Vivemos o
primeiro período típico de férias de Verão dos portugueses em modo de pandemia…
Uma experiência que tende a ser sentida como muito estranha, uma vez que não
temos recordação, nas nossas vidas, de uma outra época de pandemia que pudesse
nos orientar nas nossas escolhas quotidianas.
Fala-se
muito de uma «nova realidade», expressão esta que já começa a estar banalizada
neste período que vivemos, mas que, ainda assim, pode ser muito enganadora, uma
vez que até pode parecer, ilusoriamente, que existe uma clivagem face a uma
suposta «antiga realidade», como se não ocorressem semelhanças algumas entre
este Verão com pandemia e, por exemplo, o Verão passado, sem pandemia. De facto,
há uma continuidade da existência da Humanidade, mas com evidentes diferenças e
semelhanças, entre as suas várias épocas. O Verão continua a ser Verão, as
praias continuam a ser praias, as pessoas continuam a ser pessoas… por outro
lado, a pandemia apela a mudanças drásticas na forma como nos relacionamos uns
com os outros, com todas as preocupações inerentes e os naturais e desejáveis
cuidados para todos.
Nesta época,
será importante reconhecer que vivemos um Verão em que para além do habitual
desejo de descanso e tranquilidade ocorre, simultaneamente, uma tendência para
se sentir um maior medo e ansiedade decorrente da pandemia e dos seus eventuais
efeitos debilitantes e até irrecuperáveis na saúde, economia e nas relações interpessoais, desde logo nas mais significativas, como as familiares,
românticas e de amizade.
Por
conseguinte, neste período de férias mais complexo e, por isso, mais difícil de
compreender e viver, a falta de sentido na vida pode ser intensificada. De
facto, o sentido na vida não reside na mera sobrevivência, porque tal não é,
por si só, um autêntico viver humano, mas este tempo tão marcado pelo tema
colectivo do Covid-19, pode conduzir muitas pessoas a ficarem num estado,
curiosamente, semelhante ao do vírus, ou seja, sem acesso a uma experiência de
real vida, a um «para quê» existir, através de sonhos e aspirações integrados em conscientes projectos existenciais.
É, para
muitos portugueses, um tempo de férias com várias particularidades invulgares,
sem dúvida, mas, é importante notar que os especialistas têm vaticinado que o
Covid-19 continuará por cá após o Verão e, eventualmente, durante muito tempo.
Deste modo, será necessário encontrar um renovado sentido na vida face a estas persistentes
circunstâncias existenciais, evitando essa outra via de «contágio» do vírus pelo
modo aquém de uma verdadeira experiência de vida humana.
Neste
sentido, como provavelmente diria hoje Viktor Frankl (1905-1997) se ainda
estivesse vivo – conceituado e influente psicoterapeuta que muito se dedicou à compreensão
da dimensão humana do sentido na vida – será especialmente importante que nos
serviços de psicologia clínica e de psicoterapia, os profissionais da relação
terapêutica estejam particularmente atentos ao fenómeno do vácuo existencial
ou, em outras palavras, do vazio interior pela dolorosa e profunda falta de
sentido na vida. Frankl esclareceu que o vácuo existencial se manifesta
sobretudo pelo tédio. Ora, dadas as muitas limitações às experiências e relações humanas, necessárias para prevenir novos contágios de Covid-19, as férias típicas
deste Verão podem estimular, nas vidas dos portugueses, uma extraordinária epidemia
de tédio, de maior vazio existencial, até porque não se prevê que tais medidas restritivas
cessem em breve. Não se vê ainda claramente “uma luz ao fundo do túnel” do
tédio e isso pode intensificar o próprio fenómeno do vazio existencial, dada a associada
pouca esperança. Neste momento, face ao Covid-19, parece que a expectativa
geral de se poder ter em breve uma vacina eficaz e/ou de adequados tratamentos de
cura ainda estará pouco consistente – apesar de algumas recentes boas notícias
– porque é necessário «ver para crer» face a tantas informações e
contra-informações que as pessoas têm recebido sobre quase tudo o que se
relaciona com esse vírus, desde o início da pandemia. Neste enquadramento, esperemos
que o vácuo existencial não se dissemine com tanta facilidade como o Covid-19
tem, infelizmente, conseguido; seja como for, podemos confiar que os
profissionais de saúde mental continuarão na linha da frente a ajudar as pessoas
a (re)encontrar um sentido na vida.
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