda desta experiência, quase por magia, muda, torna-se uma pessoa a cores, mais generosa, mais afetuosa, que abraça o espírito de Natal.

Naturalmente que há outras leituras deste conto, designadamente morais, mas não estamos interessados nelas. Interessa-nos, particularmente, a possibilidade de mudança. Neste Conto, esta é facilitada por 3 fantasmas. Serão as/os psicoterapeutas fantasmas do passado, presente e futuro? Somos, todos, potencialmente, um Mr. Scrooge ou o funcionário que ele despede? Espero que não! Mas todos temos os nossos“fantasmas” e na psicoterapia vamos conhecendo uns e outros, revisitando e reconstruindo as versões do passado, do presente e do futuro, a possibilidade de mudança está nesta análise e nesta experiência.

Na época em que nos encontramos interessa-nos, muito, esta idealização do espírito de Natal, que banha as famílias de generosidade e afecto. Uma imagem estilizada do Natal à lareira com a qual confrontamos a nossa própria experiência. A minha família não éassim...porquê?... mas eu gostava que fosse.... um dia será.... Os “fantasmas” não aparecem nos anúncios de TV e, evita-se, a todo o custo, que apareçam na festa. Mas, precisamente pela simbologia da época, precisamente nesta altura, estão bem ativos. O Natal é bom, mas também pode ser difícil. E não ajuda termos como horizonte aquele Natal estilizado. Pode ser melhor, sim, também podemos ser melhores, mas não tem de ser perfeito, mais vale ser autêntico.



Drª Ludmila Carapinha - Lisboa

O Canto da Psicologia



quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Meu querido mês de agosto...

 


Lá fora nem todos os dias nos parecem que estamos em pleno verão. Por vezes quase parece necessário olhar para o calendário, pois na verdade os dias estão cada vez mais “bipolares”. Ainda assim, por enquanto os meses do ano mantém-se iguais, e sendo assim aqui estamos nós no mês, que para muitos, é de pausa.  Geralmente, nas férias de verão o clima quente e seco convida-nos a “acalmar” e abrandar o ritmo das rotinas habituais. Mas um pouco como noutras situações, onde as desculpas estão ao virar da esquina, que não nos sirvam os dias, por vezes, frios e chuvosos do verão como desculpa para não ficarmos mais “molengas” e serenar o ritmo (muitas vezes alucinante). Com isto não se quer dizer ficar molenga para a vida, mas talvez reencontrar-se com tantas coisas que ficam sempre para amanhã (sem ordem de preferência!) – descansar, brincar, dormir, abraçar… Por outro lado, também sabemos que não é apenas o facto de termos mais tempo para descansar ou estar com quem se gosta que o consigamos fazer. É precisamente quando estamos verdadeiramente em contacto com os outros (e connosco) que nos damos conta de imensas coisas que muitas vezes nos passam um pouco ao lado. No querido mês de agosto podemos também vivenciar as saudades expressas no regresso dos emigrantes ao seu país. A nostalgia daquilo que “fica para trás” quando se viaja para outro país, parece ganhar outra cor e brilho quando se pode reencontrar família e amigos. Os bailes de verão, as sardinhadas, o pôr do sol à beira mar, agora tudo isto ainda um pouco em suspenso, seriam o pano de fundo de algo que muito se sentia falta – estar em festa com a vida, melhor dizendo ter um espaço físico e mental para estar com o outro.

 


Simultaneamente, as férias representam também o parar para depois recomeçar – a escola, o trabalho, a psicoterapia – o que simbolicamente nos pode remeter para a capacidade de guardar dentro de nós as pessoas e as relações. Durante um processo psicoterapêutico a relação que se desenvolve na díade terapeuta-paciente, permite ativar e pensar uma série de sentimentos que existem também nas outras relações pessoais e profissionais. Assim, o momento das férias na terapia pode também evocar sentimentos de algum mal-estar, e eventualmente sensações de angústia e abandono. Freud (Inibição, sintoma e ansiedade, 1926) descreve a angústia como um estado de insuficiência psíquica do ego, frente a um perigo que o ameaça, despertando assim a sensação de desamparo biológico e psíquico, sentido habitualmente pelo bebé na ausência da mãe. Naturalmente que as separações, por muito pequenas que sejam podem evocar este tipo de sentimentos, mas podem também simbolizar a possibilidade do reencontro e da permanência do outro (dentro de nós). Este movimento de ir e voltar, e consequentemente do saber que por se estar separado do outro ele não desaparece é essencial para que se possa desenvolver a segurança e autonomia.

O regresso, tal como as férias, pode ter um sabor um pouco agridoce, mas permite criar uma sensação de continuidade e extensão da vida mental.

«“Não te vais esquecer de mim, pois não?” É o que perguntamos todos quando nos despedimos da pessoa amada, pois esse é o certificado de que somos amados e a garantia de que não seremos abandonados.»

(Coimbra de Matos)

Por enquanto, ainda em agosto, o convite feito é ao dolce far niente (Locução italiana que exprime o ideal da ociosidade despreocupada, dicionário Priberam), com a segurança do desejo do reencontro.

 Até já!


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia



terça-feira, 15 de setembro de 2020

Mexa-se, pela sua saúde....

 



Neste momento todos sabemos que o papel do exercício é fundamental na promoção de saúde e prevenção da doença. Doenças como: Diabetes, Hipertensão, Obesidade, Cancros,  Cardiopatias, Osteoporose, entre outras, podem ser prevenidas com exercício regular e estruturado. Com o confinamento, grande parte da população idosa refugiou-se em casa devido ao receio de contágio, logo, mesmo esta população que era fisicamente ativa perdeu alguns dos benefícios do exercício regular. É fundamental que nesta fase de maiores cuidados e distanciamento físico, não se aumente ainda mais o distanciamento social. Neste sentido, é importante que filhos, netos ou parentes mais chegados procurem arranjar soluções seguras para que as pessoas mais velhas da família continuem a exercitar-se, quer seja através do contacto direto com treinadores por via online ou de forma segura e presencial num ginásio que cumpra as regras de higiene e segurança.

