O regresso à escola está cada vez
mais próximo e este regresso vem, todos os anos, associado a algo novo, ao
retomar depois dos meses de pausa em que tudo recomeça. E este ano?
Este ano é semelhante, o recomeço
existe, como em todos os outros. Essa parte não sofreu alterações. Mas, este vem
com um peso acrescido, com o peso de algo que todos estamos a experienciar e
que, de uma forma ou de outra, vem com receios e ansiedades associadas. Esta
experiência exigiu e continua a exigir alterações das rotinas e hábitos que já
estavam incutidos e que, de forma repentina, tiveram de sofrer (re)adaptações. E
como estará esta experiência a ser vivida pelas crianças e adolescentes?
Estas readaptações, que
envolveram a fusão entre o espaço de descanso, de momentos em família, com o
espaço escolar que, de um dia para o outro, “passou
a ser na minha sala”; que, de um dia para o outro, fez com que “só pudesse ver os meus amigos pelo ecrã”
(ou que nem assim fosse possível); que, de um dia para o outro, “me proibiu de fazer o desporto que fazia”;
que, de um dia para o outro, “me impediu
de ver os meus avós”; que, de um dia para o outro, “me trancou em casa”; que, de um dia para o outro, fez com que tudo
ficasse confuso, o espaço de lazer e de descanso, com o espaço de trabalho e de
estudo. A sala onde se via televisão, se jogava e brincava, o quarto onde se dormia e brincava passou a ser também a sala de aula, sem o caminho até casa para separar esses momentos tão distintos.
Todas estas alterações, todas
estas questões merecem especial atenção, merecem que se dê especial atenção aos
comportamentos, reações emocionais, sentimentos, das crianças e adolescentes, que
passaram por todo este processo e que vão agora ter de lidar com novas (re)adaptações.
Nas crianças, ao longo deste tempo, foi possível perceber a dificuldade em integrar a alteração do contexto
escolar, a dificuldade em perceber o que tudo isso representa, a dificuldade em
compreender o porquê de não ver o(a) amigo(a), porque “eu não estou doente”. Agora, irão existir novas questões e poderá
existir alguma resistência, depois de tanto tempo de afastamento. Em primeira
instância, a dúvida de como será este novo ano, depois a possível dificuldade
de pensar sobre as diferenças que vão existir, tais como a impossibilidade de
brincar com todos os amigos com quem brincava, algo que é tão inato numa
criança, pode ter agora limitações. E, se não existirem tantas limitações a
esse nível (dependendo da faixa etária), irão existir receios do toque, depois
de tudo o que foram assimilando nestes meses? Que consequências que poderão ter
estas limitações no futuro? Na saúde mental das crianças?
E a mudança de ciclo? A esta
mudança, que já envolve por si só ansiedade, devido a todas as adaptações já
anteriormente necessárias, acresce mais uma vez as regras que terão de ser
cumpridas e que terão de passar a fazer parte do normal no contexto escolar das
crianças. “Será que me vou adaptar?”,
“Todos dizem que este ano é difícil, que
é muito diferente”, “Será que os meus
amigos ficam na minha turma?”, “Vou
conseguir fazer novos amigos?”. Podem ser questões difíceis de gerir,
dependendo de cada criança, em circunstâncias que consideraríamos “normais”, e
que se vêem agora aumentadas.
Nos adolescentes, algumas
questões podem ser e podem ter sido as mesmas, noutras nem tanto. O foco aqui
passou mais, na maioria dos casos, pela questão da socialização, pela falta de
contacto físico com os amigos, pela falta de compreensão desta necessidade (em
alguns casos) da parte dos pais. A socialização é uma parte muito importante
para o desenvolvimento dos adolescentes, é uma fase em que a sua vida “roda”,
em grande parte para eles, em torno disso. Em associação, surgiu o maior apego
à comunicação online (única forma possível que contacto com “o mundo”). Esta
“dependência” não veio com a pandemia, mas a pandemia veio intensificar a
comunicação por estes meios. Contudo, embora esta forma de comunicar tenha
facilitado a vida de todos nós, não substitui o estar com o outro e isto é
sentido de forma mais intensa pelos adolescentes.
E nesta faixa etária surge a mesma questão que colocamos nas crianças: “E a mudança de ciclo?”. Por um lado,
poderá trazer questões idênticas às das crianças, por outro a complexidade das
mesmas também pode ser maior. Para além dos amigos terem um impacto muito
grande no seu desenvolvimento e comportamento, as responsabilidades também aumentam,
sejam pela entrada no secundário, seja pela pressão externa e interna existente.
Agora, podemos acrescentar a essas questões as dúvidas de como será o próximo
ano letivo, se será possível o contacto com os amigos como se recordam, será
que o contacto com o outro no espaço exterior da escola vai ser o mesmo, se vai
fluir da mesma forma como fluía.
Embora seja possível generalizar
algumas questões, é importante que, ao mesmo tempo, não se faça essa
generalização. Cada criança e adolescente tem as suas particulares, receios e
fantasmas, que necessitam de uma observação e atenção particulares para que os
“danos” sejam o mais atenuados possível e que a ansiedade associada a todas as
incertezas de futuro, às novas rotinas e novas regras que o regresso à escola
implica, não seja tão intensificada.
Trago este texto como forma de
reflexão, para que possamos refletir e estar atentos aos sinais que os mais
novos nos dão e à dificuldade na gestão emocional que esta situação lhes tem
trazido e que só promete vir com mais desafios pela frente.
Hoje falei das crianças/adolescentes, mas não podemos descurar o papel dos pais, tão
importante na adaptação a esta que é agora a nossa nova realidade, ao longo
deste processo que foram estes meses, e no processo de (re)adaptação que serão
os próximos.
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