quinta-feira, 23 de julho de 2020

Férias co(m) vid(a) ...





Vivemos o primeiro período típico de férias de Verão dos portugueses em modo de pandemia… Uma experiência que tende a ser sentida como muito estranha, uma vez que não temos recordação, nas nossas vidas, de uma outra época de pandemia que pudesse nos orientar nas nossas escolhas quotidianas.

Fala-se muito de uma «nova realidade», expressão esta que já começa a estar banalizada neste período que vivemos, mas que, ainda assim, pode ser muito enganadora, uma vez que até pode parecer, ilusoriamente, que existe uma clivagem face a uma suposta «antiga realidade», como se não ocorressem semelhanças algumas entre este Verão com pandemia e, por exemplo, o Verão passado, sem pandemia. De facto, há uma continuidade da existência da Humanidade, mas com evidentes diferenças e semelhanças, entre as suas várias épocas. O Verão continua a ser Verão, as praias continuam a ser praias, as pessoas continuam a ser pessoas… por outro lado, a pandemia apela a mudanças drásticas na forma como nos relacionamos uns com os outros, com todas as preocupações inerentes e os naturais e desejáveis cuidados para todos.

Nesta época, será importante reconhecer que vivemos um Verão em que para além do habitual desejo de descanso e tranquilidade ocorre, simultaneamente, uma tendência para se sentir um maior medo e ansiedade decorrente da pandemia e dos seus eventuais efeitos debilitantes e até irrecuperáveis na saúde, economia e nas relações interpessoais, desde logo nas mais significativas, como as familiares, românticas e de amizade.   

Por conseguinte, neste período de férias mais complexo e, por isso, mais difícil de compreender e viver, a falta de sentido na vida pode ser intensificada. De facto, o sentido na vida não reside na mera sobrevivência, porque tal não é, por si só, um autêntico viver humano, mas este tempo tão marcado pelo tema colectivo do Covid-19, pode conduzir muitas pessoas a ficarem num estado, curiosamente, semelhante ao do vírus, ou seja, sem acesso a uma experiência de real vida, a um «para quê» existir, através de sonhos e aspirações integrados em conscientes projectos existenciais.

É, para muitos portugueses, um tempo de férias com várias particularidades invulgares, sem dúvida, mas, é importante notar que os especialistas têm vaticinado que o Covid-19 continuará por cá após o Verão e, eventualmente, durante muito tempo. Deste modo, será necessário encontrar um renovado sentido na vida face a estas persistentes circunstâncias existenciais, evitando essa outra via de «contágio» do vírus pelo modo aquém de uma verdadeira experiência de vida humana.  

Neste sentido, como provavelmente diria hoje Viktor Frankl (1905-1997) se ainda estivesse vivo – conceituado e influente psicoterapeuta que muito se dedicou à compreensão da dimensão humana do sentido na vida – será especialmente importante que nos serviços de psicologia clínica e de psicoterapia, os profissionais da relação terapêutica estejam particularmente atentos ao fenómeno do vácuo existencial ou, em outras palavras, do vazio interior pela dolorosa e profunda falta de sentido na vida. Frankl esclareceu que o vácuo existencial se manifesta sobretudo pelo tédio. Ora, dadas as muitas limitações às experiências e relações humanas, necessárias para prevenir novos contágios de Covid-19, as férias típicas deste Verão podem estimular, nas vidas dos portugueses, uma extraordinária epidemia de tédio, de maior vazio existencial, até porque não se prevê que tais medidas restritivas cessem em breve. Não se vê ainda claramente “uma luz ao fundo do túnel” do tédio e isso pode intensificar o próprio fenómeno do vazio existencial, dada a associada pouca esperança. Neste momento, face ao Covid-19, parece que a expectativa geral de se poder ter em breve uma vacina eficaz e/ou de adequados tratamentos de cura ainda estará pouco consistente – apesar de algumas recentes boas notícias – porque é necessário «ver para crer» face a tantas informações e contra-informações que as pessoas têm recebido sobre quase tudo o que se relaciona com esse vírus, desde o início da pandemia. Neste enquadramento, esperemos que o vácuo existencial não se dissemine com tanta facilidade como o Covid-19 tem, infelizmente, conseguido; seja como for, podemos confiar que os profissionais de saúde mental continuarão na linha da frente a ajudar as pessoas a (re)encontrar um sentido na vida.  






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