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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Winnicott e o Brincar: Confinamento – Com o fim na mente

 


Esta semana comemora-se o 50º aniversário da morte de Donald Winnicott, que faleceu a 25 de Janeiro de 1971. No mesmo ano foi publicada uma das suas mais importantes obras: “O Brincar e a Realidade”. Numa época em que a circunstância da nossa realidade “não está para brincadeiras” não será mais importante do que nunca a nossa capacidade para brincar? Mas comecemos por saber quem é Winnicott.

            Donald Woods Winnicott nasceu a 7 de Abril de 1896 em Plymouth, Devon, Inglaterra e foi um pediatra e psicanalista de crianças e adultos. As suas contribuições para a compreensão do desenvolvimento da criança são conhecidas internacionalmente desde os anos 60, quando foi publicado o seu livro “A criança e o seu mundo”. Colocou um grande ênfase no contexto em que o bebé cresce: o impacto do ambiente na vida interna e nos estados emocionais do bebé, a importância da relação precoce mãe-bebé. Revolucionou o modo de se olhar para o bebé e para o desenvolvimento humano e o seu contributo para a psicanálise é enorme, mas gostaria aqui hoje de me debruçar essencialmente sobre um dos temas que desenvolveu, o Brincar.


            Muito se tem falado sobre o brincar, a importância do brincar para o desenvolvimento infantil mas creio nunca ser demais pensarmos sobre o que é isto de brincar, na criança mas também no adulto. Na verdade, e para ser mais precisa, Winnicott não falava do brincar mas do “brincando” (playing, em Inglês), que em português não soa tão bem mas reflecte a ideia de continuidade. Citando o próprio, “o brincar (playing) é uma experiência, sempre uma experiência criativa, e é uma experiência no continuum espaço-tempo, uma forma básica de vida” (Winnicott, 1971d, p. 50).

            A capacidade para brincar existe desde sempre. O bebé brinca quando faz bábábábá continuamente, brinca-se ao está aqui - já não está, desde muito cedo. Para a criança, o brincar é fulcral pois é assim que experimenta o mundo, porque para as crianças, agir, pensar e fantasiar, não sendo a mesma coisa, são inseparáveis. Winnicott mostrou como o brincar, na verdade, surge da capacidade de experimentar a ilusão: o “faz de conta” ou até “às escondidas”, onde a capacidade criativa de jogar com aquilo que não é, ou não está, se torna possível. Do mesmo modo podemos pensar se a brincadeira exige, ou não, reciprocidade. Sim, exige, no sentido em que é o prazer de brincar com o outro que vai dar lugar ao prazer de brincar sozinho. Sim, porque eu só consigo brincar sozinho porque sei que existe um outro com quem poderei brincar. É como se precisássemos de aprender a brincar com outro para podermos brincar depois sozinhos. E esta “aprendizagem” através do brincar dá lugar ao sentir, ao sonhar e reflectir, tão importantes para a vida.

            Penso nestas ideias e nestes conceitos e como eles parecem assentar que nem uma luva naquilo que estamos a viver com esta pandemia! Penso como se torna de facto importante “brincarmos” hoje em dia e nesta circunstância. Como é a nossa capacidade criativa, a nossa capacidade de sonhar, a nossa capacidade para estar só, que nos permite viver estes tempos com (mais ou menos) tranquilidade.

            E foi assim que me surgiu este título Confinamento – com o fim na mente, um jogo de palavras, uma forma de poder brincar com aquilo que se está a passar. Esperemos que este confinamento chegue ao fim depressa (creio estar na mente de cada um de nós!), para podermos voltar a conviver, a partilhar frente a frente. Confinar não significa forçosamente isolar, isolarmo-nos, ainda que nos possamos sentir sozinhos, sem a tal possibilidade de partilhar do modo que sabemos e gostamos, porque existindo a possibilidade de sonhar, criar, brincar, torna-se possível saber que não vai ser sempre assim.





quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A mãe, o pai e o bebé...

