quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Natal num turbilhão de emoções...

 



Podia escolher, exclusivamente, escrever sobre a beleza do Natal, as luzes, as canções, a alegria da partilha, a gratidão e o amor que, sem dúvida, caracterizam esta época festiva. Mas o fim do ano carrega nele, igualmente, uma série de balanços, sendo que podem ser vividos por uns tranquilamente, mas por outros, gera ansiedade consoante, a estrutura de personalidade, assim como, os acontecimentos, experiências que foram ou estão a ser vividas.

Nem sempre o Natal é um conto de fadas, o natal pode enaltecer a solidão mais do que o sentimento de união, partilha. As saudades, de quem já não está, do que foi, as lembranças e a nostalgia, traduzem e identificam estas épocas.  Reflexões sobre o que concretizamos emergem. O que desejamos para o ano que está a terminar, foi realizado? Conseguimos avançar, evoluir? Parece que há uma certa exigência, mais do que nunca, para fazer mais e melhor e ter “obrigatoriamente “de atingir resultados, ter sucesso, vencer, mas a vida, por vezes, não é só feita de celebrações permanentes, existem alturas em que somos colocados, em situações delicadas e, geralmente, não estamos à espera do que nos pode acontecer, neste momento, instalasse a frustração e a desilusão. Esta pressão que, de certa forma, foi incutida pela sociedade, de estarmos sempre bem, no nosso melhor, é impossível e, até doentio estarmos “sempre bem”, há alturas difíceis, desafiantes, existem momentos duros, nem sempre tudo é um mar de rosas. Viver é uma soma de desafios, superações, algumas conquistas e bons momentos.  De facto, como encaramos esses períodos difíceis, que às vezes, duram meses e anos, vai fazer toda a diferença.

 Assim sendo qual é a chave? Como devemos superar os momentos duros, como lidar com essas emoções de ansiedade, medo, tristeza, quando estas se tornam avassaladoras? Só existe uma forma é aceitar, porém essa aceitação não vai ser imediata, uma vez que a fase do luto assim obriga, a processar no seu devido tempo, mas sem dúvida que ignorar, negar, as nossas emoções, não é de todo o caminho certo e, apenas leva a mais dificuldades. Ter consciência e distinguir, o principio da realidade, da fantasia, compreender pensamentos não são verdades, pode ajudar no processo. A psicoterapia tem aqui um papel fundamental para poder catalisar, todo este caminho de orientação e de auto-regulação.

É muito comum socialmente ouvirmos: “não chores, controla-te, não tenhas medo, não fiques assim”, mas isto só acontece uma vez que, a maioria das pessoas aprende, desde cedo a rejeitar as emoções mais intensas e, esse ignorar, só piora a situação. Temos de aceitar que somos humanos, vulneráveis, sim, por vezes caímos, estamos tristes, zangados, frustrados, faz parte do nosso constante processo de crescimento. Embora na altura, em que vivemos os momentos difíceis, seja difícil de aceitar, vamos acabar por aprender e ganhar maior sabedoria sobre o que nos rodeia.

 A vida irá nos colocar à prova, qual é o tamanho do seu amor próprio? Qual é o seu auto diálogo, amoroso ou critico? O nosso lado mais sombrio, deve ser integrado e amado, igualmente, tal como todas as nossas outras facetas, não está errado sentir zanga, tristeza, ansiedade, faz parte, é natural, não diz nada sobre o que somos, as emoções não são boas nem más. As emoções, na realidade, são todas boas, necessárias e fundamentais para o osso equilíbrio, homeostático, psíquico, somente a intensidade com que são alimentadas, pelos nossos pensamentos é que pode gerar perturbações. Assim sendo até felicidade a mais, pode ser negativa, uma vez que leva à ingenuidade, ausência de prudência.

Deste modo permita-se, a ser o que tiver de ser hoje, sem ter de refletir no que podia ter atingido mais, às vezes, só estar presente e conseguir desfrutar do agora, é já extraordinário, conseguir, apenas, aproveitar os pequenos momentos, pequenas coisas do dia a dia, já é fazer imenso. Até só estar agora, a ultrapassar o momento desafiante, já é um ato de coragem que deve ter orgulho, é válido, é importante, mesmo que não esteja sempre a fazer “coisas” que a sociedade impõe.

Numa era cada vez mais narcísica, há uma ditadura da perfeição instaurada, como se fosse tudo contabilizado, cronometrado sobre o que ter, o que fazer? Nesta azafama, agora também, do natal esquecemos de estar apenas de corpo e alma no presente, com quem amamos, em família, termos foco, somente, no que nos rodeia agora. Podemos atingir mais? Penso que estar aqui é viver este desafio, mas não esquecer do mais importante, que é ter tempo para divertir, brincar e não levar tudo com tanta seriedade, que lhe escape o que realmente importa. 

 

Mafalda Leite Borges - Alcochete

Canto da Psicologia



sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Um Conto de Natal...

 



“Um Conto de Natal” talvez seja um dos clássicos que mais fazem parte do imaginário cultural do ocidente europeu nesta época. Quando uma obra de 1853 atravessa dois séculos e se mantém viva na nossa história é caso para perguntarmos em que é que ela nos toca, na nossa humanidade, que transcende períodos sociológicos tão distintos. Em muitos aspetos, estamos longe do ambiente de Londres do século XIX.  

No conto de Charles Dickens, o personagem principal, Mr. Scrooge, um homem caracterizado como ávaro, egocêntrico, e rude com os outros, um homem só, é visitado, durante a noite, por três fantasmas, o do passado, o do presente e o do futuro.