É importante mantermos os nossos pais ou avós seguros do Covid, mas continua a ser imperial que estes continuem a mexer-se sob pena da sua qualidade de vida retroceder.

 

Bons treinos

Hugo Silva

Instagram: hugo_silva_coach

-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Que trará este "novo" Setembro?

 


Nunca o regresso do pós férias foi tão profundamente irresoluto quanto este que se apresenta à nossa frente.

Há dois momentos na vida em que, geralmente, usamos em  jeito de balanço: quando regressamos de férias  e, no final ou, no início de um novo ano.

No primeiro momento, regresso de férias,  relembramos os planos que se concretizaram ou, nem por isso, visualizamos os novos desafios que se apresentam  para mais um ano laboral , regozijamo-nos com as conquistas escolares dos nossos filhos ,receosos, criamos expectativas para o ano escolar que se inicia, olhamos, com respeito, o sentir preocupante  inerente a qualquer  um destes aspectos mas, sobretudo, encaramos num registo pragmático de resolução do que ficou pendente , do que virá por aí , sempre de  peito aberto às provocações vivenciais que irão surgir ao longo de mais 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 48 segundos, aproximadamente ,até às próximas férias.

No segundo momento, final ou início de um ano novo, deitamos um olhar reflexivo ao ano que passou com uma certa nostalgia ou ânsia que ele termine  e pedimos um ano novo cheio de saúde, trabalho, dinheiro e muito amor e se não puder ser melhor, que  pelo menos “  seja igual ao que termine que já não é muito mau…” ( a partir de agora, faremos mais um pedido: que não venha com o novo ano um outro vírus por aí…)

E este ano? Agora que regressamos de férias, à rotina sazonal expectável,  que fazer com este presente onde não nos é permitido, sequer, pensar um futuro, fazer planos, delinear estratégias, pendentes que estamos todos de resoluções que não nossas?

Governo prepara endurecimento das medidas de proteção - Diário de Noticias - 27/08/2020

Nos próximos 15 dias tudo vai ficar na mesma, no que toca a regras de segurança sanitária, mas a meio de setembro todo o país passará para um nível mais elevado de proteção.

“O Governo está a preparar um endurecimento das medidas de proteção sanitária para daqui a duas semanas, passando todo o país de "situação de alerta" para "situação de contingência", o mais 'grave' dos três previstos na Lei de Bases de Proteção Civil. Já Lisboa manter-se-á na situação em que atualmente está - situação de contingência -, significando isto também que o grau de risco avaliado será igual em todo o país.

Não vamos, por aqui, voltar a repetir o que temos estado a ouvir ,há meses,  sobre o que é preciso fazer, que há uma nova realidade, que tudo vai ficar bem, que vamos sair disto muito melhores pessoas. O princípio da realidade que se impõe, por agora, é de um total desconhecimento, de uma total incerteza regada de angústia, ansiedade e medo, muito medo, não há como negar. Sabemos muito  mais do vírus mas, ele sabe muito mais de nós...

Que dizer ou fazer ,nestas alturas ,quando o amanhã nos parece incerto, a segurança frágil na continuidade do posto de trabalho impera, teme-se todos os dias pela saúde, continua-se a olhar o outro como o inimigo público número um, não se convive com a família totalmente à vontade, teme-se o regresso à escola dos nossos filhos, receia-se o retorno aos postos de trabalho, espera-se, com muita expectativa , pelas  medidas que por aí vem abraçar o meio de Setembro com a segunda vaga à vista, que dizer ou fazer?

Como diz a minha mãe: “ um dia de cada vez filha”!

Como digo enquanto mãe: “ um dia de cada vez filha”!

Permita-me, a si que me lê desse lado, pegar no título de um livro do escritor Miguel Esteves Cardoso e, com todo o respeito,  rescrevê-lo: A espera é f%d!&a…

Mas é o que nos resta…

 

Drª Ana de Ornelas

Directora Geral do Projecto

O Canto da Psicologia


 

 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Pelos caminhos de portugal vi um Psicólogo sem igual...

 


Num abrir e fechar de olhos, estamos a caminho do fim de Agosto… ali, ao virar da esquina, começa o Setembro, o regresso ao trabalho, às aulas mas, este ano, com uma nuance que nos reserva os planos de um quase presente sem futuro perante um registo contaminado por um vírus.

No ar, ainda paira o desejo de um verão como o de 2019 feito de festas populares, alegria, convívio, concertos, imagens que proliferaram pelas redes sociais de gente de férias, no Algarve, Caraíbas, Grécia, Itália, Espanha, um rol de países “felizes” ou, de gente feliz, com saudade e nostalgia. Este ano, não!

Este ano, 2020, um ano que prometia muita coisa extraordinariamente boa (segunda as previsões horoscopas)  , reserva-se a um sem fim de nada, enfeitado por máscaras que retiram sorrisos,  olhares e afectos, reduzido a uma imensidão de incertezas  cobertas  de medo mas,conseguindo  sobreviver…

E de repente, perante este desamparo de coisa segura, de confiança destrutível, de medo de voar para outros “tempos e marés” a maior parte de nós, em tempo de férias, queda-se em casa, no País, num registo de confiança (?) e segurança(?). E o que descobrimos?  Um País absolutamente maravilhoso, com cantos e recantos prontos a serem visitados, conquistados, idolatrados , reconquistado a uma ignorância alimentada pelo excesso de estímulo “ na galinha da vizinha”… e, espanto dos espantos:  que coisas maravilhosas  descobrimos de norte a sul de um país à beira mar plantado, impregnado de história reconhecida em cada monumento, paisagem, céu, vegetação e um sem fim de coisas absolutamente únicas, resquícios de um tempo e de um povo. Isso somos nós! E este ano, nas redes sociais, nos influencers da moda e afins, parece que descobriram o invisível tornado visível de um país que, por acaso, é só o nosso...

