quinta-feira, 23 de abril de 2020

A família num mundo “Normal” Mais do que “ficar tudo bem” é preciso ficar tudo melhor.







A família encontrava-se pouco, por vezes, passavam-se dias, noites, meses, anos, tudo numa roda-viva, sem parar e faltava sempre tempo, tempo para amar, tempo para estar só por estar, sem fazer nada, tempo para simplesmente desfrutar de momentos em família. A nova crise Covid-19 trouxe múltiplos problemas e desafios a todas as famílias, estava tudo habituado a não ter tempo suficiente. Uma vez que no “mundo normal” havia dificuldades em manter momentos de partilha com os outros, horários de trabalho infindáveis, imensas responsabilidades, atividades extra curriculares, entre outras muitas distrações que pareciam não nos deixar tempo, para pensar, apenas para estar quieto e refletir. O que é a vida normal? Estávamos completamente imersos em atividades, numa correria, em que não havia espaço para ficar com os nossos pensamentos e aproveitarmos a nossa companhia. Estar só, faz tão bem, pois de facto não estamos sós, estamos acompanhadas pelos nossos sonhos, projetos, ideias, criatividades, imaginações, pensamentos, sentimentos, lembranças, memórias, que resultaram das nossas relações intimas. O movimento estar sozinho e estar acompanhado, é fundamental para o equilíbrio da saúde psíquica. Ter tempo para o “ócio” descansar apenas, ter saudades, estar consigo a pensar nos outros, não é um ato de preguiça é absolutamente necessário, para adquirir uma boa forma de pensar sobre si próprio, sobre os outros e sobre tudo. Se estivermos sempre numa agitação permanente, acabamos por não viver plenamente pois, é necessário, parar para recordar, para sonhar, para criar significado às nossas experiências. É desgastante viver, a correr e isto para poder encaixar em ideais de perfeição incutidos quer pela família, quer pela sociedade de narcisismo doente. A questão não é o tempo, o problema é se tiver esse tempo, como agora, o que vou fazer com ele, como o vou aproveitar? Vão haver famílias que irão encarar como uma oportunidade para estreitarem mais os laços afetivos, mas outras que estiveram sempre a fugir do estar com, que já não sabem o que é desenvolver interações em conjunto.

Neste sentido, agora, com este grande desafio para as famílias, de terem de estar todos juntos, todos os dias e a todas as horas, a necessidade de intimidade saudável passa a ser ainda mais fundamental. Pelo que é necessário criar momentos de descontração sozinhos, a ver um programa ou simplesmente, estar um tempo no quarto descansado, é muito importante que o casal respeite isto e que as crianças comecem a aprender, quais os limites do outro, como empatizar e respeitar os ritmos da mãe e do pai. São dinâmicas relacionais, que nesta altura podem dificultar o bem-estar na família, pelo que a criação de regras saudáveis e rotinas, torna-se fulcral.

O período de adaptação ao covid-19 implica um luto sobre como se conhecia a vida antes desta Pandemia. Emergiu em todos uma estranheza no dia-a-dia, o ter de estar em casa, o não poder passear de forma segura, pois existe um perigo invisível, mas que causa tantos danos. As rotinas diárias, a forma de estar na vida, a convivência social, foram completamente postas de parte e alteraram-se drasticamente. As dificuldades económicas e sociais têm vido a piorar, é emergente pois, a adaptação a uma nova forma de estar na vida. Mas que forma é esta? Por onde começamos? O que podemos fazer para nos reequilibramos a esta nova realidade?


Embora ainda estejamos todos em fase de adaptação, é natural que, aos poucos, comecemos a dar os primeiros passos na mudança que toda a crise obriga, mudar não é necessariamente mau, a mudança é das certezas maiores que temos na vida, uma vez que nada fica igual. Para os que estavam no “céu” antes desta crise ou assim consideravam. Esta situação acaba por obrigar a impor criatividade e capacidade de reajustamento, uma vez que ninguém escolheu este momento. Sim, existem acontecimentos externos incontroláveis por todos, nomeadamente catástrofes naturais, tsunami, terramotos, ataques terroristas, Pandemias infeciosas, não temos controlo sobre tudo, muito menos em relação a estes fenómenos. A noção de ausência de controlo, perante situações externas e adversas é encarada de forma distinta, consoante o tipo de personalidade, experiencias de vida e a capacidade de adaptação. Assim sendo, importa sublinhar que mais do que “ficar tudo bem”, é preciso ficar tudo melhor, é urgente, mais generosidade, mais equidade, mais amor, mais empatia e menos julgamento e critica. Pois dado que estamos a atravessar este período atípico, já agora que sirva para crescermos, evoluirmos e modificarmos o que não estava tão bem, na nossa sociedade, pode ser este o momento, esperemos que sim.

Assim, podemos entender que a par com a crise e o mal-estar que dela advém, também surgem, grandes oportunidades de crescimento, desenvolvimento, resiliência e sabedoria, tão essenciais à evolução da humanidade.


Mafalda Leite Borges - Alcochete
Canto da Psicologia




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