quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Entre a saúde a doença e o sintoma....








Diferentemente do que se poderia supor, a definição da palavra Saúde sempre se revelou uma tarefa particularmente difícil. Talvez por isso mesmo, durante muito tempo, a definição de Saúde não passou de um conceito de oposição à Doença, isto é, 'Saúde é a ausência de Doença'.

A origem da palavra Saúde, do latim 'salus', que se relaciona com as palavras 'salvus' - salvo ou seguro - com raiz no indo-europeu sol- que significa 'inteiro'. É, como se pode ver, desde a raiz da própria palavra, um movimento de permanente oposição à noção de Doença.
A palavra Doença também tem origem no latim, 'dolentia' - sentir dor -, com relação à palavra dole que significa literalmente Dor. Mesma raiz da palavra condolência - dor partilhada.
Já a palavra sintoma, igualmente de origem latina 'symptoma' parece ter uma origem mais misteriosa e, aparentemente, mais distante do sentido contemporâneo, uma vez que significa 'cair - syn - junto - piptein - aos pedaços/em partes - tomo'.
Talvez seja solúvel esta ligação entre o sentido original da palavra sintoma e o sentido actual, se considerarmos que o sintoma não é mais que a manifestação da Doença, isto é, dos pedaços/partes que dela se mostram. Sendo que, regra geral, o sintoma se manifesta através da percepção da Dor, então também Dor é um Sintoma.

Em psicologia as noções de normalidade, saúde, doença e sintoma apresentam-se com dificuldades acrescidas. É que não existem exames que mostrem onde dói, nem tampouco, porque dói. Se é certo que os avanços nas neurociências têm esclarecido o que se passa em termos neuroanatomicos e neurobiologicos, nem por isso esse conhecimento tem sido condição suficiente para uma melhoria significativa na natureza e qualidade dos tratamento psicológicos e psiquiátricos.

Se assim é, então como pode ser definido o conceito de Doença em psicologia?

Recuperamos em primeiro lugar o sentido original da palavra Doença, e reconhemo-la como Dor. Preocupamo-nos de seguida com a origem da Dor, isto é, com o que a está a provocar. E finalmente de acordo com pressupostos funcionalistas e estruturalistas, descrevemos as perturbações das funções psíquicas e natureza da sua estrutura.
Neste contexto, a qualidade do sofrimento do paciente - do latim patientem aquele que sofre -, e suas manifestações são consideradas como a precipitação manifesta dos diferentes sentidos da Dor - cair aos pedaços.

Na grande maioria das vezes o que motiva a procura de ajuda psicológica é o sintoma, e não a doença. E portanto problemáticas como ataques de pânico, hiperactividade, insónia, dificuldades relacionais ou impulsividade são apenas alguns dos sintomas que servem de móbil à procura de apoio psicológico.

Apesar das terapias de inspiração psicanalitica serem consideradas de longo-prazo, tendo durações que podem levar anos, regra geral, observa-se uma melhoria muito significativa do quadro sintomático dentro de apenas alguns meses. 

Quererá isto dizer que a 'doença' está curada? Não necessariamente. 

Nestes casos onde se observam melhorias significativas num curto espaço de tempo, apenas podemos concluir que o acompanhamento psicológico resultou numa diminuição da angústia que se manifestou numa maior contenção do quadro sintomático, permanecendo a estrutura psíquica intacta.

É neste contexto que os pacientes frequentemente abandonam o processo terapêutico. Vendo resultados efectivos no que diz respeito ao pedido inicial, verifica-se o desejo de termino do processo.
Noutros casos o que se verifica não é necessariamente o efeito do processo terapêutico, mas sim uma mudança argumentavelmente favorável dentro do meio onde o paciente vive e se move:  uma reaproximação de uma pessoa amada, um período de férias ou a entrada num novo trabalho podem ser sentidas como terapêuticas.

Embora estas mudanças não sejam efectivamente psicoterapêuticas, elas podem provocar alívio da angústia, dando a ilusão de que a dor desapareceu. É necessário que o processo de alta seja dado por um técnico habilitado e não pela percepção intrasubjectiva da dor pelo paciente...



Dr. Fábio Mateus
O Canto da Psicologia



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