Perguntam-se agora por aí, quem nos lê, mas o que tem isto a ver  com o "mundo interno" d' O  Canto da Psicologia? Aparentemente nada mas, afinal, tem tudo…

Repetimos constantemente, no nosso Canto, a importância de um processo terapêutico em tempo de "paz interior"; a quem nos ouve e lê, sensibilizamos diariamente a procura de um espaço como este onde só estamos "eu" e alguém que, através de questões  convide ao pensamento, e ensine a exercitar o  pensar  de maneira a que a estrutura interna se torne firme e sólida; e, sobretudo, sensibilizamos a procura de algo em que, basicamente e aparentemente, naquele momento, não é um bem necessário mas, um necessário bem.

No entanto, e de uma maneira compreensível e aceitável , só quando um vírus vil,  infame ( dor, tristeza, perda, desamparo, abandono,esgotamento, angústia, ansiedade) invade o interno de cada um de nós deixando-nos confinados a um sentir  petrificante isento de rasuras possíveis de serem abertas tornando imperativo  e urgente  a necessidade de procurar ajuda, é que a  procuramos, tal GPS de guia pelas estradas de um país, permitindo-nos encontrar cantos e recantos de nós, petrificados e enregelados pelas vivências de anos, desespero de “séculos” e angústias de tempos perdidos num tempo que é só nosso.

E aí, aí, descobrimos a beleza, a deliciosa essência de espaços internos nossos, rodeados de afectos, pincelados de emoções coloridas, ávidos de serem libertados de crenças, juízos de valores e criticas, e que nos permitem a liberdade de sermos verdadeiramente NÓS. Nesta estrada, podemos ter lombas que nos icem de maneira desamparada, buracos que nos  retiram, temporariamente ,o chão , pedras que empanquem os passos mas, seremos nós, cientes do potencial que nos define e permite continuar o caminho admirando, passo a passo aquilo que o mundo me vai dando e que eu vou permitindo aceitar ou recusar, sem medos e culpas. ISTO É O ENCANTO DA TERAPIA!

Será isto ser feliz? Pois, não sei mas, quando o souber, partilho! 


Drª Ana de Ornelas

Directora Geral do Projecto

O Canto da Psicologia

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Positividade Tóxica...






"Não me devo sentir deprimido porque sou um profissional da linha da frente". “Não tenho o direito a queixar-me”. “Tenho que ser produtivo”. “Devo apenas sentir-me grato por ter um teto e comida”

 

 Existe uma onda de positividade que é imposta como se a única forma de estar fosse ver tudo positivo, mesmo quando existem desafios difíceis na vida. É necessário compreender uma coisa, nem tudo na vida tem de ser fácil, não temos de forçar um sorriso e por uma máscara. Sermos genuínos e sentirmos o que estamos a sentir, não é mau. Porque a tristeza e a ansiedade têm de ser más? Podem ser grandes aliadas ao pensamento, à evolução, ao crescimento. Mas parece que contam estas mentiras de que terás de ser sempre positivo, que não podes ter maus momentos, como se não fosse permitido tudo o resto.

Assim, nos últimos tempos, temos assistido a um autêntico Boom da “positividade” em que somos bombardeados com teorias do facilitismo e da superficialidade parecendo obrigatório estar-se  num estado constante de “alegria” onde nunca pode haver espaço para  emoções negativas, como a tristeza, o medo, a ansiedade e onde só podem existir as boas emoções e, as menos boas, completamente ignoradas e menosprezadas. Tantas vezes lemos e ouvimos; “pense positivo”, “ignore o negativo”, “atraímos o que pensamos” “somos o que pensamos”, “atraímos o bom e o mau” “o Karma é complicado, o que vai vem” entre outras frases, feitas e simplistas. Estas ideias podem ser perigosas para determinados tipos de personalidade, mais obsessivos que, em fases vulneráveis, irreais, encaram todos os pensamentos como verdades, o que provoca sofrimento psicológico.

Naturalmente que ter bons pensamentos e escolher as melhores opções para nós é algo bom mas, passa a ser patológico quando há uma autêntica distorção da realidade, não sendo esta nem completamente boa, nem completamente má, nem tudo está no preto e no branco, existem outras cores, tonalidades, diferenças, misturas. Desenvolver uma melhor capacidade de assumir decisões boas para nós, nem sempre é encarado como o mais positivo, por vezes temos de cuidar da nossa saúde, pelo que exige disciplina e foco. Ou seja, nem sempre tudo flui e é fácil, o que não é necessariamente mau, uma vez que é neste exercício de foco e perseverança que conseguimos o melhor para nós, a médio e longo prazo. Torna-se um problema quando a pessoa sente- se esmagada, para encaixar no expectável, naquilo que considera que os outros querem que seja, assim temos as gerações do instagram e das redes sociais, sempre a revelarem um lado extremamente positivo, como se o ser humano pudesse ser só este falso “positivo”. Assim sendo, esta postura esconde, em si, um perigo invisível, que fica entre linhas, que consiste em ignorar a autenticidade da pessoa ou seja, incentiva ao fingimento constante de que esta tudo bem, o que favorece e agrava o estigma da doença mental. A doença mental não afeta só as pessoas que estão totalmente fora da realidade, gravemente doentes, pode e normalmente irá afetar todos, de forma distinta, ao longo do ciclo de vida, por inúmeros fatores, externos e internos. Ignorar, fingir que está tudo bem, estar sempre muito disponível para os outros, e ignorar as próprias necessidades, só irá conduzir para um quadro de sofrimento psíquico atroz. 

Além da educação que muitas vezes não estimula a inteligência emocional na criança ou seja ,não ensina a identificar e a lidar com as emoções quer negativas, quer positivas de uma forma construtiva, a própria sociedade parece fomentar este narcisismo débil, que cai na armadilha do positivismo.

A tristeza e a ansiedade são emoções importantes, para o nosso desenvolvimento e progressão individual, desde que sejam, assimiladas, compreendidas e aceites em nós próprios e nos outros de forma empática. A frustração, a forma como lidamos com os obstáculos e desafios da vida é que irão determinar o nosso bem-estar, não se trata de se estar sempre a frustrar, mas, também, devemos assumir que existem aspetos negativos na vida e é normal termos emoções negativas, ainda que temporariamente.

 Se nesta Era narcísica, consideramos que a nossa autoestima depende, exclusivamente, de um sucesso extremo e perfeito, em todas as áreas da vida, então iremos aumentar a nossa propensão para a doença mental, uma vez que não é possível encaixar nesse nível irrealista de perfeição, nem tão pouco agradar a “gregos” e a “troianos”.

Ora, a nossa maior saúde mental, advém de aceitar com normalidade, as nossas emoções e perceber o significado dos nossos pensamentos negativos. Existe sempre, sempre, sublinho, uma razão, com sentido e essa compreensão pode ser construída em psicoterapia, o que apazigua a alma e, ate à data, não há medicamento nenhum que substitua isto.

 

 Dra. Mafalda Leite Borges - Alcochete

O Canto da Psicologia




quinta-feira, 2 de julho de 2020

A esterilização dos afectos...




Em tempos como estes, em que temos regras sobre como podemos estar e interagir é-nos solicitado, a todos, que nos readaptemos a uma realidade que já vai sendo mais conhecida, mas que continua a ser, creio eu, estranha.
No início parecia mais fácil esterilizar, desinfectar, limpar onde tocamos, por onde passamos, talvez por momentos até tenhamos esterilizado o que sentíamos e o que pensávamos, tendo pouco espaço para fazer mais do que aquilo que sentíamos efectivamente necessário e urgente no momento.
Cada vez mais fala-se no retomar a uma nova normalidade, uma nova normalidade necessária, pelo menos no que diz respeito à economia. Quando mais oiço falar na necessidade de retomar, de voltar a fazer as coisas que sempre fizemos, fico eu própria com uma sensação de ambivalência que me faz parar e pensar… claro que precisamos todos que as coisas vão voltando ao normal, que os pais regressem ao trabalho, que as crianças voltem às creches e às escolas, que tanto adultos como crianças possam voltar a praticar as suas actividades e que voltem aos seus locais de saúde, refiro-me claro aos consultórios onde são acompanhadas, nas suas diversas modalidades.
Mas como isolamos o contacto com uma criança? Como esterilizamos a necessidade do afecto, do abraço, do toque… como esterilizamos o brincar? Como podemos fazer lutas entre cowboys e soldados? Como podemos construir sem partilhar? Será possível esterilizar esta parte? Automaticamente quando penso nisto, penso em crianças e adultos ansiosos, deprimidos, doentes até! E fica em mim um grito surdo “o que a mente cala o corpo fala”, famosa frase de António Coimbra de Matos.
Como contemos uma criança seja no consultório, seja na escola, sem lhe podermos tocar? Sem elas poderem olhar e ver a nossa expressão (escondida por detrás de uma máscara)?
Falo de crianças dado os óbvios obstáculos em termos de desenvolvimento, mas penso também nos adultos, no fundo, penso em todos nós… como podemos integrar a nossa experiência, estruturar o nosso eu, organizar as nossas relações interiormente, elaborar as coisas que sentimos e pensamos sem a possibilidade da contenção de um abraço? No fundo, na ausência da experiência do afecto.
Onde, dentro de nós, colocamos o “temos de estar isolados” ou “precisamos de uma distância de segurança para existir” ou até a impossibilidade do “vem cá que eu dou-te um abraço ou um beijinho…”
Será que este retomar à “nova” normalidade está a ter em atenção a nossa saúde mental?
Como é que na escola gerem, no caso dos mais pequenos, as distâncias de segurança? O não poderem tocar-se para brincar? O não poder dar um beijinho ou um abraço quando alguém se aleija?
Penso em todas as crianças (e adultos) que acompanho e que tenho vindo a acompanhar em modalidade on-line, penso no voltar ao consultório, de máscara, talvez com algumas fantasias que não são, certamente, terapêuticas (será que aquela criança ou adulto está seguro ali? Será que eu própria estou segura?), penso na criança que corre e que procura o toque, o abraço, o beijinho, que quer por o tapete e ir brincar e rebolar no chão, fantasiar, lutar, co-construir e que eu não vou, certamente, negar…
Não será mais seguro, mais tranquilo, mais contentor, mais potenciador de crescimento e de desenvolvimento, nesta fase, em vez de agir sobre a urgência do retomar à tal nova normalidade, podermos em conjunto e passo a passo, construir uma realidade diferente por mais uns tempos em que se pode lutar, brincar, conversar, rebolar, mesmo que através de dois ecrãs (on-line)?
Os afectos não podem ser esterilizados e o brincar também não!



Drª Inês Lamares - Alcochete
O Canto da Psicologia


quinta-feira, 23 de abril de 2020

A família num mundo “Normal” Mais do que “ficar tudo bem” é preciso ficar tudo melhor.







