“Dr.ª,
não sei como lhe explicar o que sinto, acho que nem sinto, é um vazio que não
acaba. Se me pedir para desenhar, desenho um buraco negro”.
Não raras vezes estreámos assim. Aquela tarde abriu
profundamente triste. Como se olhasse um quadro de cores escuras de angústia e
de uma desorganização desconcertante. Oiço a confusão espácio-temporal. Vejo um
corpo sem alma, um mundo interno pobre e povoado de fantasmas. À medida que
fala sinto o seu medo de poder estar perante um novo fantasma. A sua vida tem
sido uma vastidão de dor. Não há movimento nos gestos, não há coordenação, há
rigidez e desconfiança. Faltaram os braços da mãe. É a imagem que me
ocorre. A ausência de um ambiente confiável e sustentador. Faltou brincar,
explorar, experimentar e integrar.
E perante este terramoto interno de pedaços estilhaçados,
escuto e amparo, permito-me compreender a realidade das suas singularidades. No
horizonte – retomar o processo de constituição do Ego que ficou suspenso,
através de uma Nova Relação. “É esta nova relação expansiva e
sanígena que determina a mudança curativa – a construção e consolidação de
uma outra e mais satisfatória e mais produtiva relação interpessoal.” (António
Coimbra de Matos, 2016).
Vamos ainda no início do caminho. Por vezes longo para
quem se sente vazio há uma vida inteira. “Não sinto nada, não sei se há
melhoras. O buraco negro continua dentro de mim, mas sinto segurança aqui”. Progressivamente
o espaço terapêutico torna-se acolhedor como os braços de uma mãe. Há espaço
para narrar a sua história. Há confiança para abrir o seu mundo interno, permitir
que surjam imagens e emoções. Na tela parece prevalecer o caos, o medo, a
angústia. Percebe-se uma história infantil onde o ambiente familiar não foi
facilitador dos processos de maturação. Abrimos caminho à ressignificação da sua
história, construindo
uma simbolização. “(...) os pensamentos começaram a soltar-se e a encadear-se,
num movimento de maior compreensão da realidade externa e interna, através duma
abertura, que possibilita a passagem do real para o imaginário e do imaginário
para o simbólico.” (Ferreira, 1999).
Avançámos. O espaço terapêutico acolhe o vazio. “Já não vejo o buraco negro todos os dias, às
vezes sim, mas muitos dias não”. A nova relação dá lugar a uma tela
interior de cores, é possível a transformação e expansão. O buraco negro começa
a desvanecer e dá lugar à esperança, à novidade, ao futuro.
O horizonte da psicoterapia - alicerçar
na pessoa o seu sentido de singularidade, espontaneidade e autenticidade. Num
caminho, sem pressa de chegar, de relação entre a díade – terapeuta e paciente
- no qual ambos descem às paisagens do mundo interno e recuperam a possibilidade
de renascimento. Renascer numa nova relação, renascer em liberdade.
Continuámos. Começo a ver a alma
hasteada no corpo. Há medo de cair, mas há força e crescimento egóico capaz de
enfrentar a angústia. A nova relação é internalizada e permite desfolhar novas
relações, mais significativas e satisfatórias. O terapeuta – parece estar a ser
suficientemente bom.