quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Além de presentes… o que se dá e recebe em cada relação?







Estando em período pré-natalício, o fenómeno das compras, designadamente para o efeito de presentes, encontra-se em alta na  sociedade em geral.
Importa, assim, estarmos conscientes, o melhor que pudermos, dos significados que atribuímos aos presentes, enquanto ofertas de um “Eu” face a um “Tu”. Servirão para quê essas dádivas no âmbito das relações de que fazem parte? O que comunicam? Que efeitos produzem em cada pessoa e nos subjacentes projectos relacionais?

Por conseguinte, os presentes poderão ser “coisas” meramente funcionais que são dadas e recebidas numa relação, com pouca compreensão do que significam e dos seus efeitos no desenvolvimento relacional, ou poderão ser integradas em experiências interpessoais com um amplo significado e ligação emocional, se forem compreendidas, sentidas e comunicadas para além da mera função concreta que, enquanto “coisas”, expressam. Já não serão, assim, apenas roupa, telemóveis, livros, televisores, consolas de videojogos…; serão, sobretudo, manifestações compreensivas de uma relação que sobressai. Nesta medida, essas "coisas", não deixando de serem o que são, nas suas funções originais, são expandidas pela intersubjectividade da relação onde são experimentadas. No fundo, tais "coisas" passam a ser veiculadas através da dinâmica viva das emoções comunicadas e dos significados que passam a representar nessas relações. Por exemplo, mediante a oferta de um relógio, para quem o deu e o recebeu, poderá ser compreendida claramente a seguinte mensagem: "o pai não se esquece do filho, mesmo no tempo em que não está com ele", sendo que tal processo compreensivo será mais ou menos investido e, por isso, de alguma maneira desenvolvido/modificado conscientemente ao longo do tempo, consoante o grau de atenção, abertura e comunicação que for sendo empregue no decurso da relação pai-filho.

Deste modo, os presentes tornam óbvia e manifesta a ideia de um dar e receber nas relações humanas, embora, numa perspectiva mais abrangente, estando em relação, a dinâmica interactiva do dar e receber é continuada - mesmo que seja pouco reflectida ou consciente - para além da oferta concreta de qualquer tipo de utensílio, objecto ou equipamento. Assim, de uma forma global, o que se está a dar e a receber em cada relação e em cada momento? Que pensamentos, emoções e acções estão a ser investidos por cada pessoa na relação e quais os seus efeitos? Quais as necessidades fundamentais e as acessórias de cada pessoa nessas relações e em que medida estão a ser satisfeitas? Tais necessidades, e a sua maior ou menor (in)satisfação nas dinâmicas relacionais, são comunicadas de uma forma suficientemente eloquente ou ficam pouco compreendidas? As pessoas estarão, no fundo, mais às “claras” ou mais às “escuras” nas relações que vão vivendo, através do que compreendem, em maior ou menor grau, dos seus continuados dares e receberes? Estas e tantas outras perguntas poderão fazer parte de um processo de questionamento, mais ou menos sistemático, o qual contribuirá, certamente, para uma maior clarificação do que está a ser vivido nas relações humanas e, nessa medida, ficará melhor compreendido aquilo em que será relevante persistir ou alterar nessas dinâmicas interpessoais.

Ao nível da psicoterapia, saliente-se para o propósito de compreensão do tema deste texto, a abordagem psicodinâmica existencial do psicoterapeuta Irvin Yalom - nomeadamente da sua obra “Os desafios da terapia”, de 2006 - através da qual se destaca que um adequado desenvolvimento de uma relação psicoterapêutica implica que a comunicação sobre essa relação seja o mais aberta e transparente possível. Neste sentido, Yalom atribui muita relevância à elucidação de como o psicoterapeuta e o paciente se experimentamrelacionalmente em cada sessão: mais distantes/próximos, mais tensos/tranquilos, mais alegres/tristes… É, nesta medida, que a relação psicoterapêutica é ou deverá ser transformadora: enquanto experiência em que o psicoterapeuta e o paciente almejam uma significativa compreensão mútua de como é estar em relação, mediante o aqui-e-agora de cada encontro psicoterapêutico. Se assim for, assente na qualidade compreensiva da relação psicoterapêutica, o paciente desenvolverá, progressivamente, uma maior consciência do que dá e do que recebe em todas as suas relações; essa clareza contribuirá, certamente, para a expressão de um modo de estar nas relações mais atento, compreensivo e assertivo, em que as necessidades do paciente e das pessoas com quem interage serão melhor percebidas e, eventualmente, integradas em projectos relacionais em desenvolvimento.





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