A família encontrava-se pouco, por vezes, passavam-se dias, noites, meses, anos, tudo numa roda-viva, sem parar e faltava sempre tempo, tempo para amar, tempo para estar só por estar, sem fazer nada, tempo para simplesmente desfrutar de momentos em família. A nova crise Covid-19 trouxe múltiplos problemas e desafios a todas as famílias, estava tudo habituado a não ter tempo suficiente. Uma vez que no “mundo normal” havia dificuldades em manter momentos de partilha com os outros, horários de trabalho infindáveis, imensas responsabilidades, atividades extra curriculares, entre outras muitas distrações que pareciam não nos deixar tempo, para pensar, apenas para estar quieto e refletir. O que é a vida normal? Estávamos completamente imersos em atividades, numa correria, em que não havia espaço para ficar com os nossos pensamentos e aproveitarmos a nossa companhia. Estar só, faz tão bem, pois de facto não estamos sós, estamos acompanhadas pelos nossos sonhos, projetos, ideias, criatividades, imaginações, pensamentos, sentimentos, lembranças, memórias, que resultaram das nossas relações intimas. O movimento estar sozinho e estar acompanhado, é fundamental para o equilíbrio da saúde psíquica. Ter tempo para o “ócio” descansar apenas, ter saudades, estar consigo a pensar nos outros, não é um ato de preguiça é absolutamente necessário, para adquirir uma boa forma de pensar sobre si próprio, sobre os outros e sobre tudo. Se estivermos sempre numa agitação permanente, acabamos por não viver plenamente pois, é necessário, parar para recordar, para sonhar, para criar significado às nossas experiências. É desgastante viver, a correr e isto para poder encaixar em ideais de perfeição incutidos quer pela família, quer pela sociedade de narcisismo doente. A questão não é o tempo, o problema é se tiver esse tempo, como agora, o que vou fazer com ele, como o vou aproveitar? Vão haver famílias que irão encarar como uma oportunidade para estreitarem mais os laços afetivos, mas outras que estiveram sempre a fugir do estar com, que já não sabem o que é desenvolver interações em conjunto.

Neste sentido, agora, com este grande desafio para as famílias, de terem de estar todos juntos, todos os dias e a todas as horas, a necessidade de intimidade saudável passa a ser ainda mais fundamental. Pelo que é necessário criar momentos de descontração sozinhos, a ver um programa ou simplesmente, estar um tempo no quarto descansado, é muito importante que o casal respeite isto e que as crianças comecem a aprender, quais os limites do outro, como empatizar e respeitar os ritmos da mãe e do pai. São dinâmicas relacionais, que nesta altura podem dificultar o bem-estar na família, pelo que a criação de regras saudáveis e rotinas, torna-se fulcral.

O período de adaptação ao covid-19 implica um luto sobre como se conhecia a vida antes desta Pandemia. Emergiu em todos uma estranheza no dia-a-dia, o ter de estar em casa, o não poder passear de forma segura, pois existe um perigo invisível, mas que causa tantos danos. As rotinas diárias, a forma de estar na vida, a convivência social, foram completamente postas de parte e alteraram-se drasticamente. As dificuldades económicas e sociais têm vido a piorar, é emergente pois, a adaptação a uma nova forma de estar na vida. Mas que forma é esta? Por onde começamos? O que podemos fazer para nos reequilibramos a esta nova realidade?


Embora ainda estejamos todos em fase de adaptação, é natural que, aos poucos, comecemos a dar os primeiros passos na mudança que toda a crise obriga, mudar não é necessariamente mau, a mudança é das certezas maiores que temos na vida, uma vez que nada fica igual. Para os que estavam no “céu” antes desta crise ou assim consideravam. Esta situação acaba por obrigar a impor criatividade e capacidade de reajustamento, uma vez que ninguém escolheu este momento. Sim, existem acontecimentos externos incontroláveis por todos, nomeadamente catástrofes naturais, tsunami, terramotos, ataques terroristas, Pandemias infeciosas, não temos controlo sobre tudo, muito menos em relação a estes fenómenos. A noção de ausência de controlo, perante situações externas e adversas é encarada de forma distinta, consoante o tipo de personalidade, experiencias de vida e a capacidade de adaptação. Assim sendo, importa sublinhar que mais do que “ficar tudo bem”, é preciso ficar tudo melhor, é urgente, mais generosidade, mais equidade, mais amor, mais empatia e menos julgamento e critica. Pois dado que estamos a atravessar este período atípico, já agora que sirva para crescermos, evoluirmos e modificarmos o que não estava tão bem, na nossa sociedade, pode ser este o momento, esperemos que sim.

Assim, podemos entender que a par com a crise e o mal-estar que dela advém, também surgem, grandes oportunidades de crescimento, desenvolvimento, resiliência e sabedoria, tão essenciais à evolução da humanidade.


Mafalda Leite Borges - Alcochete
Canto da Psicologia




quinta-feira, 19 de março de 2020

A pandemia Covid-19 Como o ser Humano reage perante a crise? Quais as possíveis consequências a nível psicológico?





Como psicóloga só posso comentar e avaliar do ponto de vista psicológico e comportamental, de como o ser humano, tendencialmente, reage perante quadros de emergência ou crise geral. Assistimos a tempos desafiantes, um estado de emergência quase mundial, devido a um vírus Covid-19, pouco estudado, embora existam cientistas a debruçarem-se sobre esta área de investigação, sim o vírus, irá ser devidamente avaliado, controlado por vacina, é só uma questão de tempo e tudo vai ficar resolvido.
Contudo ainda não estamos nesse ponto, não há vacina, nem conhecimento cientifico esmiuçado sobre o comportamento do vírus, como tal, o que sabemos cientificamente é que a velocidade de propagação da infeção do vírus é exponencial, quantos mais contactos sociais, maior a inevitabilidade do aumento de infetados, assim como que o contágio é muito facilitador. Por favor não entrem em pânico, que não serve de nada e apenas aumenta o problema mas, também, não desvalorizem e facilitem, nem 8 nem 80!

