Durante a nossa vida estabelecemos muitas relações - umas mais
saudáveis, completas ou com um maior potencial de satisfação; outras nem tanto,
menos saudáveis, parciais ou com um maior potencial de frustração. A perspetiva psicanalítica ou psicodinâmica observa todas estas relações e, no contexto
terapêutico, tem o objetivo de devolver à pessoa (considerando sempre a sua
história individual) o que a própria já contém dentro dela, impossibilitada, no
entanto, de ver em si mesma.
A relação terapêutica num contexto dinâmico é uma relação única. Um
modelo de relação que não se encontra em mais lugar nenhum. Mas mais concretamente
o que oferece a relação terapêutica dinâmica ou psicanalítica de tão diferente
de outros tipos de relação?
Em primeiro lugar
Em primeiro lugar, e também comum a outros tipos de psicoterapia, a
relação paciente-psicólogo é única pelo lugar que a pessoa que vai em busca do
autoconhecimento ocupa. Neste contexto, o paciente está em primeiro lugar, num
lugar de destaque. É um espaço privado e particular para cada pessoa - durante
aquele tempo e aquele espaço a única pessoa importante é de facto a pessoa à
nossa frente - o que diz, o que não diz, o que sente e o que não se permite
a sentir.
O outro lugar
No entanto, este lugar destacado do paciente não é por si só suficiente
para afirmar a singularidade da relação terapêutica psicanalítica. O lugar do psicólogo é bastante importante no sentido do que o profissional pode oferecer
à pessoa que procura compreender-se melhor. Este lugar abarca então a formação
do profissional - de onde advêm ferramentas essenciais para a compreensão do
paciente nesta relação - e o próprio investimento pessoal do profissional. Um
bom profissional nesta área faz ou já fez o seu próprio processo psicoterapêutico
e também supervisão (processo onde se discutem os casos, mantendo sempre a
privacidade e o anonimato, de modo a refletir potenciais pontos cegos do
psicólogo sobre os seus pacientes) - possibilitando assim um olhar sobre si e
sobre o outro bastante mais claro e desintoxicado de algo que não pertença a
cada relação terapêutica em particular.
Novo lugar
Até agora, como algo que não se encontra em mais nenhuma relação,
podemos observar duas particularidades. A primeira que destaca o paciente, e a segunda
que tem que ver com o investimento do profissional. Em conjunto e na relação
estabelecida, o espaço total para o paciente dentro da sessão e o espaço
interno de compreensão por parte do profissional permitem a reflexão
desintoxicada acerca do paciente – permitem o espaço para o novo. Existe ainda
algo especialmente particular relativamente à perspetiva psicanalítica ou psicodinâmica, metaforizando: é como se existisse uma estrada em que o paciente
é o condutor de um carro e o psicólogo o seu copiloto. Quem escolhe o caminho é
de facto a pessoa que conduz. A função do copiloto passa por estar atento a
todos os outros fatores que possam prejudicar ou ajudar o piloto na sua
condução - os obstáculos no seu caminho; o caminho já percorrido; o estado do
carro; o estado do piloto, ... - mas nunca escolher o caminho pelo piloto, uma
vez que não é essa a sua função. É o paciente que é visto como o maior detentor
de conhecimento acerca de si mesmo e, portanto, é este que conduz o caminho da
sua análise. Voltemos então a olhar novamente para o lugar do psicólogo de perspetiva psicanalítica. Este, de forma a observar tudo como realmente é para cada
pessoa, precisa de escutar aquilo que a pessoa diz, o manifesto, e
escutar também aquilo que a pessoa não diz - aquilo que está escondido naquilo
que está a ser dito e que, por alguma razão, não está a ser falado - o latente.
Voltando à metáfora anterior, faz parte da função do copiloto (psicólogo) estar
atento tanto ao caminho que está a ser feito pelo piloto (paciente) como aos
ângulos mortos impossibilitados de serem vistos por este, por estar a
desempenhar outra função, já exigente por natureza, conduzir.
Concluindo, este novo lugar que se cria entre o paciente e o psicólogo
tem espaço para acontecer uma vez que existe um olhar em relação ao que está
manifesto e ao que está escondido, em conjunto com os lugares ocupados pelo
psicólogo e pelo paciente acima descritos. Na relação terapêutica é elaborada a
dois uma mistura exclusiva, especial e particularmente íntima apenas possível
de se experienciar num processo psicoterapêutico ou de psicanálise.
Dr. Sérgio Pereira - Setúbal
O Canto da Psicologia
Sem comentários:
Enviar um comentário