Em
tempos como estes, em que temos regras sobre como podemos estar e interagir
é-nos solicitado, a todos, que nos readaptemos a uma realidade que já vai sendo
mais conhecida, mas que continua a ser, creio eu, estranha.
No
início parecia mais fácil esterilizar, desinfectar, limpar onde tocamos, por
onde passamos, talvez por momentos até tenhamos esterilizado o que sentíamos e
o que pensávamos, tendo pouco espaço para fazer mais do que aquilo que
sentíamos efectivamente necessário e urgente no momento.
Cada
vez mais fala-se no retomar a uma nova normalidade, uma nova normalidade
necessária, pelo menos no que diz respeito à economia. Quando mais oiço falar
na necessidade de retomar, de voltar a fazer as coisas que sempre fizemos, fico
eu própria com uma sensação de ambivalência que me faz parar e pensar… claro
que precisamos todos que as coisas vão voltando ao normal, que os pais
regressem ao trabalho, que as crianças voltem às creches e às escolas, que
tanto adultos como crianças possam voltar a praticar as suas actividades e que
voltem aos seus locais de saúde, refiro-me claro aos consultórios onde são
acompanhadas, nas suas diversas modalidades.
Mas
como isolamos o contacto com uma criança? Como esterilizamos a necessidade do
afecto, do abraço, do toque… como esterilizamos o brincar? Como podemos fazer
lutas entre cowboys e soldados? Como podemos construir sem partilhar? Será
possível esterilizar esta parte? Automaticamente quando penso nisto, penso em
crianças e adultos ansiosos, deprimidos, doentes até! E fica em mim um grito
surdo “o que a mente cala o corpo fala”, famosa frase de António Coimbra
de Matos.
Como
contemos uma criança seja no consultório, seja na escola, sem lhe podermos
tocar? Sem elas poderem olhar e ver a nossa expressão (escondida por detrás de
uma máscara)?
Falo
de crianças dado os óbvios obstáculos em termos de desenvolvimento, mas penso
também nos adultos, no fundo, penso em todos nós… como podemos integrar a nossa
experiência, estruturar o nosso eu, organizar as nossas relações interiormente,
elaborar as coisas que sentimos e pensamos sem a possibilidade da contenção de
um abraço? No fundo, na ausência da experiência do afecto.
Onde,
dentro de nós, colocamos o “temos de estar isolados” ou “precisamos de uma
distância de segurança para existir” ou até a impossibilidade do “vem cá que eu
dou-te um abraço ou um beijinho…”
Será
que este retomar à “nova” normalidade está a ter em atenção a nossa saúde
mental?
Como
é que na escola gerem, no caso dos mais pequenos, as distâncias de segurança? O
não poderem tocar-se para brincar? O não poder dar um beijinho ou um abraço
quando alguém se aleija?
Penso
em todas as crianças (e adultos) que acompanho e que tenho vindo a acompanhar
em modalidade on-line, penso no voltar ao consultório, de máscara, talvez com
algumas fantasias que não são, certamente, terapêuticas (será que aquela
criança ou adulto está seguro ali? Será que eu própria estou segura?), penso na
criança que corre e que procura o toque, o abraço, o beijinho, que quer por o
tapete e ir brincar e rebolar no chão, fantasiar, lutar, co-construir e que eu
não vou, certamente, negar…
Não
será mais seguro, mais tranquilo, mais contentor, mais potenciador de
crescimento e de desenvolvimento, nesta fase, em vez de agir sobre a urgência
do retomar à tal nova normalidade, podermos em conjunto e passo a passo,
construir uma realidade diferente por mais uns tempos em que se pode lutar,
brincar, conversar, rebolar, mesmo que através de dois ecrãs (on-line)?
Os
afectos não podem ser esterilizados e o brincar também não!
Drª Inês Lamares - Alcochete
O Canto da Psicologia
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