As duas reações mais comuns num quadro de crise são em primeiro lugar, a negação, ou seja o sujeito não consegue conceber que está em crise e tem um problema e então ignora-o, como mecanismo de defesa, o que pode durar mais ou menos tempo. Exemplo da desvalorização: “a mim não me acontece”, “tenho uma saúde de ferro, um sistema imunitário forte é só aos outros”, “que exagero esta situação, não percebo”, “não vou mudar as minhas rotinas diárias”, “não se passa nada de especial é só preciso algum cuidado”. A outra reação à crise é, entrar em colapso, pânico e já não se sabe o que se está a fazer, uma vez que o pensamento lógico fica toldado e incongruente, perante ansiedade em excesso, nomeadamente; “isto vai contaminar todos e vamos morrer, “não podemos sair nunca nem respirar nada”, “vamos fechar os centros comerciais e a restauração às 21.00 (como se houvessem horários para o vírus) ”, “fazemos quarentena a meio gás”.

 Agora imaginemos que uma das respostas ao stress é a junção destas duas, desvalorização do problema (negação), mais desorganização (pânico), ficar com excesso de ansiedade, ora é o acontece, quando entramos num choque de perigo do desconhecido, podemos considerar que é o que se está a observar em algumas pessoas.

Assim estamos a ser bombardeadas com notícias que nos contam sobre o “impossível”, sobre o que consideramos que nunca podia acontecer e agora temos o perigo “invisível” do vírus covid-19, pode ser um evento traumatizante que deixa consequências quer na vítima direta, quer nos familiares próximos com repercussões psíquicas.

O nome científico para denominar a perturbação que se pode desenvolver após a crise é o Stress Pós Traumático, como o próprio nome indica consiste, num trauma psíquico provocado por um evento externo que não é previsível, nem controlado, dado fator de susto que provoca a experiência intensa e que impede a capacidade de equilíbrio emocional, face ao medo, desamparo da situação.
A Associação Americana de Psiquiatria define o conceito, trauma como uma experiência individual direta de um evento que envolva morte, ameaça de morte ou ferimento grave, ou outra ameaça à integridade física; ou observar um acontecimento de morte, ferimento grave ou ameaça à integridade de outra pessoa; ou ter conhecimento de uma morte violenta ou inesperada, ferimento grave ou ameaça de morte experienciada por um familiar ou amigo próximo. No caso atual, do Corona Vírus, o que temos é a experiencia psíquica da possível ameaça de morte iminente, mais direcionada, ao próprio ou ao outro, provavelmente familiares mais idosos. Pelo que também é uma experiência que causa sofrimento psicológico.

O ser humano naturalmente procura uma homeostase, um equilíbrio bio-emocional para poder funcionar no seu dia-a-dia. O impossível acontece quando um evento imprevisível sucede e retira alguma confiança e tranquilidade na vida e no seu natural curso. A capacidade do ser humano resistir e conseguir regular as suas emoções, de modo a criar significado para a experiência, vai depender da resiliência de cada sujeito, assim como, de fatores relacionados com organização psíquica, personalidade e experiências de vida. Como tal, esta regulação emocional e superação, tem um caracter subjetivo, embora o apoio psicoterapêutico, seja fundamental para apoiar a vítima em todo este processo, bem como, todo o apoio comunitário que favoreça o sentido de pertença nas pessoas.
 Perante a ocorrência de um acontecimento traumático o sujeito reorganiza uma nova forma de estar e de ver o mundo que o rodeia, o que pode gerar uma mudança significativa nos seus padrões de funcionamento psíquico. Sendo que a forma mais saudável de reagir, perante a crise será após o período de ansiedade que é normal; 1) aceitar que é uma crise, mas que vai passar, com o tempo e ter uma postura otimista, que tudo vai melhorar. 2) Ser proactivo e criar novas formas de lidar de forma flexível com a situação, capacidade de adaptação à realidade presente e aceitar as mudanças na rotina de vida.

 Normalmente, sentimos o mundo como um local seguro e relativamente controlável, considerando as mais diversas ações e tarefas que desempenhamos durante o quotidiano, como asseguradas por nós e, por isso, dentro do nosso controlo, pelo que decidimos o que queremos e não queremos fazer, aquilo que pensamos e recordamos. No entanto, na sequência de um acontecimento traumático, existe um reajuste na nossa maneira de ver o mundo, que leva o seu tempo a resolver. 
Assim sendo uma construção de personalidade rígida ou inflexível, poderá dificultar este processo de reajustamento do sujeito, dado a necessidade implícita de controlo, por outro lado uma personalidade mais plástica e adaptativa terá, á partida, outros recursos, para que com o passar do tempo, possa superar o evento traumatizante com maior tranquilidade.
Deste modo devemos estar calmos, mas atentos, confiantes, mas assertivos, na proteção de todos, se seguirmos as recomendações, iremos sair disto ainda mais fortes e unidos. O sacrifício maior será o isolamento, dado que o ser humano é um ser sociável por natureza, por isso é altura de abusarmos dos meios de comunicação virtual e procurarmos este tempo de calma, para organizar a nossa casa interna psíquica e construirmos projetos e sonhos futuros. Assim sendo todos temos uma parte ativa no combate a esta epidemia, não tenhamos medo do nome, mas, também não vamos ignorar o que se passa, o equilíbrio é a chave.


Drª Mafalda Leite Borges  - Alcochete




quinta-feira, 12 de março de 2020

A era virtual como contenção à epidemia viral - Coronavírus e os desafios psicológicos...







- “Até para a semana Dra., isto se não estivermos todos de quarentena”. 
A resposta foi simples, com alguma prontidão e com um sorriso a acompanhar: 
- “Se estivermos de quarentena,  encontraremos uma alternativa virtual, não se preocupe.”



