Diário de uma Terapia
26 de Junho
Tenho constatado em mim um certo
efeito de perplexidade no que vou descobrindo. Confesso que quando parti para
este processo, dito terapêutico, não sabia o que poderia esperar, nem tão pouco
o que iria encontrar por detrás daquela morada. Segui até lá, desafiei-me.
Consegui dar-me esse tempo, afinal, merecido e reiterado por longos anos. Mas o
que tenho vindo a compreender é qualquer coisa que jamais imaginei e que não
sei se serei capaz de colocar em palavras. (A esta altura, pergunto-me se é
assim para as outras pessoas que, como eu, embarcam nesta viagem?).
Bom, primeiro porque parecem
infindas as verdades que se vão revelando aqui, dentro de mim. Verdades que não
suspeitava ou das quais já me tinha esquecido!
Depois, este novelo que se desenlaça e onde um
pensamento podem ser centenas de tantos outros, sem botão de STOP, como se
tivessem vida própria... E na verdade até têm!
E por fim, a certeza de que há tanto por
desvendar, por compreender, que acabo por estranhar esta minha morada, com
paragem obrigatória num “Eu, Madalena” que me parece inacreditavelmente
desconhecido.
É no meio deste desconcerto que
me sinto estacionada hoje e nos últimos dias, entre a perplexidade do que é
novo, do que é desvendado, e uma tristeza que me assola por tudo isto me ser
precisamente demasiado novo, apesar de habitar por aqui há tantos anos...
A última sessão marcou-me neste
sentido de que escrevo. Talvez como em nenhuma outra as palavras da terapeuta
tenham ecoado em mim como sinos a entoar por uma aldeia inteira, sem deixar
ninguém indiferente. Compreender que muito do que incomoda no fervilhar do meu
marido com os miúdos é rever-me no papel de miúda a fervilhar por dentro
(apenas por dentro e apenas de medo) de um pai que, a uma só voz, era capaz de
silenciar uma casa inteira e, arrisco-me a dizer, um jardim de infância cheio
de miúdos a bradar aos sete ventos!
-
Bom dia, Madalena!
E, 45 minutos depois, saio
convicta de que a minha dificuldade em
ouvir o tom zangado do meu marido ou a voz esganiçada da minha colega, é a
mesma com que me encolho perante o ar altivo que o meu patrão coloca quando
algo corre mal, quando um pedido ou observação que é feito “com a máxima
urgência” vem carregado de austeridade e até quando o caixa de supermercado me
torce o nariz porque estou a demorar a encontrar o cartão de crédito, como
aconteceu ainda esta semana!
E perante a pergunta “como é que se sente nessas
alturas, Madalena?”, eu respondo “a fervilhar, mas só por dentro!”.
E fico boquiaberta, sem resposta,
quando oiço “bom, parece que enfrentar esse pai austero é verdadeiramente
difícil para si”... E novamente o silêncio.
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