“Tu és a filha, eu sou a mãe;
- Filha, já te
disse que não podes ver esses desenhos à noite, depois tens esses sonhos maus.
E agora vais deitar-te (enquanto me tapa).
Continua... a “mãe”
-Agora que estás a dormir vais sonhar que
anda um bandido atrás de ti”.
E andamos em voltas pela sala até chegar o
momento de novamente acordar.
A psicoterapia
com crianças ou o acompanhamento com crianças permite-nos passar por diversos
papeis simbólicos, ser diferentes personagens, alguns dos sonhos, outros de uma
realidade projectada (uma realidade que raras as vezes é, para a criança, a
realidade dela). Nesta dança entre adulto (terapeuta) e criança existem
movimentos de diversa natureza, uns provêm da angústia, outros da agressividade,
outros mais persecutórios (como os bandidos que nos perseguem nos “sonhos
maus”). Afinal de contas há um encontro, literalmente, com bebés, pistolas, carros,
soldados, animais ferozes e animais “fofinhos”, com lápis e canetas, com
panelas que facilmente passam a baterias, com pratos que servem de
pandeiretas...num espaço em que tudo se pode dizer, em que tudo tem potencial de
ser compreendido e de eventualmente ser integrado.
É para os pais
muito assustador, ou desesperante, trazer ao nosso espaço o seu filho, seja
por questões próprias da criança tais como, não conseguir controlar os esfincteres durante a noite, fazer muitas birras com um dos progenitores, crises de ansiedade
quando é deixado na escola, entre outras; ou até porque alguém na escola levanta uma desconfiança - normalmente com uma palavra que os pais não conseguem identificar - que os põe em estado de alerta e os leva a pedir ajuda ou ainda, por começarem a recear , o que angustia tremendamente os pais, o facto de que também eles possam ser parte do motivo pelo desajustamento do comportamento dos seus filhos. Independentemente dos casos, todos sabemos que nunca é fácil deixar um filho com
“um técnico” isso significa que pode haver um problema, e se o houver o risco de poder ser responsável por parte desse problema e ter um dedo a apontar: “não estás a ser bom pai/mãe;
não estás a ser suficiente bom”. Ser pai nem sempre é fácil e acarreta um conjunto
de desafios que, por diversas vezes, nos colocam em causa e que precisam de
poder ser contidos.
Por outro lado, as crianças precisam apenas de um espaço que possa ser por si
só, contentor; em que elas possam fazer “todos os disparates”, as coisas que nem
sempre cheiram bem, ou até as coisas que nem sempre são bem vistas (normalmente
pelos adultos) sem correr o risco de serem repreendidas, rejeitadas ou abandonadas, libertas do receio de
deixar o pai ou a mãe triste, ou desiludidos; permitindo-se ainda,
“pensar”, elaborar ou transformar estas coisas estranhas, que nem sempre têm
nome, ou nem sempre são claras, em coisas de mais fácil compreensão através do movimento simples do brincar!
Sendo para os
pais aterrador todos estes sentimentos, também o são para as crianças - muitas
delas, só agora se estão a autonomizar e a começar a desvendar o lugar delas
no mundo das crianças, dos adultos, da família, da escola...ás vezes, este
espaço terapêutico é só isto, um sitio seguro, onde se podem pensar e dizer coisas que podem ser ouvidas ,aceites, vistas e cuidadas. Um
bocadinho como os sonhos maus, ninguém gosta deles, mas eles não deixam de
fazer parte de nós.
Drª Inês Lamares
O Canto da Psicologia
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