sexta-feira, 2 de julho de 2021

A Pandemia e a Adolescência perdida...

 


 

De acordo com estatísticas recentes do Health Behaviour in School-aged Children, feito em Portugal em 2021, estamos a assistir a um aumento gritante de casos de automutilação em que cerca 62% dos jovens inquiridos, referem terem assumido comportamentos de autoagressividade, principalmente, nas idades compreendidas entre os 13 e os 17anos, sendo que é mais predominante no sexo feminino. Verifica-se que desde 2019 que todas, estas perturbações, têm vindo a aumentar exponencialmente, a par com o inicio da pandemia, que já esta a caminho dos quase 2 anos.

Certamente que as faixas etárias que mais têm vindo a sofrer, psicologicamente, com a Pandemia, são os idosos e os adolescentes, uns por terem estado, ainda mais isolados e mergulhados na sua solidão e os outros, por terem perdido os primeiros passos da vida social, a necessidade de partilha e de ser aceite pelos pares.

A adolescência, é um período de desenvolvimento normal, em que surge o desejo e a vontade de estar, maioritariamente, com os amigos, de conviver, de experimentar, papeis sociais, de se encontrarem, de construírem e estabilizarem a sua personalidade.  Ora a Pandemia roubou esta oportunidade de evolução humana, aos jovens adolescentes, impossibilitou, as convivências sociais, criar laços de amizade e, mais importante, que tudo isto, de permitir a progressão da auto estima, necessária para se tornarem independentes, no pensamento e na identidade.

Os confinamentos foram vividos, por muitos adolescentes, como torturas autênticas, numa época em que se querem afirmar, para se tornarem mais autossuficientes e confirmarem a sua capacidade de autonomia, tal não foi possível de forma alguma. Queriam sair não tinham como, queriam estar com os amigos não era possível, a única possibilidade era estar em casa, com os pais, mas vendo bem e se, nos colocarmos nos sapatos dos nossos adolescentes, não é por mal, mas a última coisa que devem querer, é estar com os pais, ou a família, permanentemente, 24 sobre 24 horas.

Deste modo, os pais absorvidos em preocupações, ao observarem os filhos fechados nos quartos, todos os dias, ápticos, desinteressados, irritados e sem entusiasmo. Os mesmos pais que, com mais ou menos facilidade, de lidarem com o seu próprio luto, de verem que os filhos já não são mais os bebés de outrora, mas, também não são, adultos, a frustração instala-se e o mais comum, é embirrar com os filhos, tal como eles se zangam com os pais, multiplicam-se as chamadas de atenção: “- sai do quarto! Arruma isto! não faças assim! Porque estás com essa cara de mal disposto…? etc.”. Todas estas posturas parentais, entre outras, só vão criar, mais distanciamento emocional, entre os adolescentes e as suas figuras parentais, já não são crianças, estão a caminho de serem adultos. Como os pais vivenciam estas realidades, vai moldar a forma como os jovens vão continuar a construir a sua própria autoestima, eles sabem que os pais têm saudades de quando eles, eram bebés e não davam “problemas” agora respondem, são desagradáveis.

Contudo é preciso amar igualmente, esta fase dos nossos filhos, em que começam a querer se “separar” dos pais e se aproximarem dos amigos. Custa mais a uns pais, do que a outros, mas a criança/adolescente, já não quer só estar com os pais, já não os idealiza, como antigamente, não são os heróis máximos, mas continuam a amar os seus pais.

No entanto, por conta da necessidade de afirmação, mais agressiva ou menos, procuram esta independência. Se sentirem que tem de provar mais, que tem de ser perfeitos, para que os pais se orgulhem deles, então o sofrimento psicológico instalasse, a auto estima, fica ferida e a única forma de acalmar a ansiedade avassaladora, são os cortes, que existem, de verdade, na alma, mas parecem que, momentaneamente, ganham vida naquela marca e a dor deixa de ser invisível, o que parece acalmar, temporariamente. São jovens com incapacidade de regularem emoções, de aceitarem a sua vulnerabilidade, como normal e saudável, é natural sentir as emoções e não abafa-las, não se deve educar os filhos para ignorarem o que estão a sentir, de forma a serem “perfeitos”, a melhor forma de ajudar os adolescentes, é os pais serem o exemplo, na procura de sentirem e aceitarem a sua própria, humanidade e fragilidade.

Além de todos estes fatores familiares e, também, a par com a pandemia, o mundo tecnológico acaba por favorecer a solidão, a falta de contacto com os próximos, de interagir de face a face, de criar laços afetivos mais profundos, o sentimento que é compreendido, sem ser julgado, que se é amado incondicionalmente.

Deste modo vamos tentar compreender melhor os nossos adolescentes e ouvi-los, com ouvidos atentos e deixa-los crescer a um ritmo que é possível, sempre com esperança que conseguem lá chegar e que não precisam de atingir nada, mas podem existir, no agora e desfrutarem das pequenas e simples coisas da vida.

 

Dra. Mafalda Leite Borges - Alcochete

Canto da Psicologia


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