quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Esta coisa estranha chamada D(p)islexia...





A avaliação psicológica, de um modo geral, é um processo de investigação sobre o funcionamento mental do sujeito. O funcionamento mental funciona como uma variável continua em constante mutação. Neste sentido, a avaliação psicológica transforma a continuidade da mente numa variável discreta, constituindo-se assim, enquanto corte no funcionamento mental do sujeito.

Existe uma certa analogia que se pode tecer entre a avaliação psicológica e as análises médicas em geral. Ambas servem o propósito de investigar, ambas produzem resultados diferentes consoante a condição actual do sujeito e ambas funcionam de acordo com critérios estatísticos.
A aplicação do mesmo teste a uma amostra alargada de uma dada população permite-nos construir um nível de 'normalidade'; como consequência podemos também afirmar se o sujeito se encontra abaixo, muito abaixo, acima, ou muito acima do expectável para a sua faixa etária.

A avaliação da dislexia, por exemplo, funciona de acordo com os pressupostos da avaliação psicológica no geral, tendo por objectivo a investigação. E para que seja possível estabelecer este diagnóstico é necessário que se entenda o que devemos procurar.

Falemos agora um pouco deste bicho chamado "dislexia".
A palavra dislexia deriva do grego Δυσλεξία, referindo-se a dificuldades ou a um distúrbio do processo de leitura. Neste sentido, a avaliação da dislexia deve encontrar evidência de um défice significativo na fluência e na precisão de leitura. É essencial que se obtenha por isso um nível de leitura, ou seja, devemos verificar onde se posiciona o nível da criança/adolescente/adulto, em relação a outros indivíduos da mesma faixa etária, e por tanto, nesse sentido, os testes aplicados devem ser padronizados. Encontrado o défice de leitura é necessário que se entenda o motivo do distúrbio.

Existem múltiplos factores que intervêm no processo de leitura, sendo essencial que se identifiquem quais os factores que se encontram comprometidos no sujeito, no sentido de propor uma intervenção que seja adequada.

Uma possibilidade é que o défice de leitura se deva a uma dificuldade de organização perceptiva ou de lateralização. Neste contexto o que promove a dificuldade leitura será uma distúrbio na capacidade de organizar perceptivamente o estímulo gráfico (grafema). Aqui são relativamente frequentes trocas ou substituições de letras com base na semelhança gráfica (e.g. d/p, q/d) e não na semelhança de som. Estaríamos na presença de uma Dislexia Diseidética. Uma vez que esta é uma possível explicação para o défice de leitura é necessário que sejam aplicados testes padronizados que avaliem as capacidades de organização perceptiva, coordenação mão-olho e lateralidade.

Outra possibilidade é que a dificuldade de leitura seja explicada por intervenção de um défice cognitivo. É preciso que se entenda se o défice de leitura é produto de uma dificuldade de atenção (em termos de qualidade ou de manutenção), especificamente de atenção visual, ou de memória, ou de outro qualquer tipo de função cognitiva.Se for encontrada evidência de debilidade cognitiva, regra geral, não se considera o défice de leitura como sendo produto de uma dislexia.
Este último ponto, no entanto, é controverso. Em parte porque por vezes existe um quadro de co-morbilidade entre debilidade cognitiva e dislexia, e por outro lado porque os critérios de diagnóstico da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade) e DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico), são pouco específicos quanto à origem do défice de leitura; pelo que, no contexto deste manuais, apenas interessa o problema manifesto, isto é, o défice de leitura propriamente dito.

Não obstante, a avaliação das capacidades cognitivas do sujeito dislexico é sempre fundamental. Não só porque permite investigar a origem das dificuldades de leitura, mas também porque esperamos que exista um perfil cognitivo típico da dislexia (QI's normais ou superiores à média, QI verbal inferior ao QI não-verbal, capacidades espaciais > conceptualização verbal > processamento sequencial).

De um modo geral, consideramos a dislexia como produto de uma dificuldade de consciência fonológica (dislexia disfonética). Assim, mais uma vez será necessário que sejam avaliadas as capacidades de consciência fonológica, recorrendo a testes padronizados.A aplicação de uma bateria de testes que tem por objectivo o diagnóstico e o tipo de intervenção mais adequado é fundamental para que o potencial de aprendizagem seja reposto.


Dr. Fábio Mateus
O Canto da Psicologia


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Mãe, confia em mim, vai correr tudo bem...






“Mãe, confia em mim, vai correr tudo bem! Eu estou bem, eu sei a batalha que tenho pela frente mas, do alto dos meus baixos 18 anos penso, o que é que eu tenho a perder? Se calhar por isso, pela minha inconsciente juventude e sede de vida, pela força que vem sabe-se lá de onde, é que enfrento este cancro, não como o bicho mau de que tanto se fala, mas como o bicho bom que me vai ensinar a ser mais e melhor.

Mas tu não, mãe! Tu tens tudo a perder! Tens a perder o fôlego, tens a perder cada pedaço do teu ser, tens a perder o que te faz acordar de manhã e querer enfrentar mais um dia, tens a perder o fruto de um amor imenso, tens a perder tudo que tens na vida, a tua única e amada filha!

Podes chorar, não precisas de te esconder de mim. Podes falar ao pé de mim sobre o que vais sabendo sobre a minha doença. Sobre o pouco tempo de vida que os médicos dizem que posso ter… e que eu sei que é verdade, mas em que opto por viver como se não o soubesse. Podes falar com os meus amigos à vontade, eles, agora, fazem parte da tua família, fazem parte do pelotão que comigo combate nesta guerra desleal. Se eu penso positivo, se eu estou tão envolvida com a cura e “entretida” entre sacos de quimioterapia, períodos de sonolência, períodos de melhoras em que tento sugar todo o tutano do mundo… tu só tens pela frente o medo de perder o melhor de ti! Como é que vais lidar com os sentimentos de medo, amor, culpa, raiva, tristeza, dor, angústia e morte, que te assolam a mente a cada segundo de respiração? Acreditar para mim é mais fácil, mal tenho tempo para pensar, o relógio do tempo passa tão depressa e envolve tantos episódios, dos bons e dos maus, dos que surpreendem e dos que assustam, que nem me apercebo que pode correr mal. Para ti, por mais que seja o que mais queres, acreditar é um esforço, uma coisa que quem foi atropelada assim de repente com a notícia de poder perder o coração que tem fora do seu corpo, tem de se forçar a fazer todos os dias.

Não tens de ser a super mulher, a que conduz todo este comboio cheio de carruagens sozinha, basta seres a super mãe que tens sido até agora, a que não se importa de falhar, a que se permite a chorar mesmo que seja à minha frente, a que pode partilhar comigo os receios, as preocupações, todas as “galinhices” de mãe… e a que pode pedir ajuda para caminhar!

Quando eu estiver boa, quero que tu também estejas! Quero que estejas preparada para comemorar comigo esta taça da champions league da vida! Quero que consigas saborear, sem mais medos, sem estares sempre no sobressalto em que agora te sinto.

Lembras-te do dia em que tivemos a notícia…a Drª Sónia esteve lá, foi ela que me ajudou a ver a luz ao fundo do túnel, a manter o meu sorriso e a minha confiança e é ela que está presente cada vez que me sinto a quebrar… Acho que devias também encontrar o teu porto seguro, aquela que te ajudará a desvendar os segredos, a trabalhar os teus medos e a olhar para o futuro com olhos de quero mais! Sim, mãe, uma Psicóloga! Vais ver que te vais sentir melhor! E eu preciso de ti melhor!”


Sofia, 18 anos, doente oncológica