O fantasma do passado leva-o a recordar-se de partes significativas da sua história, partes de privação e de dor, de uma vulnerabilidade que ele já não conhecia, tão distantes que nem parecia ele mesmo, e que, para o espectador, humanizam este personagem, permitindo compreendê-lo melhor e atribuindo outro tipo de significados às suas atitudes e comportamentos. O fantasma do presente mostra-lhe outras versões da realidade, a vida do funcionário que ele despediu, as agruras pelas quais a sua família passa, e as consequências da sua atitude na vida desta família. Esta é, também, caracterizada de forma bastante estilizada, a família pobre, mas recta e afetuosa. O Mr. Scrooge fica, genuinamente, surpreendido. Mesmo que pudesse ter uma noção de tais dificuldades, o fantasma trouxe-lhe um olhar diferente, a cores, um olhar já um pouco mais esclarecido, também, pelo fantasma do passado. O fantasma do futuro mostra-lhe, por sua vez, o que será o seu fim de vida se continuar no mesmo curso, um fim solitário e sem paz. Dá-se conta do que é o seu próprio presente, solitário, agora com um outro olhar, enriquecido por outras possibilidades e por outras vontades. Quando acorda desta experiência, quase por magia, muda, torna-se uma pessoa a cores, mais generosa, mais afetuosa, que abraça o espírito de Natal.

Naturalmente que há outras leituras deste conto, designadamente morais, mas não estamos interessados nelas. Interessa-nos, particularmente, a possibilidade de mudança. Neste Conto, esta é facilitada por 3 fantasmas. Serão as/os psicoterapeutas fantasmas do passado, presente e futuro? Somos, todos, potencialmente, um Mr. Scrooge ou o funcionário que ele despede? Espero que não! Mas todos temos os nossos“fantasmas” e na psicoterapia vamos conhecendo uns e outros, revisitando e reconstruindo as versões do passado, do presente e do futuro, a possibilidade de mudança está nesta análise e nesta experiência.

Na época em que nos encontramos interessa-nos, muito, esta idealização do espírito de Natal, que banha as famílias de generosidade e afecto. Uma imagem estilizada do Natal à lareira com a qual confrontamos a nossa própria experiência. A minha família não éassim...porquê?... mas eu gostava que fosse.... um dia será.... Os “fantasmas” não aparecem nos anúncios de TV e, evita-se, a todo o custo, que apareçam na festa. Mas, precisamente pela simbologia da época, precisamente nesta altura, estão bem ativos. O Natal é bom, mas também pode ser difícil. E não ajuda termos como horizonte aquele Natal estilizado. Pode ser melhor, sim, também podemos ser melhores, mas não tem de ser perfeito, mais vale ser autêntico.



Drª Ludmila Carapinha - Lisboa

O Canto da Psicologia



segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Desmistificando a Saúde Mental...

 


Cada vez mais aceitamos como importante a Saúde Mental e cada vez mais ganhamos tempo e (auto)conhecimento ao pensarmo-nos. Felizmente aumenta o número de pessoas que procura ajuda quando assim o acha e sente importante. A procura não poderá e nem deverá ser apenas baseada nos mitos que, ainda hoje, se fazem acompanhar em alguns pensamentos.

 Procuramos dar a conhecer a (verdadeira) realidade e combater a descriminação que ainda existe na Doença Mental.

 MITO : A doença mental só surge em pessoas com menos capacidades!

Como sabemos as doenças mentais resultam de um conjunto de vários factores como os ambientais, sociais, biológicos e psicológicos. Podemos todos estar sujeitos a uma combinação da doença mental.

 -  MITO: As pessoas com doença mental são violentas!

Na maioria das situações são as pessoas que não são afectadas por psicopatologias que tendem a ter receio das outras que têm a saúde mental comprometida. Contudo, a maioria das pessoas que sofrem de doença mental não são mais violentas do que a restante população.

 MITO A doença mental não afecta qualquer um.

A doença mental poderá afectar qualquer um de nós. É sabido que existem factores de maior ou menor risco, contudo não são exclusivos ao desenvolvimento da psicopatologia.

 MITONão há tratamento para as pessoas com doença mental.

Algumas das psicopatologias podem não ter cura, uma vez que, são de cariz estrutural, contudo podem existir tratamentos. Um dos maiores e mais importante será o acompanhamento psicológico.

 MITO: A psicoterapia é uma perda de tempo.

A psicoterapia é o caminho para o ser humano alcançar maiores níveis de autoconhecimento, autocontrolo, gestão afectiva. Não existe qualquer contraindicação na Psicoterapia.

 



É tempo de pensarmos numa sociedade integrativa para todas as pessoas. Nem sempre compreendemos o Outro e, muitas vezes, por desconhecimento das psicopatologias existentes, rapidamente caímos em rótulos. As pessoas não são categorias e são precisas ser pensadas na sua totalidade e livres de mitos e preconceitos.




Drª Inês Almeida - Alcochete

O Canto da Psicologia



sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A escuta… n(d)o silêncio

 


 

“É em silêncio que melhor se ouve o que vem de fora e o que nos vai por dentro; é de silêncio a reflexão sobre o que já se aprendeu; é o silêncio que se interpõe entre as palavras que lhe empresta o valor mais significativo do discurso.”

(João dos Santos)

 

A escuta terapêutica, pode dizer-se, vai para além da escuta das palavras. Quando alguém faz “um pedido de ajuda” transmite normalmente com as suas palavras a urgência de uma compreensão. Não raras as vezes após uma primeira consulta, o paciente se questiona sobre a necessidade dessa mesma compreensão, quase como se um possível alívio sentido num primeiro encontro (terapêutico) o fizesse questionar sobre a veracidade dessa mesma compreensão – será que vou ser verdadeiramente compreendido? como poderá esta pessoa ajudar-me se já lhe disse tudo o que me preocupa?

Voltando ao pedido de ajuda e ao seu significado, será interessante pensar-se sobre o que é dito com as palavras, mas também com o tom, com a sua musicalidade. Um pouco como acontece na díade mãe-bebé, onde a voz da mãe coloca legendas no sentir do bebé, também na relação terapêutica se vai dançando ao som da música. Nesse sentido o lugar do psicoterapeuta é (também) o lugar da escuta e da espera. O silêncio, por vezes ensurdecedor, pode dar lugar e voz à escuta do espaço interno do paciente, permitindo a livre expressão do eu. A relação terapêutica, à medida que se torna um espaço seguro e de confiança, funciona como um terreno fértil, dando condições ao desenvolvimento e crescimento mental.

