quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Nem sempre uma asa partida nos impede de voar...






No mito da procura do Santo Graal por Parsifal, encontramos a história do Rei Pescador, o monarca do Castelo de Graal. Em adolescente sofreu um acidente que lhe condicionara a mobilidade para toda a vida… O reinado estava condenado porque o seu Rei estava ferido e, apesar de não ser capaz de morrer, também não poderia sobreviver e fazer prosperar o seu império. 
Uma profecia dizia que ele só se curaria quando um humilde inocente chegasse à corte e fizesse uma determinada pergunta…

Este mito ainda que bastante antigo, remete-nos facilmente para os nossos tempos modernos. 
Muitas vezes somos confrontados com feridas que se tornam autênticos obstáculos na procura do nosso Santo Graal. Podem tratar-se de doenças físicas ou mentais, podem surgir em consequência de uma perda ou luto, pode ser um medo ou angústia, uma separação, um insucesso académico ou profissional que se tornou uma condição depressiva, que acreditamos ser irreparável e sem salvação. Outras vezes associamos a algo intrínseco a nós, como se de uma falha ou deficiência interna se tratasse. 

Estes eventos psicológicos carregados de dor e sofrimento funcionam como asas partidas que nos impedem de voar, como quem quer dizer, que nos impedem de crescer emocionalmente e assim sonhar. 

Para podermos voar, precisamos que o sofrimento psíquico seja manifestado a nível afectivo e ideactivo, através de emoções e pensamentos experienciados, traduzidos em palavras e gestos, transformados em actos. É essencial elaborar a dor, o medo, a vergonha, a culpa ou o ressentimento associado a esses eventos, para que se proporcione a integração mental dos acontecimentos traumáticos.

Perante acontecimentos tão difíceis, a dor e os restantes sentimentos negativos fazem sentido existir pois tratam-se de respostas funcionais perante o impacto do que se passou. Em algumas situações tentamos resistir e fazemos um esforço contínuo para os evitar, achando que somos intolerantes e que estamos altamente susceptíveis para conseguir lidar com tamanha tristeza e sentimento de desamparo. O medo da expressividade destes sentimentos pode ser evidenciado não só com o evitamento, mas também com a transformação das emoções, em agressividade ou raiva.

A reacção depressiva normal e adequada perante determinado evento é um sinal de boa saúde mental, mas por outro lado, a permanência num estado depressivo pode tornar-se um quadro patológico.

Os eventos psicológicos mal elaborados e não consciencializados podem derivar de sentimentos de dependência, de solidão, de incapacidade de se auto-percepcionar como autónomo e capaz de assimilar e apreender a profundidade do sofrimento psíquico.

A reparação e reconstrução destas feridas permite-nos, naturalmente, tornar consciente que é possível voar mesmo com uma asa partida [transformada]. É necessário aceitar que esta asa faz parte de nós e é preciso compreendê-la, para que a partir desse momento, voar [sonhar] se torne algo natural. 



Dra. Fanisse Craveirinha




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