quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Não é defeito é feitio...










Sobre o Desenvolvimento Infantil

A teoria da geração espontânea nasce das construções dos filósofos pré-socráticos e estende-se ao longo de séculos.
A ideia da geração espontânea postula que a vida pode organizar-se e criar-se de forma espontânea. Trata-se de uma ideia há muito descomprovada e descartada, como sendo o produto de falta de rigor científico e de métodos pouco apropriados de observação.
Julgo que ninguém, isento de contaminações religiosas ou mágicas, considere a teoria da geração espontânea como aceitável.

Não obstante, na prática clínica é extremamente comum observar que os pais acreditam numa espécie de mito de uma 'geração espontânea mental'. De acordo com esta hipótese a criança terá desenvolvido, espontaneamente, um modo de funcionamento mental desadequado. Os pais mais informados tendem a pensar que a esponeidade da organização depende dos efeitos da carga genética. Como se a mentira, a manipulação, a regulação dos impulsos agressivos ou a regulação e elaboração da angústia tivessem origens inatas e genéticas.

As construções parentais em torno do mito da 'esponteidade', cumprem frequentemente uma função defensiva. A ideia de que o desenvolvimento mental é estruturado a priori constitui-se muitas vezes enquanto fuga à ideia de que os pais poderão estar envolvidos na causa dos comportamentos desadequados que observam nos seus filhos.

Ignora-se a importância da história da concepção do filho, ignoram-se as fantasias e projectos que os pais fazem em relação ao bebé imaginado, ignora-se a relação entre essas fantasias e a própria história dos pais, ignora-se a importância dos meses de gestação, ignora-se o efeito das condições do parto na estruturação do psiquismo, ignoram-se os primeiros meses de vida, ignora-se a história do desenvolvimento da criança, ignoram-se os pequenos sinais da comunicação mãe-bebé, pai-bebé, mãe-pai...

Como é possível que a história da amamentação tenha um efeito sobre a criança? De certeza que ela não se vai lembrar.
De facto a criança/adolescente/adulto não tem recordações da amamentação, ou pelo menos não as tem no sentido tradicional em que as concebemos.
Trata-se de um tipo de memória automática, inconsciente, estrutural, desligada. Não se trata de uma memória associada à evocação de imagens, mas sim uma memória que se entranha na  própria forma que temos de sentir e de pensar. É uma espécie de incorporação, de internalização, de registos relacionais.

As fases do desenvolvimento infantil são inúmeras e passam por mudanças drásticas do ponto de vista maturativo e evolutivo. Estes picos de crescimento frequentemente traduzem-se numa alteração brusca no modo de funcionamento habitual da criança.
Quando ouvimos afirmações como 'ele não era nada assim', devemos reflectir sobre se esse aspecto da personalidade já não se encontrava, em germe, na mente infantil.

A crença, ou o mito, que se cria em torno das origens dos modos de funcionamento mental, gira, frequentemente, em torno da ideia de que o pensamento e o comportamento têm uma base inata e constitucional. A realidade é muito mais complexa. Mesmo quando existe efectivamente uma base genética ou inata ou constitucional, ela não é condição suficiente para que certas formas de pensamento e de regulação dos impulsos se origine.

Dr. Fábio Veríssimo Mateus


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