 


A parentalidade surge em vários contextos e sobre diferentes modalidades, sendo transversalmente o processo pelo qual os pais passam para se tornarem pais (essencialmente falamos da reestruturação, tanto em termos sociais, como afetivos, que permite aos pais poderem estar disponíveis para responder às diferentes necessidades dos seus bebés). Apesar de ao longo dos últimos tempos tanto os papeis materno, como paterno, se terem vindo a alterar e modificar, a função familiar mantém-se a mesma. É na família central e nuclear que se permite que os bebés se desenvolvem intelectual, afetiva e socialmente. É para isto necessário, existir uma “casa interna”, poder e conseguir ser contentor, um meio que facilitador e que é uma base segura para o bebé. No fundo, todo este processo acarreta um conjunto enorme de desafios, aprendizagens, medos, inseguranças, momentos de alegria e felicidade. É uma transição que poderá ter um forte impacto psicológico.

São 9 meses de descobertas, de fantasias, de idealizações, de medos, de inseguranças, de crescimento… é um caminho que se percorre com a expectativa do nascimento muito presente, o momento em que se vai conhecer, na realidade, o bebé.

Mães e pais vivem estes 9 meses de forma diferente. Enquanto as mães são naturalmente foco de maior atenção, pelas evidentes transformações hormonais, físicas, psicológicas a que vão sendo sujeitas pelo processo natural da gravidez, não nos podemos esquecer da importância determinante que os pais têm durante todo este caminho.

            Se este processo já traz consigo, inerentemente, um conjunto de medos, por vezes, inimagináveis, onde fica o espaço para a vivência deste processo em alturas como esta?

            As restrições impostas pela situação que vivemos actualmente têm condicionado, de inúmeras formas, a vivência familiar da gravidez. Tem-se visto e ouvido imensamente falar da importância da saúde mental das grávidas (sendo este um assunto pré-pandemia já de extrema importância mas, infelizmente, nem sempre considerado –tendemos a assumir que a gravidez é sempre feita de arco-íris e unicórnios), da importância de diminuir os níveis de stress e de ansiedade derivados das várias alterações no processo de acompanhamento da gravidez e do necessário distanciamento físico e social que a atualidade nos impõe e que conduz a que a grávida ou pré-mamã fique também mais só. O acompanhamento às consultas ficou mais condicionado, a presença do pai passa a ser impedida nas ecografias, nas consultas de acompanhamento e até no nascimento!

            Como podem os recém – papás integrar mais um desafio? Quais os impactos que estas alterações acarretam em termos de saúde mental (da mãe, do bebé e do pai!)? Como aceitar esta realidade que impede o normal enamoramento e nascimento da triangulação?

Ainda é muito cedo para de uma maneira concreta e estatisticamente consistente poder, a partir de estudos, ter ideia do impacto de um tempo como este no nascimento de um casal parental e, sobretudo, no universo mental de um bebé. Resta-nos o amor! E esta capacidade infinita de amar que consegue proporcionar a um recém nascido as condições ideais para se "fazer gente"...

Entretanto, vamos, enquanto O Canto da Psicologia, estando sempre por aqui se assim for necessário.


Drª Inês Lamares - Alcochete/Lisboa

O Canto da Psicologia




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A delicada arte de amar...



O amor é delicado. Envolve respeito, atenção, cuidado, escuta, relação.


Em véspera do dia dos namorados, nada mais presente à nossa volta do que imagens e anúncios alusivos ao amor. Contudo, amor e enamoramento revestem-se não só de imagens e palavras, mas sobretudo do sentir e do estar (dentro de nós, dentro do outro).
A procura de um outro, seja numa relação de amor romântico ou de um outro tipo, faz parte da natureza humana. Ainda antes do nascimento, na relação diádica entre mãe e bebé, a dependência face ao outro, é rampa de lançamento para o vínculo afetivo.
Amar é, situar-se num lugar um pouco estranho, de alguma vulnerabilidade até, permitindo-se estar “ao cuidado de alguém”, ou melhor dizendo em comunhão com alguém, criando-se um espaço de intimidade (psíquica).

