Quando fiz uma pesquisa no google sobre a data em que iria ser publicado este artigo descobri que o dia 16 de Abril é o dia mundial da voz - fantástico! - pensei eu. Isto aconteceu no período ‘pré-Covid-19’ e já aí me pareceu uma ótima coincidência, sendo a voz o instrumento por excelência do meu trabalho enquanto psicóloga. Atualmente, quase um mês após ter sido declarado o estado de emergência no nosso país, é ainda mais pertinente pois o direito à voz é algo que preservamos nestes tempos de isolamento, um direito que a pandemia não nos conseguirá arrancar.
Ao nascer o bébé solta um grito, o primeiro choro pelo qual todas as mães e pais anseiam para se assegurarem de que tudo está
bem. Este grito vem na sequência da primeira separação entre o bébé e a mãe e, segundo Sigmund Freud, não
vem ainda dirigido a alguém, trata-se de uma tentativa do recém-nascido de
exprimir o seu sofrimento. São as palavras da mãe, que se baseiam na interpretação
subjetiva daqueles primeiros choros (formulando a hipótese de que poderá
dever-se a um desconforto, frio, fome, dor, medo, etc.) que permitem que se acalme a angústia resultante da primeira separação, o primeiro trauma, transformando estes gritos em apelo, em
comunicação.
Podemos considerar que a realidade que vivemos,
desde que a ameaça de um novo vírus se impôs sobre o mundo, é potencialmentetraumática. Nunca estamos preparados para um trauma, o trauma abate-se sobre
nós e cada um responderá de forma diferente mediante as suas experiências, as
suas relações, os seus medos, as suas angústias, mediante a sua subjetividade.
Perante esta ameaça observamos uma exacerbação de
alguns sintomas já existentes, o aparecimento de outros ou ainda a estabilização
em certos casos. A palavra é um excelente mecanismo de defesa na medida em que
permite enunciar, nomear e tentar circunscrever este perigo desconhecido. Assim
assistimos a uma proliferação de artigos científicos ou de opinião, de
programas de humor, de produções literárias ou musicais, de houseparties,
de simples chamadas telefónicas, de posts nas aplicações em voga ou em blogues
como este. A voz e o laço que esta nos permite
construir com os outros é essencial em tempos de
isolamento.
Numa entrevista à revista italiana Panorama,
no ano de 1974, Jacques Lacan dirá que é essencialmente o medo
que leva as pessoas a recorrer a uma psicoterapia, o medo que surge quando não
entendem algo que sucede nas suas vidas, e que se converte pouco a pouco em
pânico. Respondendo à questão sobre qual seria o
tratamento indicado, Lacan diz indubitavelmente ser a palavra. O medo aparece então em face do desconhecido, do
que não se pode explicar nem perceber, e neste caso há muito que não se sabe sobre o virus
SARS-CoV-2 que, para além de invisível, não distingue classes, raças, situação económica, geográfica ou social.
Para terminar, gostaria de citar a mensagem que
encontrei naquele que me parece ser o sítio oficial do Dia Mundial da Voz : “Em tempos de crise, como aquele que vivemos, a voz humana pode
acima de tudo unir e confortar as pessoas”.
Nós, a Equipa d’O Canto da Psicologia, continuamos
por aqui disponíveis para o ajudar a tentar simbolizar o trauma, encontrar um
significado, explorar as circunstâncias maioritariamente inconscientes e sempre
singulares que causam o sofrimento, e ulteriormente encontrar as palavras que
poderão acalmar o medo.
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