“Desconfinar” é a palavra do dia.
Há um ano que acompanhamos, mais
ou menos atentamente, mas transversalmente, a evolução das tendências nos
múltiplos diagramas, gráficos, números e índices que nos apresentam, pendurados
das comunicações oficiais sobre as implicações na Vida. Tornámo-nos
especialistas em epidemiologia. Como quebra gelo, não falamos do tempo, falamos
da pandemia, deste céu que nos caiu em cima, e do desconhecido, “para o que
estaremos ainda guardados” diz a expressão popular.
Para nos protegermos, fomos
forçados a confinarmo-nos. Sentimo-lo como uma imposição externa mas também construímos nós próprios barreiras, alicerçadas no medo, na auto-proteção, no
dever filial ou cívico. Defendemo-nos. Com os recursos que temos, pessoais, familiares,
sociais ou materiais, procuramos reagir, cada um ao seu estilo.
Sentimo-nos, contudo, limitados,
constrangidos. Nem sempre temos uma narrativa para este conflito entre querer
viver, protegendo-se do contágio, e querer viver, sem estes limites criados
para nos defender. Por vezes é um discurso mudo que sentimos e que se desenrola
dentro de nós, uma sensação de incompletude ou mesmo de mal-estar. Uma falta de
ânimo ou ansiedade miudinha. Por vezes externalizamos, discutimos com quem está
à nossa volta, com o teclado do computador ou a máquina do café. E voltamos a
defender-nos.
O cenário deste diálogo é o da
pandemia COVID-19. No entanto, esta vivência de constrangimento, de
possibilidades limitadas, é comum a muitos de nós, ainda que a localização e a
intensidade da dor sejam únicas.
O plano de desconfinamento vem-nos
trazer esperança, vem-nos alargar o horizonte de possibilidades. A rua, as
escolas, os parques, as esplanadas, as livrarias, os ginásios, os museus..as
pessoas... Elas estão aí e somos livres para as usar. Bem a propósito, no abril
que simbolicamente associamos à liberdade de um povo, o nosso.
Dizia Frederico de Brito “Julguei
ser um sonho/Mas foi realidade /E às vezes suponho/ Que não foi verdade! / Mas
se alguém disser / “Não há Liberdade!”/ Eu posso morrer /Mas não é verdade!”.
E, no entanto, a liberdade, essa
palavra grande que nos enche a alma de expetativas, nem sempre é sentida. Na
minha perspetiva, a psicoterapia é, também, um caminho de desconfinamento, da
nossa mente, das nossas emoções. É um caminho especial, porque se faz a dois.
Exploram-se as restrições hétero e auto impostas, umas conhecidas de longa
data, outras nem tanto. Descobrem-se os gestos usados uma e outra vez, cujo uso
se fez hábito já sem sentido ou benefício. Acima de tudo, descobrem-se novos
caminhos, novas possibilidades, embaladas pela confiança e pelo sentido de
liberdade para as percorrer. Somos inspirados, paciente e terapeuta.
Fazem parte do nosso imaginário
popular várias letras do António Variações. Recordo esta:
“Quero é viver/Amanhã, espero sempre o amanhã/
E acredito que será, mais um prazer/A Vida, é sempre uma curiosidade, que me
desperta com a idade, interessa-me o que está p’ra vir/E a vida, em mim é
sempre uma certeza/que nasce da minha riqueza, do meu prazer em
descobrir/Encontrar, renovar, vou fugir ao repetir” lindamente interpretada
pelos Humanos
.
Porque o potencial para sermos
mais livres está em todos nós. Por vezes precisamos apenas de companhia no
caminho.
Drª Ludmila Carapinha - Lisboa
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