quinta-feira, 19 de março de 2020

A pandemia Covid-19 Como o ser Humano reage perante a crise? Quais as possíveis consequências a nível psicológico?





Como psicóloga só posso comentar e avaliar do ponto de vista psicológico e comportamental, de como o ser humano, tendencialmente, reage perante quadros de emergência ou crise geral. Assistimos a tempos desafiantes, um estado de emergência quase mundial, devido a um vírus Covid-19, pouco estudado, embora existam cientistas a debruçarem-se sobre esta área de investigação, sim o vírus, irá ser devidamente avaliado, controlado por vacina, é só uma questão de tempo e tudo vai ficar resolvido.
Contudo ainda não estamos nesse ponto, não há vacina, nem conhecimento cientifico esmiuçado sobre o comportamento do vírus, como tal, o que sabemos cientificamente é que a velocidade de propagação da infeção do vírus é exponencial, quantos mais contactos sociais, maior a inevitabilidade do aumento de infetados, assim como que o contágio é muito facilitador. Por favor não entrem em pânico, que não serve de nada e apenas aumenta o problema mas, também, não desvalorizem e facilitem, nem 8 nem 80!

As duas reações mais comuns num quadro de crise são em primeiro lugar, a negação, ou seja o sujeito não consegue conceber que está em crise e tem um problema e então ignora-o, como mecanismo de defesa, o que pode durar mais ou menos tempo. Exemplo da desvalorização: “a mim não me acontece”, “tenho uma saúde de ferro, um sistema imunitário forte é só aos outros”, “que exagero esta situação, não percebo”, “não vou mudar as minhas rotinas diárias”, “não se passa nada de especial é só preciso algum cuidado”. A outra reação à crise é, entrar em colapso, pânico e já não se sabe o que se está a fazer, uma vez que o pensamento lógico fica toldado e incongruente, perante ansiedade em excesso, nomeadamente; “isto vai contaminar todos e vamos morrer, “não podemos sair nunca nem respirar nada”, “vamos fechar os centros comerciais e a restauração às 21.00 (como se houvessem horários para o vírus) ”, “fazemos quarentena a meio gás”.

 Agora imaginemos que uma das respostas ao stress é a junção destas duas, desvalorização do problema (negação), mais desorganização (pânico), ficar com excesso de ansiedade, ora é o acontece, quando entramos num choque de perigo do desconhecido, podemos considerar que é o que se está a observar em algumas pessoas.

Assim estamos a ser bombardeadas com notícias que nos contam sobre o “impossível”, sobre o que consideramos que nunca podia acontecer e agora temos o perigo “invisível” do vírus covid-19, pode ser um evento traumatizante que deixa consequências quer na vítima direta, quer nos familiares próximos com repercussões psíquicas.

O nome científico para denominar a perturbação que se pode desenvolver após a crise é o Stress Pós Traumático, como o próprio nome indica consiste, num trauma psíquico provocado por um evento externo que não é previsível, nem controlado, dado fator de susto que provoca a experiência intensa e que impede a capacidade de equilíbrio emocional, face ao medo, desamparo da situação.
A Associação Americana de Psiquiatria define o conceito, trauma como uma experiência individual direta de um evento que envolva morte, ameaça de morte ou ferimento grave, ou outra ameaça à integridade física; ou observar um acontecimento de morte, ferimento grave ou ameaça à integridade de outra pessoa; ou ter conhecimento de uma morte violenta ou inesperada, ferimento grave ou ameaça de morte experienciada por um familiar ou amigo próximo. No caso atual, do Corona Vírus, o que temos é a experiencia psíquica da possível ameaça de morte iminente, mais direcionada, ao próprio ou ao outro, provavelmente familiares mais idosos. Pelo que também é uma experiência que causa sofrimento psicológico.

O ser humano naturalmente procura uma homeostase, um equilíbrio bio-emocional para poder funcionar no seu dia-a-dia. O impossível acontece quando um evento imprevisível sucede e retira alguma confiança e tranquilidade na vida e no seu natural curso. A capacidade do ser humano resistir e conseguir regular as suas emoções, de modo a criar significado para a experiência, vai depender da resiliência de cada sujeito, assim como, de fatores relacionados com organização psíquica, personalidade e experiências de vida. Como tal, esta regulação emocional e superação, tem um caracter subjetivo, embora o apoio psicoterapêutico, seja fundamental para apoiar a vítima em todo este processo, bem como, todo o apoio comunitário que favoreça o sentido de pertença nas pessoas.
 Perante a ocorrência de um acontecimento traumático o sujeito reorganiza uma nova forma de estar e de ver o mundo que o rodeia, o que pode gerar uma mudança significativa nos seus padrões de funcionamento psíquico. Sendo que a forma mais saudável de reagir, perante a crise será após o período de ansiedade que é normal; 1) aceitar que é uma crise, mas que vai passar, com o tempo e ter uma postura otimista, que tudo vai melhorar. 2) Ser proactivo e criar novas formas de lidar de forma flexível com a situação, capacidade de adaptação à realidade presente e aceitar as mudanças na rotina de vida.

 Normalmente, sentimos o mundo como um local seguro e relativamente controlável, considerando as mais diversas ações e tarefas que desempenhamos durante o quotidiano, como asseguradas por nós e, por isso, dentro do nosso controlo, pelo que decidimos o que queremos e não queremos fazer, aquilo que pensamos e recordamos. No entanto, na sequência de um acontecimento traumático, existe um reajuste na nossa maneira de ver o mundo, que leva o seu tempo a resolver. 
Assim sendo uma construção de personalidade rígida ou inflexível, poderá dificultar este processo de reajustamento do sujeito, dado a necessidade implícita de controlo, por outro lado uma personalidade mais plástica e adaptativa terá, á partida, outros recursos, para que com o passar do tempo, possa superar o evento traumatizante com maior tranquilidade.
Deste modo devemos estar calmos, mas atentos, confiantes, mas assertivos, na proteção de todos, se seguirmos as recomendações, iremos sair disto ainda mais fortes e unidos. O sacrifício maior será o isolamento, dado que o ser humano é um ser sociável por natureza, por isso é altura de abusarmos dos meios de comunicação virtual e procurarmos este tempo de calma, para organizar a nossa casa interna psíquica e construirmos projetos e sonhos futuros. Assim sendo todos temos uma parte ativa no combate a esta epidemia, não tenhamos medo do nome, mas, também não vamos ignorar o que se passa, o equilíbrio é a chave.


Drª Mafalda Leite Borges  - Alcochete




Sem comentários:

Enviar um comentário