Nestes tempos
difíceis que todos passamos apraz-me falar sobre o que de bom podemos observar,
o que de bom descobrimos de nós e dos outros, o que de positivo se pode retirar
desta e de qualquer situação negativa. Vivemos todos a angústia desta invasão
por uma espécie de inimigo invisível que interrompeu o decurso normal das
nossas vidas e nos encheu de incertezas. Mas apesar disso, o ser humano tem uma
capacidade incrível para responder aos desafios e às adversidades, de reagir e
encontrar forças, em si e nos outros, de procurar meios, de recorrer à
criatividade…
Vemos pessoas a
unirem-se para entregar bens essenciais aos mais idosos; vemos artistas a
reunirem-se para proporcionar momentos prazerosos e sensibilizarem para a
necessidade de ficar em casa; vemos como o movimento “Vamos todos ficar bem” é
uma forma de dar alento ao próprio e a todos os outros; vemos como os
profissionais de saúde lutam todos os dias para garantir o bem estar de todos, como
as pessoas que trabalham nos supermercados, lares e tudo mais, trabalham para
garantir o bem estar de quem cuidam, para manter a normalidade e a subsistência
de todos; vemos como já há pessoas a produzir mais meios de proteção ou de
resposta médica como é o caso do Projecto Open Air; vemos grupos de apoio nas
redes sociais sustentados por profissionais de saúde... Entre outros…
Felizmente os exemplos são muitos e variados.
Sabemos que as
dificuldades são e serão muitas, mas sabemos também que somos capazes de as
enfrentar e superar. A isto se chama Resiliência, um conceito que a Psicologia importou da Física, que define a capacidade de alguns materiais voltarem
ao seu estado ou forma natural depois de sofrer um choque ou pressão
deformadora.
Esta ideia de
enfrentar a adversidade regressando depois ao estado anterior, natural, (não
exatamente ao mesmo, porque evoluímos…, mas antes nos mesmos moldes, sem marca
disruptiva na identidade do sujeito) implica acentuada flexibilidade dos
mecanismos psicológicos num esforço adaptativo considerável.
As “regras do
jogo” mudam de forma repentina e substancial e a pessoa vê-se obrigada a um
rearranjo do funcionamento mental onde a construção de uma narrativa, de uma
nova narrativa, auxilia de forma incontestável. Esta (re)construção é muitas
vezes mais fértil a posteriori mas ainda assim desejavelmente iniciada desde
logo. É importante que vão acontecendo em paralelo, respostas concretas à
situação que se vive, como o isolamento neste caso, e respostas do foro
psicológico, dizendo respeito à elaboração mental da nova situação vivida.
Estes processos mentais são suportados por um atribuir de sentido(s), que
permite à pessoa integrar os novos dados e como que apropriar-se de alguma
forma dessa nova realidade, podendo começar a fazer parte da sua identidade sem
deixar (demasiada) mossa. O impacto deverá
ser passível de integração, não se quer nem invasivo, naturalmente, nem
ausente, porque bem se sabe, negar a realidade não traria nenhum benefício.
Ou seja,
trata-se de encarar a realidade e viver os sentimentos mais difíceis, como
ansiedade e angústia, reagindo e elaborando no sentido de os acomodar da forma
menos perturbadora possível e com potencial de suportar uma continuidade
salutar do ser e existir. Boris Cyrulnik, no seu livro “Uma infelicidade
maravilhosa”, descreve-nos de uma forma exímia o que falo sobre a resiliência,
diz-nos:
Tal como a felicidade, a infelicidade nunca é pura. Mas,
assim que construímos a sua história, conferimos um sentido aos nossos
sofrimentos e compreendemos, muito tempo depois, como pudemos transformar um
infortúnio em algo de maravilhoso, pois qualquer homem agredido é obrigado a
metamorfosear-se.
Drª Filipa Rosário - Alcochete e Lisboa
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