            Quando alguém nos narra uma história ou fala sobre um acontecimento, geralmente vai articulando o seu discurso com o som, as pausas, a linguagem que melhor descrevem (fazem compreender) o que se quer transmitir. É esta interpretação que ajuda a dar significado ao vivido. Curiosamente, é um pouco aí que reside o entendimento face à questão “será que vou ser verdadeiramente compreendido?”. Digamos que enquanto a voz do paciente não é suficientemente audível para expressar aquilo que apenas é potencialmente expressável, que o psicoterapeuta lhe empresta, com o seu silêncio, a sua voz (João Pedro Dias). São as qualidades do psicoterapeuta - calma, serenidade, vitalidade, constância, genuinidade, segurança, indestrutibilidade - (João Pedro Dias) que refletidas no silêncio permitem ouvir a voz do paciente e dar espaço à verdadeira compreensão, por parte do outro e interna. A escuta no silêncio funciona metaforicamente como um “empréstimo” de voz, como se ao ficar em silêncio, o psicoterapeuta pudesse (com as suas qualidades) complementar a voz do paciente, dando-lhe significado. Sabemos que a palavra e a interpretação são elementos essenciais na psicoterapia, mas também a qualidade do silêncio, na medida em que possibilite o encontro da díade paciente – terapeuta. E é neste sentido que a relação terapêutica é diferente das outras relação, eliminando ruídos e facilitando o acesso ao simbólico da palavra, mas também do silêncio.


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia 

  

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A série de todas as séries...

 



Nos últimos dias tornou-se inevitável abordar este tema, pelos mais diversos motivos e não pelos melhores motivos… o tema envolve a série Squid Game e, por consequência, o tema envolve igualmente várias outras séries, filmes e jogos que são vistos e jogados por crianças e adolescentes antes da idade indicada para tal, devido à violência a que são expostos.

Comecemos então pela série em questão, que está a ter um enorme foco por toda a comunicação social, em diversos países do mundo. Trata-se de uma série que foi lançada há pouco tempo e que atingiu rapidamente um número de visualizações muito elevado, infelizmente visualizações estas realizadas, na grande maioria, por crianças e adolescentes com idade muito menor à recomendada. Referimo-nos a algo com um conteúdo extremamente agressivo, violento, tanto física como psicologicamente, claramente com uma mensagem implícita por trás, que para adultos essa mensagem poderá ser interessante e até importante, mas que para adolescentes não será compreendido dessa forma e muito menos o será por crianças.

As “provas” de que estamos perante um perigo a nível comportamental, para quem vê esta série, são as notícias que têm surgido, que em nada surpreendem, sobre crianças a replicar nos recreios das escolas o que viram na série. O que nos remete para brincadeiras extremamente violentas e, consequentemente, perigosas a vários níveis.

Tudo isto pode levar-nos a alguns pontos para discussão. Podemos começar pela idade indicada como referência para se ver uma série/filme ou jogar determinados jogos. Esta referência não é colocada aleatoriamente, esta referência é colocada com base em critérios específicos e, por isso mesmo, não deve ser ignorada. Este é o principal problema observado atualmente, o ignorar desta referência, o ignorar da parte da maioria dos pais… Se pode ser difícil o dizer “não” quando o argumento é “mas todos os meus colegas viram”? Pode! Mas também pode ter consequências ceder a este argumento? Pode!

Esta nova série é apenas mais um exemplo, do quanto os jovens atualmente estão a ser expostos a algo totalmente desadequado às suas idades. A problemática aqui foca-se na agressividade excessiva que está presente nos conteúdos apresentados e que, inevitavelmente, se refletem no comportamento.

Neste texto o objetivo é alertar para o que estamos nós, enquanto sociedade, a permitir que os nossos jovens tenham acesso, sem que ainda tenham as devidas capacidades desenvolvidas para assimilar a informação que consomem. Existem diversas fases do desenvolvimento, pelas quais todos passamos e cada uma delas vem com a aquisição de capacidades e conhecimentos. E quais são as consequências de dar informações aos jovens antes dessas capacidades estarem totalmente sedimentadas? Assimilar de forma errada, percecionar o que veem de forma errada e adquirirem comportamentos com base no que assimilaram, que muitas das vezes se reflete em comportamentos agressivos, por ainda estar a ser construída a capacidade de lidar com o emocional. Quais poderão ser os impactos a nível social e emocional? Incapacidade de lidar com a frustração sem aceder à violência e incapacidade de estabelecer ligações emocionais contentoras e coesas, são apenas exemplos.

Importa assim respeitar o caminho das etapas de desenvolvimento das crianças e adolescentes, não lhes oferendo ferramentas que ainda não conseguem utilizar da melhor forma e para as quais ainda não têm competências emocionais de gerir e aplicar.

 

Drª Rita Rana

O Canto da Psicologia – Lisboa


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Crianças violentas...

 


 

A morte de um jovem de 23 anos à porta de uma discoteca no Porto provocada por outro jovem de 21 anos fez-me pensar neste titulo, escolhido há 2 anos atrás para a 5ª Jornada de estudos do Instituto Psicanalítico da Criança em Paris.

 A agressividade na criança e no jovem pode ser uma chamada de atenção ou uma tentativa de afirmar a sua singularidade, a sua vontade, face às regras e limites impostos pelos adultos (pais, professores, etc). Neste caso estaríamos no registo do simbólico e falaríamos de acting-out, um ato inconsciente que se realiza para um Outro, para poder passar uma mensagem que não se consegue exprimir de outra forma, através da palavra.

 As passagens ao ato, pelo contrário, como parece ser aquela que vitimou Paulo Correia no Porto, escapam ao simbólico, à palavra. Esta noção designa atos violentos, auto ou hetero agressivos e frequentemente impulsivos. A tentativa de encontrar uma causalidade para estes fenómenos de violência é muitas vezes infrutífera pois trata-se de uma irrupção isolada de qualquer tipo de discurso ou diálogo possível. Falamos da violência gratuita que tem como satisfação o simples ato de destruir, de sair de cena, sem causa nem mensagem dirigida a alguém.

 A questão que eu gostaria de abordar, orientada por um texto de Jacques-Alain Miller escrito para a referida jornada de estudos, é como podemos integrar esta violência num discurso simbólico.