É desta forma que muitas sessões de psicoterapia têm terminado esta semana aqui pelo Canto da Psicologia. E também este, tem sido o tema dominante das consultas, onde são expressados e elaborados vários pensamentos sobre o novo Coronavírus.

Este é um fenómeno com características e consequências particulares que está a colocar à prova todas as áreas da nossa sociedade. É inevitável não falar ou pensar sobre ele!
Por momentos até parece que estamos a participar numa obra cinematográfica de Hollywood ou numa série da Netflix. Mas não, a realidade do Coronavírus (Covid-19) está efectivamente presente e não existe outra alternativa a não ser lidar com o seu aparecimento da forma mais ponderada possível. 

- “… Dra. eu já sou muito ansiosa com tudo e agora isto…, não sei o que fazer…”

Uma doença com estas características é por si só um acontecimento real assustador, devido a todas as incertezas inerentes, mas também pela proximidade com o adoecer físico e com a morte. A rapidez de propagação e o facto de ser transversal, coloca-nos emocionalmente numa posição de vulnerabilidade muito grande. 

Todos nós temos um funcionamento psicológico único que se protege dos eventos sentidos como ameaçadores, de forma especial, vamos reagindo com alguns receios e angústias de acordo com a nossa história e vivências do passado. É então natural que as pessoas que sofrem de ansiedade se sintam mais alarmadas e se foquem muito mais neste tema. 
Por outro lado, é nos momentos de crise que, habitualmente, tendemos a reagir de forma mais ansiosa, agressiva, receosa, irritada, instável, onde os sentimentos de desorganização, inquietude, tristeza e desespero são exponenciados.

A verdade é que a epidemia já se instalou e todos, de uma forma ou de outra, nos estamos a adaptar e a preparar para lidar com este acontecimento.

Será que o fazemos da mesma forma? Será que adoptamos os mesmos mecanismos de sobrevivência? Qual é a forma certa de o fazer? E, psicologicamente quais são as melhores estratégias a adoptar? Não há uma resposta única e solucionadora, mas a boa notícia é que existem diversas formas de o fazer. Talvez seja a altura de utilizarmos os artefactos da era virtual e do conhecimento a nosso total favor!

Isto não significa que devemos estar conectados de minuto a minuto a acompanhar as notícias sobre o Coronavírus, pelo contrário. É importante mantermo-nos informados para nos organizarmos e estarmos preparados mas, o acompanhamento das notícias deve ser feito pontualmente e com pouca frequência. 

Sermos criativos e identificarmos novas formas de estar e suportar a rotina, adaptando-a aos conselhos e diretrizes das entidades governamentais é um movimento necessário. 

Termos consciência que é um fenómeno já instalado e que será inevitável a sua presença, é fundamental porque ajuda-nos a preparar possíveis cenários que a qualquer momento podem ocorrer, como por exemplo, o encerramento das escolas, a proximidade com alguém que foi contagiado ou até com as prateleiras vazias no supermercado. Assim, não somos surpreendidos e os níveis de ansiedade e surpresa são ultrapassados de forma mais serena.

Estarmos atentos aos mais próximos e apoiarmos quem tem mais dificuldade em enfrentar este acontecimento é também uma estratégia essencial, mostrar a nossa solidariedade e sentido de responsabilidade para com os que se encontram mais angustiados e por vezes até apáticos sem saber como agir.

Os mais novos devem ser tranquilizadas, mas informados. Os medos de uma forma geral, fazem parte da vida das crianças mas, nesta altura desafiante para o mundo e no que diz respeito ao Coronavírus é importante que este não seja um assunto omitido, nem um assunto colocado em forma de pânico. O tema deve ser falado e abordado, de acordo com a idade, de forma clara, evitando mistérios, mas com conforto e segurança de modo a não ficarem assustados.

Depois de nos reinventarmos, de usufruirmos das redes sociais e das novas tecnologias como aliados na distracção e contenção da epidemia, resta-nos aguardar que a desordem trazida pelo Coronavírus dê tréguas e possamos reorganizarmo-nos.

O trabalho dos psicoterapeutas e o acompanhamento psicológico assumem um papel relevante em alturas de crise e por isso, aqui, n’ O Canto da Psicologia, mantemo-nos disponíveis e ao Alcance de Todos, já adaptados e preparados para fazer face a esta época viral.


Drª Fanisse Craveirinha - Setúbal
O Canto da Psicologia






quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Quando qualquer tipo de relação se transforma em abuso…





Cada vez mais ouvimos falar de abuso nas relações, principalmente através da comunicação social que, diariamente, nos fornece informações sobre tragédias ocorridas com precedentes de abusos relacionais. A palavra relação remete-nos, sem que o seja consciente e também pelo que nos é transmitido por esses meios, para relações amorosas. No entanto, envolvem todo um outro leque de pessoas presentes na nossa vida, e por isso falamos também de relações familiares, de amizade, profissionais, etc… Em todas estas relações podemos encontrar exemplos de abusos, das mais diversas formas, e todos afetam negativamente o indivíduo que as  experiencia.

São estes abusos, dos quais  todos os dias vemos ou ouvimos falar, que  muitas vezes levam as pessoas a procurarem acompanhamento psicológico; são estes abusos que levam as pessoas a não conseguirem lidar e gerir internamente com determinadas situações; são estes abusos que levam  a pessoa a  duvidar de si própria, a sentir-se insegura, influenciando assim as restantes relações que ainda estão por  construir; são estes abusos que levam ao “não consigo confiar em ninguém”, “não gosto de mim”, “não sou capaz de fazer nada”, “não sirvo para nada”… são as frases mais ouvidas e de tão ouvidas tornam-se verdades inquestionáveis e limitadoras. 


