Foi na passada semana que a Ordem
dos Psicólogos Portugueses abordou o tema body shaming que, tal como
foi descrita, “é uma forma de agressão que envolve criticar ou humilhar alguém
através de comentários negativos e depreciativos acerca do corpo ou aparência
física”. Este é um tema que está presente nas vidas de todos nós, direta ou
indiretamente, seja porque nós próprios somos/fomos atingidos por este
“fenómeno”, seja porque conhecemos familiares ou amigos que o foram ou
continuam a ser. Fenómeno este que aumentou, e continua a aumentar, com a
chegada das redes sociais que também, mais uma vez de forma direta ou indireta,
estamos todos envolvidos, alguns mais, outros menos. Fenómeno este que é feito
através da crítica a outra(s) pessoa(s), mas também da autocrítica.
Foi neste sentido e pegando neste
tema, que achei importante abordar a influência (negativa) que as redes sociais
podem ter nas nossas vidas e que vai, infelizmente, muito além de “apenas” body
shaming. As redes sociais dão-nos, diariamente, informações sobre o estilo
de vida de outras pessoas, sobre o corpo de outras pessoas, sobre viagens de
outras pessoas, sobre férias de outra pessoas, sobre as condições financeiras
de outras pessoas, sobre a vida amorosa de outras pessoas, sobre tudo (e sobre
nada) de outras pessoas… por isso achei importante aprofundar, pensar além de
“apenas” a críticas/humilhações físicas que acontecem (dentro e fora das redes
sociais, mas que as redes sociais vieram facilitar).
Se a questão está nas partilhas
que são feitas nas redes sociais? Provavelmente não, pelo menos não só. Está,
em parte, na forma como quem vê interpreta o que vê e em como isso atinge
inconscientemente o modo como se veem a si próprios, à forma inconsciente como
começam a questionar o seu eu, à forma inconsciente em como vão pondo em causa
se tudo o que são ou que estão a fazer é suficiente, à forma inconsciente em
como vão querendo a vida de outras pessoas, que não a delas. Seja isso em
termos físicos, seja por tudo o resto que veem no outro, que gostavam de ter e
que interiorizam que precisam de ter…
Por vezes, é possível, de forma
racional, perceber e pensar que nem tudo o que se vê e nos é apresentado nas
redes sociais é verdadeiro, pelo menos não totalmente verdadeiro… Mas, e quando
o racional fica de parte? Quando o inconsciente é mais forte do que o racional?
Entraram os medos, a baixa de autoestima, o aumento de dúvidas internas que já
existiam (mas que podiam estar adormecidas) e o aparecimento de outras que
nunca tinham sido ponderadas, mas que as redes sociais “fazem” com que seja
mais uma questão a pensar, mais uma dúvida que surge em relação à vida que se
está a ter. Se pensarmos com o nosso lado racional podemos conseguir
questionar: “Estará esta pessoal realmente feliz como parece estar? Será
realmente este corpo como mostra? Será esta vida tão ideal como parece?”. Mas,
o outro lado, o lado dos medos, das dúvidas, o lado inconsciente, também nos
faz questionar: “também devia fazer algo para mudar o meu corpo, porque é que o
meu corpo não é assim? Também devia ter um trabalho assim, porque é que não
tenho? Também devia conseguir ir viajar, porque é que não posso? Também devia
ter a família perfeita, porque é que não tenho? Também devia estar sempre
feliz, porque é que não estou? Também devia ter mais vida social, porque é que
não tenho?”. É tudo isto que leva a que a pessoa entre num ciclo de querer
atingir o que muitas vezes é inatingível, o que leva a uma frustração constante
e, por consequência, a um estado incontrolável de ansiedade.
Com tudo isto, com todas a
possíveis consequências negativas que a forma como vivemos as redes sociais nos
podem trazer, importa também pensar no impacto que tem nas crianças que cada
vez menos brincam (algo tão importante para a construção e desenvolvimento) e
que cada vez mais cedo ocupam o seu tempo nas redes sociais, a compararem-se
cada vez mais cedo com as figuras que aí veem e acabam por idolatrar e querer
copiar. E os adolescentes? Numa das mais importantes fases do desenvolvimento,
momento de construção da personalidade e que, cada vez mais, se comparam com
figuras pouco realistas, que colocam uma pressão ainda maior no que o outro diz
e no que o outro pensa, mais do que já seria natural nestas idades…
Por tudo o que foi possível aqui
deixar escrito, apesar de ser um tema que poderia ser estendido por páginas e
páginas de escrita, fica claro que é um assunto que todos nós deveríamos
“perder” algum tempo a pensar, tanto no impacto que tem para nós
individualmente, para os nossos familiares e amigos, mas também para o
desenvolvimento da sociedade em geral.
Todos nós temos o nosso tempo, o
nosso caminho, as nossas vivências e tudo isso é algo tão individual que não
deve ser comparado com o outro, devemos atingir os nossos objetivos porque são
nossos e não do outro, no nosso próprio tempo, construindo o nosso próprio
caminho.
Drª Rita Rana - Lisboa
O Canto da Psicologia