 Miller fala de uma posição terapêutica afetuosa e de contra-violência simbólica, em que se tentaria ajudar a criança/jovem a encontrar palavras para expressar a sua agressividade, a (re)construir uma defesa contra eventuais episódios de irrupção da violência, e a reparar um eventual defeito na sua capacidade simbólica.

 Não se trata de impôr um determinado significado ou de corrigir comportamentos através de uma técnica igual para todos, mas de ouvir o que a criança/jovem tem a dizer sobre a sua violência e agressividade, sobre o que a desencadeia, sobre o sofrimento que lhe provoca. Quando esta violência encontra um lugar para ser abordada, pode revelar-se uma força frutífera para a criança.

 J-A Miller alerta-nos para o perigo de ficarmos colados a uma visão determinista da criança/jovem que muitas vezes é veiculada no ambiente familiar, escolar e social desde muito cedo - “agressivo”, “violento”, “destruidor”. Defende igualmente que nem toda a violência é errática e que é necessário respeitar e dar lugar a uma revolta que pode ser saudável, em alguns casos.

 

 

Drª Rafaela Lima

O Canto da Psicologia - Braga


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Reinicio… Fim de férias… Início de aulas… Inocente mês de Setembro

 


Curioso o mês de Setembro, mês nove de um ano, mas de meio ou fim pouco tem. Não?! Se calhar, fim de ciclos…

Bem, para alguns, um mês de início de aulas, contemplando novo ano lectivo, logo, reajuste de horários, nova gestão familiar, o que se assemelha a um Reinício de ano, não?!

«As questões.. tão bom, as eternas questões. Tão bom existir espaço para nos questionarmos, pensarmos além da funcionalidade a que o dia a dia exige.»

Estamos a acabar Setembro, e deparo-me com a ideia de reinício, de reorganizar agendas e tempos.

Reinício, um tempo que maioritariamente adoro, pois mesmo carregado de angústias e medos do recomeço, cheira a mudança e novas oportunidades.

Já pensaram nesta relação?! Na relação criança e adulto? Como tem peso a época de inícios de anos lectivos escolares no mundo dos adultos.. Como repensamos e temos que gerir tudo, mesmo quem não tem filhos nem é professor. Curioso serem os adultos a gerir a vida dos menores e depois, se analisarmos bem…, é, é mesmo uma co-dependência. A constituição de uma sociedade, o mundo das relações. Por mais que nos sintamos e sejamos todos diferentes, existem sempre ligações, e por mais minúsculas que estas sejam, existem, e temos que cuidar dessa existência. Não por mim, mas pela sociedade, por cada um.

Por estas, e o peso de todas estas, estou eu, está esta equipa, com base no cuidar da saúde mental do outro, tendo por base o respeito e a individualidade de qualquer pessoa.

Por isso, olha em torno de ti, olha à tua volta e vê, empatiza e simpatiza, pois o recomeço tem que ter sempre lugar, e nele podes sempre ser uma melhor pessoa.

 

                    Sentir, é o princípio de um acordar,

                    Emotividade, é o que nos torna de uma beleza imensa,

                    Tempo é o que mais nos limita,    

                    Eterno é somente a saudade.

                    Belo, é cada momento vivido com prazer, e empenho.

                    Romance.. esse é o que consegues fazer com a junção do sentimento, emoção e tempo

                    Ouve, olha, observa, ama.

 

Drª Margarida Espanca - Lisboa

O Canto da Psicologia



 


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Um elogio aos profissionais de saúde...

 



O momento em que o mundo paralisou, era março de 2020 quando, o cada vez mais falado corona vírus ou covid-19, estava em alerta máximo pela OMS, que afirmavam ser certo, que estávamos perante uma Pandemia, que o vírus era muito perigoso e altamente contagioso. Ficamos todos perplexos e a humanidade parou, o medo instalou-se de forma inevitável, o desconhecido, a associação à morte, à doença, ao sofrimento. Os telejornais e meios de comunicação, apenas davam notícias sobre o vírus e a Pandemia de forma obsessiva, dados constantes e diários sobre os números de infetados, recuperados, óbitos e em internamento, passou a ser o novo normal, assim como, falar sempre de doença e estar no meio da doença, com mascaras a evitar o contacto humano. Saiamos de casa com medo, a simples ida ao supermercado, era feita com estranheza, ate que os confinamentos se tornaram obrigatórios para todos, menos os profissionais essenciais, de bens essenciais, forças de segurança e claro, profissionais de saúde.

Só mesmo quem trabalha na saúde, sabe a dificuldade que foi vir trabalhar, o medo de poder contagiar os familiares, quem mais amamos, de ser fonte de contágio para os outros, uma vez que estávamos expostos ao público e essa realidade podia acontecer. O ambiente na saúde era intranquilo, aflito, embora o desejo de ação e de, por missão, proporcionar todo o melhor que podíamos, para a comunidade e para os utentes, estava sempre presente como motivação principal, apesar de tudo. A responsabilidade do nosso trabalho, das horas a mais, dos fins de semanas perdidos, de toda a nossa dedicação para, quer no caso de os cuidados hospitalares salvar vidas diretamente, quer no caso dos cuidados de saúde primários salvar vidas, por via da prevenção, testagem, vacinação e controlo da saúde pública, que evita a propagação continua e massiva da doença, através das vigilâncias ativas, análise dos contactos imensos, registro constante e avaliação do doente e de todos os contactos diariamente.

Foram tempos de incertezas, angústias, os números de mortos subiram e os profissionais de saúde, incansáveis à procura de promover mais saúde, proteção, sempre na busca de ajudarem da melhor forma todos, mais do que nunca foram peças essenciais, para permitir que pudéssemos sobreviver a estes tempos difíceis, com ajuda fundamental da vacinação, outra valência da saúde, que resulta de um esforço incalculável dos profissionais e que devemos estar muito gratos.



