Sentimos emoções todos os dias,
umas vezes mais através do corpo, outras, através da mente. Temos dores de
barriga quando nos sentimos nervosos ou ansiosos, às vezes perante uma tarefa
difícil de realizar, um teste, uma avaliação no trabalho. Sentimos dificuldade
em respirar quando perante uma notícia grave ou chocante para nós nos parece
faltar o ar. Podemos ter dores de cabeça fortes na manhã em que vamos trabalhar
– não nos apetece ir, podemos recear estar prestes a ser despedidos ou quem
sabe, sermos nós quem vai ter de despedir alguém. Às vezes, quando estamos
apaixonados, sentimos borboletas na barriga e perdemos o sono e o apetite. Corpo
e mente são, como defende Patrícia Câmara (2019), psicóloga e Vice Presidente
da Sociedade Portuguesa de Psicossomática, indissociáveis e, por isso, pensá-los de forma
separada pode ter uma função redutora e limitativa quando se pensa no ser
humano enquanto pessoa que se relaciona consigo própria e com o mundo
envolvente. Quando, por outro lado, pensamos a pessoa e a sua relação com o
exterior integrando estas duas componentes – mente (psykhé) e corpo (soma) –
estamos a pensar de forma integrada e psicossomática.
Na primeira etapa da nossa
vida, que é a infância, Cohen e Marcelli (2006), ambos pedopsiquiatras, consideram
que não há nada de mais psicossomático do que um bebé. O corpo ocupa um lugar
de destaque no complexo campo das interações com o mundo externo, em que as
várias funções fisiológicas (alimentação, tónus estático e dinâmico, eliminação
esfincteriana) servem de base para a comunicação com o externo, o qual por sua
vez terá o papel de “mentalizar” esse comportamento, através das capacidades de
compreensão e antecipação da mãe.
Para Winnicott (1960), pediatra e
psicanalista, esta mentalização faz-se não só através da satisfação de
necessidades fisiológicas, como também através do “agarrar/pegar” fisicamente o
bebé, tendo em conta não só a sensibilidade da sua pele (ao toque, à
temperatura, à gravidade) como o facto de que, para o bebé, nada mais existe
ainda para além dele próprio numa relação pouco diferenciada com a sua mãe. As
necessidades do bebé, apesar de manifestas fisiologicamente através do corpo, são
também psíquicas, não podendo ser satisfeitas de forma mecanizada, implicando
uma genuína empatia por parte da mãe.
Quando existem, por outro lado,
falhas na relação de cuidado materno-devido à existência de uma depressão pós parto prolongada, uma situação de luto ou crise na família, por exemplo, o sentimento do bebé enquanto ser coeso e seguro do ponto de vista identitário pode, nesta fase de construção, ser posto em
causa. É a falência do continente materno, ou seja, do aparelho psíquico da mãe
que, segundo Coimbra de Matos (2003), psiquiatra e psicanalista, impede o bebé
de desenvolver a capacidade de leitura dos próprios afetos e interações, o que
condiciona o desenvolvimento emocional e simbólico. É neste condicionamento que
se adoece psiquicamente, em que o rasto somático é o único registo de uma
experiência frustrante ou de privação afetiva (Coimbra de Matos, 2003). Como se
só o corpo pudesse sentir.
Nas crianças e sobretudo nos
bebés, o sintoma psicossomático assume um lugar privilegiado no sistema de
interação mãe/filho, devendo ser considerado nessa perspetiva. Dominada com
frequência pelas perturbações do sono e alimentares, mas também pelas perturbações
da pele (eczemas), a expressão somática na primeira infância pode contudo ser
muito diversificada, devendo ser analisada quanto à sua localização, extensão,
importância, entre outros fatores. A
perturbação do sono no primeiro semestre, por exemplo, poderá estar relacionada
com atitudes maternas inconscientes contraditórias, conduzindo à emissão de
mensagens opostas por parte da mãe ou a uma dificuldade no ajustamento da
distância afectiva entre ela própria e o bebé, podendo oscilar entre
aproximações fusionais e afastamentos
bruscos. A ocorrência de uma depressão materna durante a gravidez poderá, também,
estar na origem destas perturbações, uma vez que limita as capacidades maternas
de escuta das necessidades do bebé, perturbando o seu sono (Mazet et Stoleru,
2003). A alimentação, por estar no centro da relação mãe/criança, quando
perturbada - através do vómito ou anorexia do segundo semestre, por exemplo - pode
apontar para dificuldades na satisfação da necessidade primária de ligação do bebé à mãe ou para dificuldades da mãe em relação ao investimento no seu bebé
(Mazet et Stoleru, 2003).
Seja qual for a perturbação de
expressão psicossomática, ela parece ser, antes de tudo, o reflexo de conflitos
intrapsíquicos dos pais, sendo importante, além de uma atenta observação da
relação pais/bebé ou mãe/bebé, escutá-los com atenção e disponibilidade. A
história de vida da mãe, em particular, e a forma como percepcionou e vivenciou
os laços afectivos com a sua própria mãe e com o seu pai são dados fundamentais
na compreensão das expressões somáticas no bebé. A sua resolução depende muitas
vezes de um processo psicoterapêutico da mãe, do pai, ou de ambos.