Eu não tenho saudades de um abraço! Eu tenho saudades da
liberdade de poder dar um abraço.
Hoje fui visitar a minha mãe com 82 anos! Sim, fui
visitá-la!
Ouvirei com certeza vozes contestando e reclamando da minha insensatez e completa loucura, criticando a minha aventura… a quarentena a que me obrigam começa a justificar este entorpecer de racionalidade e levada pela emoção e pelo afecto tenho saudades do abraço da minha mãe ou, saudades da liberdade de poder dar um abraço à minha mãe….
Entre os dois metros de distância a que nos obrigámos e nos olhámos, havia uma rede, uma rede suficientemente forte
e poderosa que não permitiu o nosso abraço, nem o nosso tocar de dedos, nem o
contágio do vírus (ele anda por aqui, nunca fiando!). Por instantes, julguei-me em pleno holocausto, separada por
uma rede tentando tocar o intocável; estas imagens que vamos lentamente esquecendo e reduzindo-as
ao esfumar de memórias, não vividas, mas sabidas, e perpetuadas ao longo do
tempo, herança de uma grande guerra mas não desta guerra, por enquanto!
Por instantes, só, só por uns instantes, esta imagem
toldou-me o olhar, mas não o sentir! E o seu sorriso, aquele sorriso, aquele olhar
( do qual me lembro tão bem, espelhando uma infância bem longínqua, onde esse mesmo olhar me transmitia
segurança, confiança e que tudo ia correr bem, mesmo que os 40 graus de febre, devido à malária, me prendessem a um sem fim de alucinações) resgatou-me, mais
uma vez , de um medo paralisante deste principio da realidade que me impede,
mesmo à distância, a mais de dois metros
de distância de lhe dar um abraço e um
beijo, perdido no ar, numa imensidão de espaço onde se respira sol, primavera e
vida… Eu precisava desse olhar para reforçar a capacidade de esperar...
Não saí do nosso Concelho!! Tão pouco fui a pé! Entre campo,
prado, flores e uma rede, suficientemente forte, demos o nosso abraço, matamos as saudades uma
da outra, num jeito alienado, mas cheio de afecto…
- Já sabes que não temos almoço de Páscoa!!!
- Sei mami!
- Quando pudermos, comemoramos tudo junto: o meu
aniversário, o da tua irmã e o almoço de Páscoa.
- Sim mami!
- Deixa-te estar sossegada, não precisas de vir até aqui,
falamos pelo telefone e quando quiseres fazemos facetime ou whatsapp!
- Sim mami!
- Agora vai-te embora que está sol e não trouxeste chapéu, e
além disso, não devias vir…
- Mesmo que seja só para te ver e matar saudades?
- Não precisas disso. Basta saberes que estou viva e gosto
de ti… o resto, o mundo encarrega-se!!
E vim-me embora, cumprindo rigorosamente o que ela me
ordenou porque sei que o fez cheia de afecto, carinho e medo!
Para a semana, entramos na semana Santa. Não há Páscoa em família
num tempo como o de hoje; assim como não há aniversários, nem casamentos, nem
funerais… há só um inabalável sentimento de vida suspensa e um futuro refém de um vírus. Mas há o olhar da
minha mãe que me diz, "vai tudo correr bem"…
e o olhar dela nunca se enganou.
A si, que me lê desse lado, fique em casa, abrace os seus à
distância e sonhe que o está a fazer separado por uma rede feita em pedaços de
fantasia… logo, logo, vai tornar este sonho realidade…
Drª.Ana de Ornelas - Lisboa
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