sexta-feira, 22 de novembro de 2013




Dia 20 de Novembro


Hoje não escondo o “nervoso miudinho” em que me sinto, ansiosa pela hora da chegada da minha sessão. Quero retomar o assunto da semana passada, parece-me que ficou tanto para dizer! Depois de ter saído, e ao longo destes dias, tenho-me lembrado de alguns episódios, que surgem no meu pensamento sem que me aperceba, mas que imediatamente me remetem para a mesma sensação com que ficava, sempre que sentia a reprovação do meu pai.

Recordo-me, por exemplo, de como ficava paralisada perante a ameaça do que ele poderia dizer ou fazer perante uma má nota e como isso me deixava bloqueada, trémula, nervosa e, sobretudo, assustada. Ouvi regularmente os professores dizerem-me “calma, Madalena, teve boa nota, não precisa de estar tão nervosa!”. Mas essa preocupação era constante. Era como um sobressalto, como se a qualquer momento pudesse surgir alguma falha, alguma situação em que eu não controlasse o limite da perfeição, e assim caindo por terra esta minha vontade de conquistar a atenção do meu pai!

Coloquei-me sempre nesse lugar da filha perfeita, agora que olho para trás. Mesmo em relação à minha irmã, o quanto contrasto com a sua espontaneidade, rebeldia, até um certo desaforo, que me irrita e agrada ao mesmo tempo. Agrada-me, sobretudo, a irreverência com que faz frente “a este mundo e o outro”, mesmo ao meu pai! Que por incrível que pareça, e por mais que a repreenda, é também aquela que parece acarinhar mais.


 - Bom dia, Madalena!


E levei, assim, em associação livre, como me dizia a terapeuta, tudo o que tinha em mente e tudo o que foi surgindo entretanto. Sem medo, mas com algumas hesitações e justificações pelo meio, que invariavelmente acompanham o meu discurso, às quais a terapeuta me devolvia “aqui, não precisa de justificar os outros, aqui pode trazer apenas a Madalena e a sua forma de sentir”. E percebo, que é como se houvesse sempre um “se” na minha vida. Cada tomada de decisão, cada vontade, cada desejo, cada contrariedade, traz um “se”, que é, geralmente, o “se” do que os outros vão pensar se me desarrumar. 

Mas hoje, ao trazer tudo isto para fora, fiquei agradavelmente desarrumada, um desarrumo que não é ameaçador, mas que me faz sentir mais livre, mais fluída. Talvez por isto que vou constatando do quanto este espaço começa a ser seguro para mim, ao mesmo tempo que me gratifica ter alguém que olha para o que eu sinto. E reparo, quando saio e me dirijo ao carro, como até o meu cabelo se desalinhou… E viva, poder desarrumar-me de quando em vez!




sexta-feira, 15 de novembro de 2013




Porque O Canto da Psicologia está atento às necessidades dos pais e porque traduzir a nossa linguagem enquanto adultos, para a linguagem das crianças não é tarefa fácil, fica aqui o convite para, se assim o entender, fazer-nos companhia e juntar-se aos vários pais que tem vindo connosco, desde já algum tempo, nesta descoberta de estratégias na relação com os filhos...

Quem sabe, no dia 23/11 não falamos para si...

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Dia 12 de Novembro


Hoje, apeteceu-me ir à terapia… já há algum tempo que  não sentia esta vontade de me sentar e decidir se quero falar ou calar!

Se por um lado me incomodam os inícios das sessões, como se andasse por ali à deriva à procura de assunto para começar, por outro lado, hoje, não me ralo nada com isso. Não sei se é para continuar mas, só por hoje, é isto que eu consigo dar a mim própria. Vou entrar, sentar-me e deixar que as coisas fluam.

Parece que estou sempre preocupada com o que devo fazer. Agora, tenho que cumprimentar; agora, sentar-me e colocar as mãos assim; agora, perguntar se está boa ( como mandam as etiquetas da educação), agora, sei lá… a tal imagem da “menina linda” que foge dos silêncios e ocupa o espaço com barulhos internos silenciosos.
E como sempre, a psicóloga não diz nada, aguarda que eu o faça.

E a mim pouco me apetece dizer. Mas não assusta. Hoje, apetece-me lá ir. E penso. Relembro uma palmada muito antiga, perdida no tempo, levada sem perceber de que lado veio mas que rebentou, tal dique a transbordar, pelos meus olhos  tristes e assustados pelo gesto! Parece que não tinha seguido as regras que o meu pai nos impunha em qualquer contexto social. Lembro que olhei para o meu irmão e para os meus primos que espelhavam no olhar a pena que sentiram de mim. Sim pena! Detesto a palavra! E revi, nos olhos deles, a minha própria pena!