 A área da saúde esteve a sentir na pele todos estes desafios, os profissionais estiveram, sem dúvida, à altura de uma enorme crise sanitária global como só há 100 anos se assistiu (gripe espanhola), foram incansáveis na sua conduta, na sua luta diária, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de RX, técnicos superiores, técnicos de análises clinicas, fisioterapeutas, terapeutas, psicomotricistas, administrativos, assistentes operacionais, assistentes de higiene, seguranças, gestores rh, todos estiveram unidos, todos foram e são importantes no combate à Pandemia covid-19.  

Os psicólogos clínicos, psicoterapeutas, psicanalistas e psiquiatras, passaram a ser um recurso ainda mais essencial, uma vez que a saúde mental estava a ser posta em causa, aumentaram os pedidos de apoio psicológico, inúmeros movimentos de psicólogos, psicoterapeutas, emergiram no sentido de proporcionar esse acompanhamento fundamental, numa autentica onda de solidariedade e empatia

O impacto psicológico da crise sanitária, está ainda a ser avaliado, inúmeros estudos científicos estão a decorrer, para que se possa analisar de forma minuciosa, longitudinal, todas as consequências psicológicas, desta pandemia, mas como psicólogos sabemos que a seguir à crise, pode surgir a perturbação de stress pós-traumático, que muitos poderão estar a vivenciar, de forma mais ou menos grave, consoante as patologias que preexistiam à pandemia.

Neste sentido, o cuidado psíquico, a vontade de procurar compreender as origens das nossas emoções mais angustiantes, através da sua aceitação, proporcionou a procura do autoconhecimento na psicoterapia, de forma que a higiene mental pudesse estar a par com a higiene sanitária.

Este texto foi escrito no passado e não foi por acaso, dado que constitui um desejo, que a Pandemia seja já parte da história da humanidade e que, acima de tudo, possamos continuar a sair deste período com mais sabedoria, cooperação, gratidão e empatia. 

 

 Mafalda Leite Borges

Canto da Psicologia


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Continuando a falar de Bullying...

 



 

Na realidade do Bullying focamos sempre nas vítimas. Mas, e os bullies? Que perfil de personalidade têm? Quais os fatores que podem provocar que se tornem agressivos para com os outros?

 Não nos podemos esquecer que por detrás de qualquer ação, existe uma razão. Lógica ou não, saudável ou não, existe sempre. Quem provoca situações de bullying, não deixa de ser criança ou adolescente (ou mesmo adulto) e se o faz é porque algo se passa. E é aí que há que compreender, avaliar e intervir.

Sabemos que uma criança ou adolescente que seja autor de bullying, espera sempre que seja feita a sua vontade, que gosta de sentir o poder, mas também que não se sente bem na interação com os pares, que pode estar a ser intimidada na escola ou na família, que pode estar a ser frequentemente humilhado por adultos ou que vive sob pressão para que seja sempre bem sucedida.

 Vários estudos apontam para diferentes fatores que podem levar a que uma criança ou adolescente se torne um bullie:

-  um dos fatores apontados é a auto-estima. O ressentimento, o ciúme, a vergonha podem ser escondidos com a agressividade. O facto de as crianças ou adolescentes serem frequentemente ofendidos ou criticados pode levá-los a usar a agressividade como ferramenta para se defenderem. Ao humilhar os outros, sentem-se com poder. Intimidam porque eles próprios se sentem intimidados;

- outros fatores de risco são a depressão ou as perturbações da personalidade. A conjugação de traços anti-sociais da personalidade e depressão pode provocar atitudes hostis, de raiva, o uso da força para com os outros;

- uma predisposição genética ou uma anomalia cerebral também podem causar os comportamentos de bullying. Existem crianças que não desenvolvem as capacidades neuronais para a regulação e controlo emocional;

- os grupos de pares também têm forte influência nestes comportamentos. Se parte dos elementos do grupo se envolverem em situações de humilhar e insultar os outros, todos terão tendência a fazer o mesmo, para se sentirem incluídos, para satisfazerem a necessidade de pertença e aceitação;

- o ambiente familiar é um dos aspetos mais fundamentais. Em situações de desequilíbrio emocional da família, da falta de afeto, de respeito, de comunicação pode levar uma criança ao isolamento, à falta de empatia para com os outros, à procura de aceitação e aprovação junto dos pares, praticando estas atitudes de poder.

 

O papel da Psicoterapia é fundamental nestas situações, tanto junto das vítimas, como dos bullies. Os autores das situações de bullying apresentam um desequilíbrio emocional que pode ser tratado com a ajuda da terapia. Estas crianças e adolescentes não deixam de estar em sofrimento e sem controlo das suas ações porque estas alimentam a fraca auto-estima que têm.


 Não deixe de procurar a ajuda da Psicologia caso situações de bullying existam na vida dos seus filhos seja este o bullie ou, a sua vítima. 

 

Dra. Irina Morgado

O Canto da Psicologia



quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Tudo o que a nossa mente é capaz de construir...

 



O início de um processo Psicoterapêutico traz consigo muitas expectativas, idealizações e questões.

Quando imaginamos ir ao Psicólogo, muitas vezes, esperamos uma alteração de comportamentos ou do fluxo de pensamento rápido e imediato; muitas vezes esperamos respostas diretas  por parte do Psicólogo que nos acompanha.

A função do Psicólogo é acima de tudo ajudar a pensar e a compreender-nos. Ajuda a transformar pensamentos, ajuda a pensar sobre nós próprios, sobre as experiências pessoais, as emoções, os pensamentos, os comportamentos, os desejos, as fantasias, as idealizações: tudo o que a nossa mente é capaz de construir. É com esta pessoa que não tememos ser verdadeiramente sinceros e transparentes, com quem podemos partilhar o que nunca partilhámos: dúvidas, crenças, pensamentos, inseguranças, fragilidades. Uma certeza podemos ter: a pessoa que nos ouve e está à nossa frente não vai julgar nem condenar; vai acolher, escutar ativamente e abraçar as nossas palavras e emoções, cumprindo sempre os princípios éticos da privacidade e da confidencialidade.

 

Quanto às respostas..? Bom, elas surgem no decorrer do processo terapêutico. O aumento da capacidade de nos pensarmos, as questões que vão surgindo e o entendimento de tantas outras vão abrir caminho para as respostas ou alterações procuradas.

 

Acrescentamos ainda a importância da pergunta: muitas vezes pretendemos encontrar uma resposta a um porquê e existem muitas mais interrogações que podem e, quem sabe, devem ser colocadas! No fim de contas o aumento do autoconhecimento e do bem-estar emocional são os objetivos últimos e nem sempre advém de uma resposta direta mas sim de uma associação de pensamentos trabalhados e devolvidos em setting terapêutico.

 

 O Psicólogo é quem que ajuda na compreensão das necessidades, dos padrões que vivemos e adoptamos. Alguém que nos ajuda a pensar e a questionar o que antes não era questionado, tendo sempre como finalidade o bem-estar emocional.

 

 Drª Inês Almeida

O Canto da Psicologia




quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Meu querido mês de agosto...

 


Lá fora nem todos os dias nos parecem que estamos em pleno verão. Por vezes quase parece necessário olhar para o calendário, pois na verdade os dias estão cada vez mais “bipolares”. Ainda assim, por enquanto os meses do ano mantém-se iguais, e sendo assim aqui estamos nós no mês, que para muitos, é de pausa.  Geralmente, nas férias de verão o clima quente e seco convida-nos a “acalmar” e abrandar o ritmo das rotinas habituais. Mas um pouco como noutras situações, onde as desculpas estão ao virar da esquina, que não nos sirvam os dias, por vezes, frios e chuvosos do verão como desculpa para não ficarmos mais “molengas” e serenar o ritmo (muitas vezes alucinante). Com isto não se quer dizer ficar molenga para a vida, mas talvez reencontrar-se com tantas coisas que ficam sempre para amanhã (sem ordem de preferência!) – descansar, brincar, dormir, abraçar… Por outro lado, também sabemos que não é apenas o facto de termos mais tempo para descansar ou estar com quem se gosta que o consigamos fazer. É precisamente quando estamos verdadeiramente em contacto com os outros (e connosco) que nos damos conta de imensas coisas que muitas vezes nos passam um pouco ao lado. No querido mês de agosto podemos também vivenciar as saudades expressas no regresso dos emigrantes ao seu país. A nostalgia daquilo que “fica para trás” quando se viaja para outro país, parece ganhar outra cor e brilho quando se pode reencontrar família e amigos. Os bailes de verão, as sardinhadas, o pôr do sol à beira mar, agora tudo isto ainda um pouco em suspenso, seriam o pano de fundo de algo que muito se sentia falta – estar em festa com a vida, melhor dizendo ter um espaço físico e mental para estar com o outro.

 


Simultaneamente, as férias representam também o parar para depois recomeçar – a escola, o trabalho, a psicoterapia – o que simbolicamente nos pode remeter para a capacidade de guardar dentro de nós as pessoas e as relações. Durante um processo psicoterapêutico a relação que se desenvolve na díade terapeuta-paciente, permite ativar e pensar uma série de sentimentos que existem também nas outras relações pessoais e profissionais. Assim, o momento das férias na terapia pode também evocar sentimentos de algum mal-estar, e eventualmente sensações de angústia e abandono. Freud (Inibição, sintoma e ansiedade, 1926) descreve a angústia como um estado de insuficiência psíquica do ego, frente a um perigo que o ameaça, despertando assim a sensação de desamparo biológico e psíquico, sentido habitualmente pelo bebé na ausência da mãe. Naturalmente que as separações, por muito pequenas que sejam podem evocar este tipo de sentimentos, mas podem também simbolizar a possibilidade do reencontro e da permanência do outro (dentro de nós). Este movimento de ir e voltar, e consequentemente do saber que por se estar separado do outro ele não desaparece é essencial para que se possa desenvolver a segurança e autonomia.

O regresso, tal como as férias, pode ter um sabor um pouco agridoce, mas permite criar uma sensação de continuidade e extensão da vida mental.

«“Não te vais esquecer de mim, pois não?” É o que perguntamos todos quando nos despedimos da pessoa amada, pois esse é o certificado de que somos amados e a garantia de que não seremos abandonados.»

(Coimbra de Matos)

Por enquanto, ainda em agosto, o convite feito é ao dolce far niente (Locução italiana que exprime o ideal da ociosidade despreocupada, dicionário Priberam), com a segurança do desejo do reencontro.

 Até já!


Drª Ana Cordeiro - Braga

O Canto da Psicologia



quinta-feira, 29 de julho de 2021

O óculo das redes sociais...

 



Foi na passada semana que a Ordem dos Psicólogos Portugueses abordou o tema body shaming que, tal como foi descrita, “é uma forma de agressão que envolve criticar ou humilhar alguém através de comentários negativos e depreciativos acerca do corpo ou aparência física”. Este é um tema que está presente nas vidas de todos nós, direta ou indiretamente, seja porque nós próprios somos/fomos atingidos por este “fenómeno”, seja porque conhecemos familiares ou amigos que o foram ou continuam a ser. Fenómeno este que aumentou, e continua a aumentar, com a chegada das redes sociais que também, mais uma vez de forma direta ou indireta, estamos todos envolvidos, alguns mais, outros menos. Fenómeno este que é feito através da crítica a outra(s) pessoa(s), mas também da autocrítica.

Foi neste sentido e pegando neste tema, que achei importante abordar a influência (negativa) que as redes sociais podem ter nas nossas vidas e que vai, infelizmente, muito além de “apenas” body shaming. As redes sociais dão-nos, diariamente, informações sobre o estilo de vida de outras pessoas, sobre o corpo de outras pessoas, sobre viagens de outras pessoas, sobre férias de outra pessoas, sobre as condições financeiras de outras pessoas, sobre a vida amorosa de outras pessoas, sobre tudo (e sobre nada) de outras pessoas… por isso achei importante aprofundar, pensar além de “apenas” a críticas/humilhações físicas que acontecem (dentro e fora das redes sociais, mas que as redes sociais vieram facilitar).