Sabemos hoje que as relações amorosas adultas são o palco das experiências relacionais da infância (Rusczynski, 2006). No entanto, os atores nelas envolvidos (o casal romântico), tem a possibilidade de criar na relação algo de novo, que seja complementar para cada um. Deste modo, e como refere Freud (1910) “É absolutamente normal e inevitável que a criança faça dos pais o objeto de primeira escolha amorosa. Porém, a líbido não permanece fixa neste primeiro objeto: posteriormente apenas o tomará como modelo, passando dele para outras pessoas estranhas (…).”. Falamos então de amor adulto quando se está perante uma relação madura, promotora de mudança (no self) e que simultaneamente responda às exigências atuais do amor adulto (Mesquita, 2010), onde se pode estabelecer uma relação complementar e não apenas para se sentir completo - estar com o outro para criar. No fundo somos todos seres desejantes de amor, como nos fala Coimbra de Matos (2004): “Quem procura o amor sempre o encontra, não fôramos todos seres disso desejantes. Desde que, à cabeça sejamos amadores; que o amor não se compra, nem se agradece, mas retribui-se. Quem ama sempre acabará por ser amado – desde que não desespere ou converta a falta e frustração em ódio e raiva.”

Importa então assinalar que o amor (amar alguém) inclui desejos e fantasias inconscientes associadas à infância, o que faz também deste sentimento algo único e idiossincrático, pois depende sempre do que cada pessoa “necessita”, e naturalmente procura no outro.
Amar é, confiar no outro, sendo que este sentir é aperfeiçoado quanto mais seguros na relação nos é permitido estar. É para isso novamente importante referir a noção de amor infantil. O lugar do amor do outro dentro de nós, ou seja, é essencial que ao longo do desenvolvimento do sujeito se crie uma constância (interna) do amor que outro (mãe, cuidador/a) tem em relação ao bebé/criança. Por outras palavras, numa fase inicial do nosso desenvolvimento é fundamental que aquele que cuida possa ter um comportamento previsível e dedicado, para que a segurança se instale. Progressivamente, este estado de segurança interna possibilita que o outro possa existir, mesmo quando ausente, o que leva a que, por exemplo, mãe e bebé se possam separar sem que este fique angustiado.

Nas relações amorosas adultas acontece algo semelhante. Numa fase inicial, a que podemos chamar de enamoramento/sedução, há que criar um espaço seguro, de intimidade, onde dois sujeitos (a díade) se conhecem e criam uma linguagem própria. Portanto a dança acontece, o movimento dos corpos (comunicação) é sintonizado, e o compasso e ritmo vão sendo pautados pela música que cada um traz para a relação.
Bom, retomando a premissa inicial, repito – o amor é delicado, e, fazendo minhas as palavras de Isabel Mesquita (2010), “Hoje digo que se eu escrever, um dia, um livro sobre o amor, terá 100 páginas, 99 das quais em branco e na última apenas escreverei: a grande vantagem do Amor é que pouco se sabe falar sobre ele e, como tal, andamos sempre dele à procura!”.






quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Estou com dor de barriga....







Sentimos emoções todos os dias, umas vezes mais através do corpo, outras, através da mente. Temos dores de barriga quando nos sentimos nervosos ou ansiosos, às vezes perante uma tarefa difícil de realizar, um teste, uma avaliação no trabalho. Sentimos dificuldade em respirar quando perante uma notícia grave ou chocante para nós nos parece faltar o ar. Podemos ter dores de cabeça fortes na manhã em que vamos trabalhar – não nos apetece ir, podemos recear estar prestes a ser despedidos ou quem sabe, sermos nós quem vai ter de despedir alguém. Às vezes, quando estamos apaixonados, sentimos borboletas na barriga e perdemos o sono e o apetite. Corpo e mente são, como defende Patrícia Câmara (2019), psicóloga e Vice Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática,  indissociáveis e, por isso, pensá-los de forma separada pode ter uma função redutora e limitativa quando se pensa no ser humano enquanto pessoa que se relaciona consigo própria e com o mundo envolvente. Quando, por outro lado, pensamos a pessoa e a sua relação com o exterior integrando estas duas componentes – mente (psykhé) e corpo (soma) – estamos a pensar de forma integrada e psicossomática.

