Estando em período pré-natalício, o fenómeno das compras, designadamente para o efeito de presentes, encontra-se em alta na sociedade em geral.
Importa, assim, estarmos conscientes, o melhor
que pudermos, dos significados que atribuímos aos presentes, enquanto ofertas de um “Eu” face a um “Tu”.
Servirão para quê essas dádivas no âmbito das
relações de que fazem parte? O que comunicam? Que efeitos produzem em cada
pessoa e nos subjacentes projectos relacionais?
Por conseguinte, os presentes poderão ser “coisas” meramente
funcionais que são dadas e recebidas numa relação, com pouca compreensão do que
significam e dos seus efeitos no desenvolvimento relacional, ou poderão ser
integradas em experiências interpessoais com um amplo significado e ligação emocional, se forem compreendidas, sentidas e comunicadas para além da mera
função concreta que, enquanto “coisas”, expressam. Já não serão, assim, apenas
roupa, telemóveis, livros, televisores, consolas de videojogos…; serão,
sobretudo, manifestações compreensivas de uma relação que sobressai. Nesta
medida, essas "coisas", não deixando de serem o que são, nas suas
funções originais, são expandidas pela intersubjectividade da relação onde são
experimentadas. No fundo, tais "coisas" passam a ser veiculadas
através da dinâmica viva das emoções comunicadas e dos significados que passam
a representar nessas relações. Por exemplo, mediante a oferta de um relógio,
para quem o deu e o recebeu, poderá ser compreendida claramente a seguinte
mensagem: "o pai não se esquece do filho, mesmo no tempo em que não está
com ele", sendo que tal processo compreensivo será mais ou menos investido
e, por isso, de alguma maneira desenvolvido/modificado conscientemente ao longo
do tempo, consoante o grau de atenção, abertura e comunicação que for sendo
empregue no decurso da relação pai-filho.
Deste modo, os presentes tornam óbvia e
manifesta a ideia de um dar e receber nas relações humanas, embora, numa perspectiva
mais abrangente, estando em relação, a dinâmica interactiva do dar e receber é continuada - mesmo que seja pouco
reflectida ou consciente - para além da oferta
concreta de qualquer tipo de utensílio, objecto ou equipamento. Assim, de uma
forma global, o que se está a dar e a receber
em cada relação e em cada momento? Que pensamentos, emoções e acções estão a
ser investidos por cada pessoa na relação e quais os seus efeitos? Quais as
necessidades fundamentais e as acessórias de cada pessoa nessas relações e em
que medida estão a ser satisfeitas? Tais necessidades, e a sua maior ou menor (in)satisfação
nas dinâmicas relacionais, são comunicadas de uma forma suficientemente
eloquente ou ficam pouco compreendidas? As pessoas estarão, no fundo, mais às “claras” ou mais às “escuras” nas
relações que vão vivendo, através do que compreendem, em maior ou menor
grau, dos seus continuados dares e receberes? Estas e
tantas outras perguntas poderão fazer parte de um processo de questionamento,
mais ou menos sistemático, o qual contribuirá, certamente, para uma maior clarificação
do que está a ser vivido nas relações humanas e, nessa medida, ficará melhor
compreendido aquilo em que será relevante persistir ou alterar nessas dinâmicas
interpessoais.
Ao nível da psicoterapia, saliente-se para o propósito de
compreensão do tema deste texto, a abordagem psicodinâmica existencial do
psicoterapeuta Irvin Yalom - nomeadamente da sua obra “Os desafios da terapia”,
de 2006 - através da qual se destaca que um adequado desenvolvimento de uma
relação psicoterapêutica implica que a comunicação sobre essa relação seja o
mais aberta e transparente possível. Neste sentido, Yalom atribui muita
relevância à elucidação de como o psicoterapeuta e o paciente se experimentamrelacionalmente em cada sessão: mais distantes/próximos, mais
tensos/tranquilos, mais alegres/tristes… É, nesta medida, que a relação
psicoterapêutica é ou deverá ser transformadora: enquanto experiência em que o psicoterapeuta
e o paciente almejam uma significativa compreensão mútua de como é estar em
relação, mediante o aqui-e-agora de cada encontro psicoterapêutico. Se assim
for, assente na qualidade compreensiva da relação psicoterapêutica, o paciente
desenvolverá, progressivamente, uma maior consciência do que dá e do que recebe
em todas as suas relações; essa clareza contribuirá, certamente, para a
expressão de um modo de estar nas relações mais atento, compreensivo e assertivo,
em que as necessidades do paciente e das pessoas com quem interage serão melhor
percebidas e, eventualmente, integradas em projectos relacionais em
desenvolvimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário