Há uns tempos, ao regressar a
casa do trabalho, ouvi na rádio uma entrevista que me fez refletir sobre como escolhemos uma profissão, ou muitas
vezes, como somos escolhidos por ela, mediante as nossas vivências. Era uma
entrevista ao escritor João Tordo, formado em
filosofia, jornalista, guionista e autor de 13 romances publicados aos 44 anos
de idade.
O que me chamou a atenção foi
tanto o curto resumo que fez da sua primeira infância, que descreveu como não
tendo sido “um lugar particularmente harmonioso”; como a gaguez, que o
acompanhou desde criança e que, segundo ele, o ajudou a ser o que é hoje. Os caminhos mentais que tinha de percorrer para tentar evitar determinada palavra
que poderia desencadear um episódio de gaguez, as narrativas alternativas que
construía e o vocabulário que ia descobrindo neste processo, foram, segundo
o Autor, uma tentativa de ordenar o caos de um “miúdo perdido” através de uma
forma de expressão.
O sintoma tem de ser sempre
entendido na história pessoal e contexto de cada pessoa. Como tal, o meu interesse não é analisar a
gaguez do João Tordo, até porque não teria legitimidade para isso.
O que me pareceu fascinante é a forma como descreve um aprender a viver com o seu sintoma e até colocá-lo ao serviço de uma paixão, e ulteriormente de uma
profissão. Freud diria, a propósito deste tema, no texto O Mal-Estar na
Civilização (1930), que a atividade profissional proporciona uma satisfação
particular quando é escolhida livremente, de modo a possibilitar o uso
por sublimação das pulsões não recalcadas. A
sublimação será sempre uma história singular, de um sintoma particular e de
pulsões que se conseguem ligar a atividades socialmente valorizadas, por
vezes logo desde a infância, como se vê neste caso.
Do relato do autor é possível perceber que
inventar histórias e palavras novas permitiu-lhe reduzir o mal-estar associado
à gaguez (ele fala de vergonha em relação aos pares) e trouxe-lhe também um
benefício secundário, oferecendo-lhe as ferramentas para escrever. Parece-me
igualmente notável o entusiasmo com que relata o seu primeiro encontro com a
leitura e os romances, como género literário, como se esta peça encaixasse na
perfeição naquela que era a sua solução criativa e singular para este
sintoma.
Por vezes, é difícil encontrar uma solução mais ou menos harmoniosa que nos permita seguir o nosso caminho, ou o sofrimento que o sintoma traz é demasiado esmagador e paralisante para procurar uma saída
sozinho, e nesses momentos é fundamental pedir ajuda.
O trabalho psicoterapêutico
oferece um espaço seguro e uma relação na qual se pode encontrar apoiar para
descobrir as suas próprias respostas e soluções, construir sublimações e assim,
como dizia o escritor João Tordo, ordenar o caos.
Psicologia à parte, resta-me esperar pelo seu
novo livro que, a avaliar pelo título, promete ser muito interessante: “Manual
de sobrevivência de um Escritor”.