Dia 30 de Outubro
Ainda que dividida, senti que devia rabiscar por aqui
qualquer coisa hoje. Afinal, é dia de sessão e não deixa de ser uma forma de me
antecipar… Talvez à própria dor, à dor que me invade quando toco nas coisas que
me magoam, que não entendo, que me confundem e que, sobretudo, me provocam uma
reviravolta interior ao simples toque da palavra da psicóloga. (De repente,
quero fugir a isso tudo. Mas há qualquer coisa que me empurra para esta folha.)
As últimas sessões têm sido difíceis. As
confrontações (ou interpretações, como insiste em chamar-lhes…), as incertezas,
a angústia imensa que juntar todas estas coisas me desperta, faz-me querer
desistir. Desistir de escrever aqui, de ir lá semana após semana ou mesmo do próprio
processo, porque é demasiado pesado sentir-me uma constelação de asteriscos e
pontos de interrogação, aos quais não me sinto capaz de dar forma! Eu, que
sempre tive tudo tão arrumado! Ou, pelo menos, achava! Mas não vale mais às
vezes vivermos até numa certa ignorância? É que isto é tão duro e dói-me tanto…
Porque, de repente, põe-me de frente com sentimentos, emoções, que desconhecia.
Eu, a Madalena híper-controlada, boa menina, exímia
profissional, que não desaponta, que faz o que os outros desejam… Eu, a
Madalena fada-do-lar, que organiza a semana dos miúdos e do marido, que, no
limite, até a mala lhe faz quando ele se vai embora!! Eu, esta Madalena que às
vezes me cansa e que me irrita, mas que não sabe ser, nem viver de outra forma!!
E voltam-me as palavras da terapeuta sobre a minha possível
desresponsabilização, sobre a forma como me escudo nos outros, para me
proteger… Mas de quê? Não sei responder.
Será que me vitimizo? Talvez. Mas, o meu marido não
deixa de ser aquele que progride, que evolui na sua fabulosa carreira e eu sou
a que tem ficado para trás, porque não sou apenas uma carreira, sou uma mãe e a
casa inteira onde a nossa família habita. E gerir tudo não é fácil… Porque para
ele progredir, há quem tenha que ficar com os miúdos! Isto, afinal, não é
suposto mexer comigo? Fazer-me até sentir revoltada com este marido que eu olho
agora como um egoísta? Sim, um egoísta! Quando é que ele parou para pensar em
mim e no extremo cansaço que sinto? Despede-se com um beijo e olha de soslaio a
mala, elogiando a minha extrema organização num gesto de “quem era eu sem ti”,
mas que vem mascarado, pelo menos na forma como me faz sentir, naquele festinha
do pai que diz “linda menina” depois de um bom resultado escolar.
E é isto que sinto, “um linda menina” que se tem
eternizado pelos meus 40 anos, escondido nos elogios que recebo, mas que no
fundo está sempre lá, a menina-bonita que não desaponta os outros… Mas que se
esquece de si!
- Bom dia, Madalena!
E venho, talvez um pouco mais leve, porque hoje, pelo
menos, dei nome a alguns destes asteriscos. De uma forma sentida, magoada,
entre lágrimas e lenços, mas foi possível revisitar esse lugar de menina-bonita
que se anula… De há tantos anos para cá! E este marido, que como o meu pai,
parece cultivar este meu lado… Mas, como me dizia a terapeuta, “Esta Madalena
que parece procurar relações nas quais se possa sentir a menina-bonita, talvez
pelo medo de descobrir um lado mais feio com o qual não se quer confrontrar…”.
Bem, mas não é isso que tem acontecido? Pelo menos,
nesta nova forma de relação.
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