quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Positividade Tóxica...






"Não me devo sentir deprimido porque sou um profissional da linha da frente". “Não tenho o direito a queixar-me”. “Tenho que ser produtivo”. “Devo apenas sentir-me grato por ter um teto e comida”

 

 Existe uma onda de positividade que é imposta como se a única forma de estar fosse ver tudo positivo, mesmo quando existem desafios difíceis na vida. É necessário compreender uma coisa, nem tudo na vida tem de ser fácil, não temos de forçar um sorriso e por uma máscara. Sermos genuínos e sentirmos o que estamos a sentir, não é mau. Porque a tristeza e a ansiedade têm de ser más? Podem ser grandes aliadas ao pensamento, à evolução, ao crescimento. Mas parece que contam estas mentiras de que terás de ser sempre positivo, que não podes ter maus momentos, como se não fosse permitido tudo o resto.

Assim, nos últimos tempos, temos assistido a um autêntico Boom da “positividade” em que somos bombardeados com teorias do facilitismo e da superficialidade parecendo obrigatório estar-se  num estado constante de “alegria” onde nunca pode haver espaço para  emoções negativas, como a tristeza, o medo, a ansiedade e onde só podem existir as boas emoções e, as menos boas, completamente ignoradas e menosprezadas. Tantas vezes lemos e ouvimos; “pense positivo”, “ignore o negativo”, “atraímos o que pensamos” “somos o que pensamos”, “atraímos o bom e o mau” “o Karma é complicado, o que vai vem” entre outras frases, feitas e simplistas. Estas ideias podem ser perigosas para determinados tipos de personalidade, mais obsessivos que, em fases vulneráveis, irreais, encaram todos os pensamentos como verdades, o que provoca sofrimento psicológico.

Naturalmente que ter bons pensamentos e escolher as melhores opções para nós é algo bom mas, passa a ser patológico quando há uma autêntica distorção da realidade, não sendo esta nem completamente boa, nem completamente má, nem tudo está no preto e no branco, existem outras cores, tonalidades, diferenças, misturas. Desenvolver uma melhor capacidade de assumir decisões boas para nós, nem sempre é encarado como o mais positivo, por vezes temos de cuidar da nossa saúde, pelo que exige disciplina e foco. Ou seja, nem sempre tudo flui e é fácil, o que não é necessariamente mau, uma vez que é neste exercício de foco e perseverança que conseguimos o melhor para nós, a médio e longo prazo. Torna-se um problema quando a pessoa sente- se esmagada, para encaixar no expectável, naquilo que considera que os outros querem que seja, assim temos as gerações do instagram e das redes sociais, sempre a revelarem um lado extremamente positivo, como se o ser humano pudesse ser só este falso “positivo”. Assim sendo, esta postura esconde, em si, um perigo invisível, que fica entre linhas, que consiste em ignorar a autenticidade da pessoa ou seja, incentiva ao fingimento constante de que esta tudo bem, o que favorece e agrava o estigma da doença mental. A doença mental não afeta só as pessoas que estão totalmente fora da realidade, gravemente doentes, pode e normalmente irá afetar todos, de forma distinta, ao longo do ciclo de vida, por inúmeros fatores, externos e internos. Ignorar, fingir que está tudo bem, estar sempre muito disponível para os outros, e ignorar as próprias necessidades, só irá conduzir para um quadro de sofrimento psíquico atroz. 

Além da educação que muitas vezes não estimula a inteligência emocional na criança ou seja ,não ensina a identificar e a lidar com as emoções quer negativas, quer positivas de uma forma construtiva, a própria sociedade parece fomentar este narcisismo débil, que cai na armadilha do positivismo.

A tristeza e a ansiedade são emoções importantes, para o nosso desenvolvimento e progressão individual, desde que sejam, assimiladas, compreendidas e aceites em nós próprios e nos outros de forma empática. A frustração, a forma como lidamos com os obstáculos e desafios da vida é que irão determinar o nosso bem-estar, não se trata de se estar sempre a frustrar, mas, também, devemos assumir que existem aspetos negativos na vida e é normal termos emoções negativas, ainda que temporariamente.

 Se nesta Era narcísica, consideramos que a nossa autoestima depende, exclusivamente, de um sucesso extremo e perfeito, em todas as áreas da vida, então iremos aumentar a nossa propensão para a doença mental, uma vez que não é possível encaixar nesse nível irrealista de perfeição, nem tão pouco agradar a “gregos” e a “troianos”.

Ora, a nossa maior saúde mental, advém de aceitar com normalidade, as nossas emoções e perceber o significado dos nossos pensamentos negativos. Existe sempre, sempre, sublinho, uma razão, com sentido e essa compreensão pode ser construída em psicoterapia, o que apazigua a alma e, ate à data, não há medicamento nenhum que substitua isto.

 

 Dra. Mafalda Leite Borges - Alcochete

O Canto da Psicologia




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