Os contos
tradicionais infantis, segundo o psicanalista Bruno Bettelheim, exercem uma
função psicoterapêutica nas crianças respondendo de forma precisa às angústias
do universo infantil. O rei e a rainha são os símbolos nos quais a criança
projeta os bons pais, gratificantes, assim como a madrasta, a bruxa má e o ogre
constituem as figuras dos fantasmas que eles sentem em diversas situações nos
seus progenitores, como sendo maus e frustrantes. Assim, os contos descrevem
situações inconscientes que a criança reconhece como uma passagem que lhes
permite o acesso a todo um processo inconsciente de maturidade e o modo de
vencer as suas inseguranças, medos e fantasias que os impediram de ultrapassar
as suas resistências, de crescer e se fortalecer. Identificando-se com os seus
heróis, as crianças consolidam aspetos importantes da sua personalidade descobrindo
novas ferramentas que lhes permitem outro olhar para os desafios que se
avizinham. Através de vários contos populares como a Branca de Neve ou a Bela e
o Monstro, Bruno Bettelheim analisa e mostra como esses contos respondem às ansiedades das crianças, dando-lhes pistas dos "testes" futuros e dos
esforços a serem feitos antes de atingirem a idade adulta. O autor coloca em perspetiva
diversas versões dos contos e mostra, segundo o seu entendimento, quais os que
correspondem melhor à estruturação psicológica da criança. Na prática
psicoterapêutica, a criança é induzida a escutar, ler, folhear os contos para
seguidamente os reconstruir, alterando-os ou não, conforme as suas necessidades
através do desenho, da dramatização, escolhendo aqueles que mais se aproximam
das suas problemáticas e dramas pessoais, ao seu tempo e de acordo com a sua
metodologia e criatividade. O psicoterapeuta vai acompanhando e ajudando
através das interpretações, procurando em conjunto com a criança, as soluções
mais adequadas à resolução das problemáticas vividas. Cada conto tradicional é
um espelho mágico que reflete certos aspetos do mundo interior da criança,
fornecendo em simultâneo, dicas e passos importantes que visam promover uma
salutar transição entre a dependência infantil e a dependência madura. Para
aqueles que mergulham naquilo que o conto de fadas procura transmitir, torna-se
num lago pacífico que, num primeiro momento, parece refletir a nossa imagem,
mas por detrás dessa imagem, emerge o tumulto interior das nossas mentes, da
sua profundidade e da melhor forma de nos colocarmos em paz com ela e com o
mundo exterior, que nos recompensa através dos nossos esforços.
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