Quando falamos em abuso nas relações entre casal, falamos de vários tipos de abuso. Maioritariamente não são as marcas físicas que mais marcam (que nem sempre existem), e que quem está à volta consegue observar com alguma facilidade, mas sim as marcas internas que ninguém vê, que ficam e perduram no tempo. E são essas marcas que levam a pessoa a questionar-se, a ficar envolvida em sentimentos de culpa, de incompreensão, de dúvida, de angústia… São estes sentimentos que impedem o estabelecimento de relações futuras, impedem o investimento emocional no outro e, principalmente, em si próprio.

Quando falamos em abuso no seio familiar ou das amizades podemos, igualmente, falar em distintos tipos de abuso. Contudo, este tipo de abusos levanta outras questões, questões mais profundas do eu. É-nos incutido pela sociedade, ao longo da vida, que a família faz parte do núcleo de confiança, que na família estão inseridas as pessoas em quem podemos confiar sem questionar, que são um suporte e fazem parte de um espaço contentor. Bem como nas amizades, em que esse suporte é “escolhido” ao longo da vida e que se espera que seja igualmente contentor. E, quando estes abusos surgem fazem com que se duvide do muito que foi assimilado ao longo do desenvolvimento pessoal, faz com que se duvide e que se ponha muito coisa em causa, levando-nos ao questionamento na confiança no outro ou, por outro lado, à continuidade na construção de outras relações disfuncionais, resultando na procura  incessantemente de alguém que venha preencher unicamente o vazio de quem foi, de quem saiu da relação.

Quando falamos em abuso no local trabalho, falamos de assédio moral, onde o abuso de poder, entre outros aspectos, põe em causa a competência profissional, o valor enquanto ser humano, colocando as pessoas em situações humilhantes e constrangedoras. E, inevitavelmente, é um abuso que surge quase de forma diária e constante, levando, mais uma vez, a que a pessoa duvide de si e das suas capacidades.

A maior parte das vezes este tipo de relações abusivas entra num ciclo repetitivo que, consequentemente, leva à interiorização da desvalorização de si e , inconscientemente, torna-se parte interna do indivíduo  passando a ser uma realidade difícil de evitar trazendo com ela momentos de um enorme sofrimento incontornável. 
E é, em alguns casos, quando existe a tomada de consciência de que se está a entrar neste ciclo, ou quando a angústia é sentida (de certa forma) como intolerável, que a procura de ajuda de profissionais pode surgir. A procura de um espaço contentor, um espaço no qual todas as referidas dúvidas e angústias se atenuem.

Se assim for e se  em algum momento se identificou com o que leu, lembre-se que  estamos por aqui enquanto técnicos profissionais da saúde mental que o podem ajudar a passar por estes momentos com o menos sofrimento possível.


Drª Rita Rana
O Canto da Psicologia



quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A doença crónica e a família...





Quando o diagnóstico de uma doença crónica surge, apanha toda a família de surpresa. Independentemente da doença diagnosticada, este é sempre um momento de crise. A crise resultante da convivência com uma doença crónica resulta muitas vezes da dificuldade que a família tem em adaptar-se às mudanças na sua rotina normal e obriga cada elemento da família a fazer ajustes a fim de lidar com a situação.

Naturalmente, nem todos os membros da família são afetados da mesma forma, dependendo das suas características individuais, da sua maturidade e personalidade. A família terá de aprender novas capacidades para prestar os cuidados ao elemento doente e vê-se obrigada a ajustar as suas atitudes, emoções, estilos de vida e rotina. É compreensível que esta situação exija cada vez mais perseverança da parte da família.
Ao contrario do que se possa pensar, não são os profissionais de saúde e muito menos os médicos os primeiros e principais cuidadores dos doentes crónicos. Este lugar cabe fundamentalmente aos familiares. As famílias são o recurso mais valioso para o entendimento e o cuidado da doença crónica.

A família enfrenta três fases de adaptação psicológica à doença crónica: a negação da doença no momento do diagnóstico; a desorganização familiar e consequente necessidade de reajustamento familiar às novas rotinas e a adaptação à doença e aos seus efeitos tendo em conta as características da mesma.

As doenças crónicas têm consequências psicológicas e sociais importantes, exigindo uma adaptação psicológica significativa. Confrontam o doente e a sua família com inúmeras ameaças e desafios, suscitando neste diferentes necessidades adaptativas — a necessidade de preservar um equilíbrio emocional razoável; a necessidade de manter um sentido de competência; a necessidade de conservar relações com a família e amigos; e a preparação para um futuro incerto. As incertezas no diagnóstico, a incapacidade, a dependência, os estigmas sociais e as alterações no estilo de vida são outras características das doenças crónicas que requerem adaptação. De forma a manter níveis adequados de funcionamento emocional, físico e social — expressos pelo bem-estar e qualidade de vida — os doentes e as suas famílias têm de lidar com estas ameaças e desafios impostos pela doença.

A Psicologia contribui para ajudar o doente e a sua família a manter o equilíbrio e compreender o funcionamento dos conflitos enfrentados devido à patologia vivenciada. O papel do psicólogo é oferecer ao paciente instrumentos terapêuticos para ajudá-lo a diminuir o seu sofrimento e ter uma compreensão mais ampla sobre a sua desorganização psíquica e encorajá-lo a criar novas possibilidades de enfrentamento.

Vivenciando os estágios emocionais de pessoas que sofrem de doenças crónicas e dos seus cuidadores, a psicologia pode contribuir muito para apaziguar angústias, conflitos e aflições.
Conviver com uma doença que não tem cura não deve significar render-se, abdicando de sonhos e objetivos. Por mais grave que uma patologia seja, por mais cruel o seu diagnóstico, o paciente e os seus cuidadores precisam sempre de contar com o acompanhamento psicológico a fim de encontrarem um novo equilíbrio.

Nunca devemos subestimar as capacidades da família. Descobrem-se forças onde pareciam não existir e, por vezes, esta experiência vivencial pode ser fonte de crescimento e de uma nova união familiar.