Na primeira etapa da nossa vida, que é a infância, Cohen e Marcelli (2006), ambos pedopsiquiatras, consideram que não há nada de mais psicossomático do que um bebé. O corpo ocupa um lugar de destaque no complexo campo das interações com o mundo externo, em que as várias funções fisiológicas (alimentação, tónus estático e dinâmico, eliminação esfincteriana) servem de base para a comunicação com o externo, o qual por sua vez terá o papel de “mentalizar” esse comportamento, através das capacidades de compreensão e antecipação da mãe.

 Para Winnicott (1960), pediatra e psicanalista, esta mentalização faz-se não só através da satisfação de necessidades fisiológicas, como também através do “agarrar/pegar” fisicamente o bebé, tendo em conta não só a sensibilidade da sua pele (ao toque, à temperatura, à gravidade) como o facto de que, para o bebé, nada mais existe ainda para além dele próprio numa relação pouco diferenciada com a sua mãe. As necessidades do bebé, apesar de manifestas fisiologicamente através do corpo, são também psíquicas, não podendo ser satisfeitas de forma mecanizada, implicando uma genuína empatia por parte da mãe.

Quando existem, por outro lado, falhas na relação de cuidado materno-devido à existência de uma depressão pós parto prolongada, uma situação de luto ou crise na família, por exemplo, o sentimento do bebé enquanto ser coeso e seguro do ponto de vista identitário  pode, nesta fase de construção, ser posto em causa. É a falência do continente materno, ou seja, do aparelho psíquico da mãe que, segundo Coimbra de Matos (2003), psiquiatra e psicanalista, impede o bebé de desenvolver a capacidade de leitura dos próprios afetos e interações, o que condiciona o desenvolvimento emocional e simbólico. É neste condicionamento que se adoece psiquicamente, em que o rasto somático é o único registo de uma experiência frustrante ou de privação afetiva (Coimbra de Matos, 2003). Como se só o corpo pudesse sentir.

Nas crianças e sobretudo nos bebés, o sintoma psicossomático assume um lugar privilegiado no sistema de interação mãe/filho, devendo ser considerado nessa perspetiva. Dominada com frequência pelas perturbações do sono e alimentares, mas também pelas perturbações da pele (eczemas), a expressão somática na primeira infância pode contudo ser muito diversificada, devendo ser analisada quanto à sua localização, extensão, importância, entre outros fatores.  A perturbação do sono no primeiro semestre, por exemplo, poderá estar relacionada com atitudes maternas inconscientes contraditórias, conduzindo à emissão de mensagens opostas por parte da mãe ou a uma dificuldade no ajustamento da distância afectiva entre ela própria e o bebé, podendo oscilar entre aproximações  fusionais e afastamentos bruscos. A ocorrência de uma depressão materna durante a gravidez poderá, também, estar na origem destas perturbações, uma vez que limita as capacidades maternas de escuta das necessidades do bebé, perturbando o seu sono (Mazet et Stoleru, 2003). A alimentação, por estar no centro da relação mãe/criança, quando perturbada - através do vómito ou anorexia do segundo semestre, por exemplo - pode apontar para dificuldades na satisfação da necessidade primária de ligação do bebé à mãe ou para dificuldades da mãe em relação ao investimento no seu bebé (Mazet et Stoleru, 2003).

Seja qual for a perturbação de expressão psicossomática, ela parece ser, antes de tudo, o reflexo de conflitos intrapsíquicos dos pais, sendo importante, além de uma atenta observação da relação pais/bebé ou mãe/bebé, escutá-los com atenção e disponibilidade. A história de vida da mãe, em particular, e a forma como percepcionou e vivenciou os laços afectivos com a sua própria mãe e com o seu pai são dados fundamentais na compreensão das expressões somáticas no bebé. A sua resolução depende muitas vezes de um processo psicoterapêutico da mãe, do pai, ou de ambos.