Se a questão está nas partilhas que são feitas nas redes sociais? Provavelmente não, pelo menos não só. Está, em parte, na forma como quem vê interpreta o que vê e em como isso atinge inconscientemente o modo como se veem a si próprios, à forma inconsciente como começam a questionar o seu eu, à forma inconsciente em como vão pondo em causa se tudo o que são ou que estão a fazer é suficiente, à forma inconsciente em como vão querendo a vida de outras pessoas, que não a delas. Seja isso em termos físicos, seja por tudo o resto que veem no outro, que gostavam de ter e que interiorizam que precisam de ter…

Por vezes, é possível, de forma racional, perceber e pensar que nem tudo o que se vê e nos é apresentado nas redes sociais é verdadeiro, pelo menos não totalmente verdadeiro… Mas, e quando o racional fica de parte? Quando o inconsciente é mais forte do que o racional? Entraram os medos, a baixa de autoestima, o aumento de dúvidas internas que já existiam (mas que podiam estar adormecidas) e o aparecimento de outras que nunca tinham sido ponderadas, mas que as redes sociais “fazem” com que seja mais uma questão a pensar, mais uma dúvida que surge em relação à vida que se está a ter. Se pensarmos com o nosso lado racional podemos conseguir questionar: “Estará esta pessoal realmente feliz como parece estar? Será realmente este corpo como mostra? Será esta vida tão ideal como parece?”. Mas, o outro lado, o lado dos medos, das dúvidas, o lado inconsciente, também nos faz questionar: “também devia fazer algo para mudar o meu corpo, porque é que o meu corpo não é assim? Também devia ter um trabalho assim, porque é que não tenho? Também devia conseguir ir viajar, porque é que não posso? Também devia ter a família perfeita, porque é que não tenho? Também devia estar sempre feliz, porque é que não estou? Também devia ter mais vida social, porque é que não tenho?”. É tudo isto que leva a que a pessoa entre num ciclo de querer atingir o que muitas vezes é inatingível, o que leva a uma frustração constante e, por consequência, a um estado incontrolável de ansiedade.

Com tudo isto, com todas a possíveis consequências negativas que a forma como vivemos as redes sociais nos podem trazer, importa também pensar no impacto que tem nas crianças que cada vez menos brincam (algo tão importante para a construção e desenvolvimento) e que cada vez mais cedo ocupam o seu tempo nas redes sociais, a compararem-se cada vez mais cedo com as figuras que aí veem e acabam por idolatrar e querer copiar. E os adolescentes? Numa das mais importantes fases do desenvolvimento, momento de construção da personalidade e que, cada vez mais, se comparam com figuras pouco realistas, que colocam uma pressão ainda maior no que o outro diz e no que o outro pensa, mais do que já seria natural nestas idades…

Por tudo o que foi possível aqui deixar escrito, apesar de ser um tema que poderia ser estendido por páginas e páginas de escrita, fica claro que é um assunto que todos nós deveríamos “perder” algum tempo a pensar, tanto no impacto que tem para nós individualmente, para os nossos familiares e amigos, mas também para o desenvolvimento da sociedade em geral.

Todos nós temos o nosso tempo, o nosso caminho, as nossas vivências e tudo isso é algo tão individual que não deve ser comparado com o outro, devemos atingir os nossos objetivos porque são nossos e não do outro, no nosso próprio tempo, construindo o nosso próprio caminho.

 

 

Drª Rita Rana - Lisboa

O Canto da Psicologia


quinta-feira, 22 de julho de 2021

Sofrimento no trabalho...

 


Chegam-nos vários pedidos de ajuda com esta queixa como pano de fundo, muitas vezes com um grande impacto na saúde física e mental das pessoas. Os motivos são diversos: trabalhar demasiadas horas; desequilíbrio entre vida profissional e vida pessoal; falta de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido; ausência de comunicação; avaliação sistemática e maioritariamente quantitativa; ambiente nocivo e por vezes até agressivo, entre outros.

 Creio que existe atualmente uma obsessão pelo desempenho mensurável. Os indicadores de desempenho são hoje em dia maioritariamente quantitativos e destacam o valor gerado por um trabalhador muitas vezes com base em métricas que deixam o subjetivo completamente de fora da equação. O objetivo parece ser o de estandardizar e otimizar as tarefas tanto quanto possível, como se deixasse de importar a pessoa que as desempenha, as suas características individuais e a sua experiência pessoal. E isto pode levar a pessoa a alienar-se, a perder a motivação e a entrar em quadros de ansiedade que podem chegar ao burnout.

 Em 2019 a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que passou a incluir na lista de doenças o burnout”, ou síndrome de esgotamento profissional, o que evidentemente representa um passo importante. No entanto, não posso deixar de notar que até na forma em que este aparece descrito pela OMS há uma avaliação de desempenho, um julgamento que de certa forma culpa a pessoa que sofre de burnout: “uma síndrome resultante de 'stress' crónico no trabalho que não foi gerido com êxito.”

 Como consequência, no consultório ouvimos relatos de pessoas que sofrem porque trabalham demasiadas horas e ainda assim não dão conta do recado, não são apreciadas nem reconhecidas no contexto profissional, não conseguem estar com os filhos em dias de trabalho, passar tempo com os amigos e família, praticar desporto, fazer uma atividade que lhes dá prazer, ou simplesmente não fazer nada sem culpabilidade. Assiste-se a uma grande dificuldade em colocar limites a esta pressão constante para produzir e também em dizer não ao outro, em prol das suas próprias necessidades e desejos. E esta tendência começa a notar-se desde cedo, logo na infância.

 Existem muitos obstáculos à mudança, alguns são externos, ligados à realidade e portanto mais difíceis de transformar (hierarquia inflexível, sobrecarga de tarefas, etc), mas outros são internos e passíveis de serem trabalhados em contexto terapêutico (dificuldade em delegar ou em dizer não ao outro, auto-exigência extrema, perfeccionismo desadaptativo).

 O trabalho psicoterapêutico incide sobre a importância de descobrir onde reside a motivação e desejo de cada um, e também de aprender a colocar limites e construir defesas contra estes imperativos muitas vezes irrazoáveis. Para isso é fundamental perceber porque é que nos sujeitamos a determinadas situações para, na medida do possível, transformar a nossa posição subjectiva e dessa forma dar início a uma mudança nas várias esferas das nossas vidas.

