Neste
sentido, normalmente membros da família, da pessoa incapaz, acabam por assumir
essa responsabilidade, sendo que apoiam o familiar doente ou então, o mesmo é
encaminhado para uma instituição de reabilitação, com equipas formadas para dar
esse apoio continuado. Dado que é um direito fundamental humano, só mesmo em
casos extremamente graves, de doença prolongada é que se decide sobre a
incapacidade legal, de forma a proteger o paciente.
Agora
imagine este cenário estar associado à famosa cantora Britney Spears, dos anos
2000, que iniciou a sua carreira na televisão ainda muito jovem, com apenas 5
anos, com o apoio dos pais e até incentivo. Esta realidade tem estado a causar
a maior perplexidade no mundo, ainda hoje a cantora ganha milhões anuais, só
pela sua marca, pelos sucessos das suas canções e performances. Contudo a
realidade da cantora bilionária, é que está desde 2008, impedida de ter
autonomia legal, ou seja, está a ser tutelada pelo próprio pai.
Recentemente,
têm surgido vários movimentos contra esta medida decretada pelo tribunal nos
Estados Unidos, os movimentos estão a ser desenvolvidos pelos fãs da mesma e
são cada vez maiores, pelo que estão a gerar uma onda de indignação a nível
mundial, no sentido de pressionar a Justiça Americana a dar independência
jurídica à cantora.
Terá sido em
2008, após uma série de episódios e surtos, que revelaram a possível
instabilidade mental da cantora, que seu pai, Jamie Spears, pediu a tutela
temporária da filha e, desde então, ela não controla decisões relacionadas com
a sua situação financeira ou com a sua carreira. Nos últimos doze anos, o seu
pai e o seu advogado gerem não só os bens de Britney, como controlam a sua vida
pessoal - podem limitar ou proibir as visitas, as entrevistas que dá e podem, supostamente,
comunicar diretamente com os médicos e interferir no tratamento da cantora. A
medida decretada pelo tribunal que devia ser temporária, está efetivamente a
ser considerada final.
O choque
desta medida, está relacionado com o facto de serem decisões que, habitualmente,
são raras e apenas associadas a casos de gravidade extrema, com prova de
incapacidade funcional relacionados, com demências, atrasos cognitivos e
doenças mentais graves do ponto de vista estrutural, que impossibilitam a
mínima funcionalidade para a sobrevivência do individuo.
Uma das
questões interessantes sobre esta matéria é a relativa a sua funcionalidade,
estamos perante uma cantora que obteve enorme sucesso, muito fruto do seu
próprio trabalho como os inúmeros documentários e provas factuais, que assim o
revelaram ao longo dos anos, tal é o escrutínio destas figuras públicas. Então
como se explica que uma cantora de sucesso que organizava e geria os seus próprios
eventos, com as coreografias e com todo o processo que envolvia a sua carreira,
tenha sido considerada incapaz de forma definitiva? Que o tenha sido em 2008,
quando estava em crise psicótica (tentou agredir paparazzi e danificou um carro
dos mesmos), parece que pode ter sido protetor, este apoio nessa altura.
Contudo, desde então que ela estabilizou, já depois da crise, até realizou
alguns concertos com milhares de pessoas, em Las Vegas o que gerou volumosas receitas
de milhões de dólares, o que revela ter adquirido funcionalidade e alguma
normalidade de forma a poder atuar, brilhantemente, em frente do público.
Porém, curiosamente, não pode usufruir, nem pode aproveitar a sua riqueza
financeira, fruto do seu trabalho, pelo que decidiu acabar com estas
performances de forma a poder recuperar a sua independência.
Assim por
motivos legais, as suas incapacidades mantêm-se, o que leva a uma serie de
questões éticas, sobre o papel da avaliação médica e psicológica e do seu
impacto, nos tribunais e o mais importante na vida dos sujeitos.
A àrea da saúde
mental, assim como, todos os seus intervenientes especialistas, têm a missão
ética de assegurar o bem-estar e promover, invariavelmente, a autonomia do
paciente, aliás o grande objetivo terapêutico, de qualquer profissional de
saúde mental é de estimular a independência do individuo, em determinados casos
em que a doença mental está associada a deficit cognitivo, está possibilidade,
está substancialmente reduzida. Contudo, quando existem competências cognitivas
as possibilidades de melhoria dos pacientes são maiores. Terá realmente a
cantora incapacidade funcional, como possivelmente os relatórios médicos e
psicológicos referem?
Além destas questões de ordem jurídica, médica
e psicológica, existe outra questão que talvez, seja a mais importante neste
caso público, que está relacionado com o papel da família. É importante
sublinhar que foi o pai da cantora que pediu a tutela nos tribunais, logo
quando a sua filha entrou em crise naquele ano, a mesma foi avaliada
psicologicamente e os tribunais, assim decidiram com base nesses relatórios.
Os pais são promotores de saúde mental nos
filhos, ou pelo contrário, parece ser este o caso. Segundo a própria cantora
houve sempre uma relação conflituosa entre ambos, o pai é descrito como sendo,
muito controlador da sua carreira e da sua vida em geral.
De facto,
quando a família não estimula a auto estima e a independência dos seus filhos,
estes se desenvolvem com a noção de que não são bons suficientes, de que não
são capazes. Se os pais consideram os filhos incapazes e os tratam, dessa forma,
o mais certo é eles sucumbirem e, assim, agirem de acordo com estas
expectativas. O amor parental, é fundador das bases psíquicas do ser humano,
vai marcar o sentimento de que é amado e apreciado, a forma como tratamos os
nossos filhos e se acreditamos ou não nas suas capacidades, de serem livres e
capazes, vai influenciar essa mesma autoavaliação. Os pais narcísicos, não
suportam que os filhos possam brilhar mais do que eles e possam ter asas para
voar livremente. A criança quando se está a desenvolver exige muito dos pais,
da sua atenção, precisa de se certificar que é amado e respeitado. Se assim for
vai crescer com amor-próprio e confiante das suas capacidades. Todos os
comportamentos, ações, e atribuições de carácter, persistentes e frequentes,
dos pais para os filhos poderão ter consequências na construção de identidade
das crianças e, posteriormente, no futuro adulto. O ser humano vai querer
sempre se adequar às expectativas dos pais quer sejam positivas (conscientes)
quer sejam negativas (inconscientes). Neste aspeto a equipa de médicos e
psicólogos é fundamental, para trabalhar estes modelos com o paciente,
promovendo uma nova relação. A situação familiar deve ser, sem duvida, a pior
provação da Britney, a de ter uma família, que lhe retirou a liberdade e a
possibilidade de ser uma adulta livre e cheia de vida.
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