No
mito da procura do Santo Graal por Parsifal, encontramos a história do Rei
Pescador, o monarca do Castelo de Graal. Em adolescente sofreu um acidente que
lhe condicionara a mobilidade para toda a vida… O reinado estava condenado
porque o seu Rei estava ferido e, apesar de não ser capaz de morrer, também não
poderia sobreviver e fazer prosperar o seu império.
Uma profecia dizia que ele só se curaria quando um humilde inocente chegasse à
corte e fizesse uma determinada pergunta…
Este mito ainda que bastante antigo, remete-nos facilmente para os nossos
tempos modernos.
Muitas vezes somos confrontados com feridas que se tornam autênticos obstáculos
na procura do nosso Santo Graal. Podem tratar-se de doenças físicas ou mentais,
podem surgir em consequência de uma perda ou luto, pode ser um medo ou angústia,
uma separação, um insucesso académico ou profissional que se tornou uma
condição depressiva, que acreditamos ser irreparável e sem salvação. Outras
vezes associamos a algo intrínseco a nós, como se de uma falha ou deficiência
interna se tratasse.
Estes eventos psicológicos carregados de dor e sofrimento funcionam como asas
partidas que nos impedem de voar, como quem quer dizer, que nos impedem de
crescer emocionalmente e assim sonhar.
Para podermos voar, precisamos que o sofrimento psíquico seja manifestado a
nível afectivo e ideactivo, através de emoções e pensamentos experienciados,
traduzidos em palavras e gestos, transformados em actos. É essencial
elaborar a dor, o medo, a vergonha, a culpa ou o ressentimento associado a
esses eventos, para que se proporcione a integração mental dos acontecimentos
traumáticos.
Perante acontecimentos tão difíceis, a dor e os restantes sentimentos negativos
fazem sentido existir pois tratam-se de respostas funcionais perante o impacto
do que se passou. Em algumas situações tentamos resistir e fazemos um esforço
contínuo para os evitar, achando que somos intolerantes e que estamos altamente
susceptíveis para conseguir lidar com tamanha tristeza e sentimento de
desamparo. O medo da expressividade destes sentimentos pode ser evidenciado não
só com o evitamento, mas também com a transformação das emoções, em
agressividade ou raiva.
A reacção depressiva normal e adequada perante determinado evento é um sinal de
boa saúde mental, mas por outro lado, a permanência num estado depressivo pode
tornar-se um quadro patológico.
Os eventos psicológicos mal elaborados e não consciencializados podem derivar
de sentimentos de dependência, de solidão, de incapacidade de se auto-percepcionar
como autónomo e capaz de assimilar e apreender a profundidade do sofrimento
psíquico.
A reparação e reconstrução destas feridas permite-nos, naturalmente, tornar
consciente que é possível voar mesmo com uma asa partida [transformada]. É necessário aceitar que esta asa faz parte de nós e
é preciso compreendê-la, para que a partir desse momento, voar [sonhar] se torne algo natural.
Dra. Fanisse Craveirinha
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