 

Rafaela Lima

O Canto da Psicologia - Braga

 

(fotografia de Sydney Sims on Unsplash)


quinta-feira, 15 de julho de 2021

Era uma vez um bebé...

 



Quase toda a gente gosta de bebés, suscitam ternura e não é por acaso, foram “desenhados” com aquelas formas redondas para  atrair, para que possam ser cuidados, visto a sua enorme dependência de outra pessoa para a sua sobrevivência. Dizia o pediatra e psicanalista Donald Winnicott “there's not such a thing as a baby” (“o bebé não existe”), referindo-se exactamente à impossibilidade de um bebé viver sozinho, existindo sim a díade mãe-bebé (ou cuidador-bebé). Contudo este olhar para o bebé, este conhecimento que fomos adquirindo acerca da pessoa humana na sua natureza mais precoce é muito, muito recente e ainda existem muitos mitos e falta de conhecimento. Ainda há poucos anos atrás se faziam intervenções médicas, e algumas cirurgias, a bebés sem qualquer tipo de anestesia porque se acreditava que os bebés recém-nascidos não sentiam dor...  Mesmo a palavra “bebé” é relativamente recente na história da humanidade, segundo Delassus[1] é um vocábulo retirado da lingua inglesa (baby) e pode ser datado de meados do século XIX, mais precisamente de 1842. A palavra infância já existe há mais tempo, oriunda do latim infans que significa aquele que não fala, que não teve acesso à linguagem, embora possamos ver também aqui uma certa conotação negativa no sentido em que é excluido da comunidade humana dos seres que falam.

            Felizmente, os bebés em particular e a infância no geral, começaram a despertar o interesse dos investigadores e o bebé começou a ter um lugar próprio e as suas capacidades poderam ser vistas. O estudo dos bebés atravessa várias disciplinas entre elas, a biologia, a medicina, a antropologia, a pedagogia e a  psicologia teve (e tem tido) também um grande contributo, tendo alguns cientistas começado por observar sistematicamente os seus próprios filhos, abrindo assim portas para novas observações. Pode então surgir uma cultura da infância, muito embora este conhecimento fique muitas vezes fechado em livros e circuitos académicos, dando azo a que persistam alguns mitos e não prevaleça uma verdadeira cultura da infância. A título de curiosidade colocarei aqui algumas perguntas e respostas, que por vezes surgem:

 

-        Quanto vêem os bebés?

            Poucos dias após o nascimento, o recém-nascido é capaz de ver de forma nítida e focada qualquer objecto a uma distância entre os 20 e os 50cm de distância. Quando olha para longe vê uma mancha difusa, uma vez que ainda não tem um controlo bi-ocular e é por isso que por vezes entortam os olhos. Contudo, a partir das 6 semanas já começam a conseguir concentrar-se em distâncias mais longas. E isto não é por acaso, é um “mecanismo anti-stress”! Foca-se no que se encontra perto, e que pode ser muito importante, a mãe, o alimento, etc, e evita o que está longe do seu corpo, que não tem importância para ele e que pode ser ainda muito confuso. Sabe-se ainda que os bebés preferem formas curvas, são sensíveis a padrões e gostam de objectos grandes e iluminados.

 

-        Os bebés sonham?

            Sim, sonham só não sabemos com o quê! Têm até surgido investigações que sugerem que sonham já desde a vida uterina, na barriga da mãe. Sabe-se que sonham através do tipo de sono, o REM,  onde os olhos se movem por detrás das pálpebras fechadas; este é um sono mais leve e os bebés fazem-no em cerca do dobro do tempo dos adultos.

 

-        Os bebés têm consciência de si próprios?

            Esta questão é mais difícil de responder mas tudo leva a crer que o bebé sabe diferenciar-se: sente os limites do seu próprio corpo, situa-se nas relações com os outros (eu social) e tem um elementar conhecimento de si. Alguns estudos que utilizam a interação e imitação precoce, o reflexo em espelhos ou a visualização de vídeos, têm vindo a demonstrar formas elementares de consciência de si, contudo o conhecimento acerca de si próprio pressupõe a interação com o meio ambiente e é um processo longo que acompanha o desenvolvimento. É então um conhecimento que nos acompanha a vida toda e será, aliás, um dos propósitos da psicoterapia: conhece-te a ti mesmo.

 


Drª Maria Portugal - Lisboa

O Canto da Psicologia

 



[1]             - Delassus (1998)  “A natureza do bebé”. Edições Cetop


quinta-feira, 8 de julho de 2021

O Tempo em análise...

 


Em psicoterapia vive-se um conjunto de tempos. Vivencia-se o passado, o presente e até o futuro.

Interessante o tempo… Rico é o tempo, rico porque não tem valor monetário, rico porque ninguém o consegue mudar, nem parar. Rico porque nos contamina, e porque contempla tanta coisa, ou mesmo coisa nenhuma, em espaços de milésimas de segundo.

Parar para viver o tempo, já pensaram o interessante disso?

Em momentos, como o em que vivemos, mundialmente algo tão complexo, como uma pandemia, é importante dispensar tempo para pensar no mesmo. Importante parar ritmos alucinantes para vivenciar sentires diversos e repensar o valor do nosso tempo.

Num espaço acolhedor, num sofá confortável, entre quatro paredes e durante 45 minutos por sessão muito se pensa, sente e vive. Por vezes esse tempo parece uma eternidade, outras, esse tempo parece mínimo, e só estas impressões são tão significativas. Tudo importa, tudo é olhado, todo o tempo é aproveitado.

O limite do tempo é organizador e um princípio da realidade, e uma análise tem esse foco por sessão e não tem em vista os meses ou anos de trabalho, pois cada pessoa tem tempos diferentes e utiliza-os de forma muito pessoal e individual.

Com a noção de mortalidade tão presente nos dias de hoje, através das redes sociais e meios de comunicação, o tempo parece ter muito tamanho e peso, e talvez, seja este o tempo, no presente, de pensarmos nele para o podermos usufruir de uma forma mais consciente e tranquila.


Drª Margarida Espanca

O Canto da Psicologia