Lembro-me que voei para o meu quarto para esconder tudo o que estava a sentir: vergonha, medo e sobretudo aquela  sensação  que não se percebe mas sente-se ,de ter feito algo errado, mais uma vez, aos olhos do meu pai! Lembro-me que achei que de facto ele não me amava. E apeteceu-me correr para o colo da minha mãe. Mas sabia que não podia. Ela não ia contrariar o gesto do meu pai mesmo que no seu olhar eu visse rasgos de vontade de o fazer. Será que vi ou desejei muito ver?

- Bom dia, Madalena!


E falei, após um largo silencio, sobre esta palmada que sinto que ainda hoje me dão, sem eu perceber de onde ela vem e que continuo a ver nos meus olhos, pena! E quando a terapeuta me perguntou porque não reagia a essa palmada que ainda sente que lhe dão, eu respondi-lhe, porque parece que continuo com medo de descobrir que, se o fizer , fico sozinha mais uma vez, sem nenhum colo para recorrer. E ela devolveu-me que agora, há este espaço para recorrer sem medo de um olhar reprovador e, de pena…

Eu sei que sim…cada vez mais sinto isso mas ,às vezes, é como se eu não soubesse fazer de outra maneira a não ser, continuar a interpretar este papel de “linda menina” que não pode trazer coisas feias para a terapia. E afinal, parece que posso…

Para a semana, falo-lhe sobre o tufão que houve lá por casa…



sexta-feira, 1 de novembro de 2013



Dia 30 de Outubro

Ainda que dividida, senti que devia rabiscar por aqui qualquer coisa hoje. Afinal, é dia de sessão e não deixa de ser uma forma de me antecipar… Talvez à própria dor, à dor que me invade quando toco nas coisas que me magoam, que não entendo, que me confundem e que, sobretudo, me provocam uma reviravolta interior ao simples toque da palavra da psicóloga. (De repente, quero fugir a isso tudo. Mas há qualquer coisa que me empurra para esta folha.)

As últimas sessões têm sido difíceis. As confrontações (ou interpretações, como insiste em chamar-lhes…), as incertezas, a angústia imensa que juntar todas estas coisas me desperta, faz-me querer desistir. Desistir de escrever aqui, de ir lá semana após semana ou mesmo do próprio processo, porque é demasiado pesado sentir-me uma constelação de asteriscos e pontos de interrogação, aos quais não me sinto capaz de dar forma! Eu, que sempre tive tudo tão arrumado! Ou, pelo menos, achava! Mas não vale mais às vezes vivermos até numa certa ignorância? É que isto é tão duro e dói-me tanto… Porque, de repente, põe-me de frente com sentimentos, emoções, que desconhecia.

Eu, a Madalena híper-controlada, boa menina, exímia profissional, que não desaponta, que faz o que os outros desejam… Eu, a Madalena fada-do-lar, que organiza a semana dos miúdos e do marido, que, no limite, até a mala lhe faz quando ele se vai embora!! Eu, esta Madalena que às vezes me cansa e que me irrita, mas que não sabe ser, nem viver de outra forma!! E voltam-me as palavras da terapeuta sobre a minha possível desresponsabilização, sobre a forma como me escudo nos outros, para me proteger… Mas de quê? Não sei responder.

Será que me vitimizo? Talvez. Mas, o meu marido não deixa de ser aquele que progride, que evolui na sua fabulosa carreira e eu sou a que tem ficado para trás, porque não sou apenas uma carreira, sou uma mãe e a casa inteira onde a nossa família habita. E gerir tudo não é fácil… Porque para ele progredir, há quem tenha que ficar com os miúdos! Isto, afinal, não é suposto mexer comigo? Fazer-me até sentir revoltada com este marido que eu olho agora como um egoísta? Sim, um egoísta! Quando é que ele parou para pensar em mim e no extremo cansaço que sinto? Despede-se com um beijo e olha de soslaio a mala, elogiando a minha extrema organização num gesto de “quem era eu sem ti”, mas que vem mascarado, pelo menos na forma como me faz sentir, naquele festinha do pai que diz “linda menina” depois de um bom resultado escolar.

E é isto que sinto, “um linda menina” que se tem eternizado pelos meus 40 anos, escondido nos elogios que recebo, mas que no fundo está sempre lá, a menina-bonita que não desaponta os outros… Mas que se esquece de si!

- Bom dia, Madalena!

E venho, talvez um pouco mais leve, porque hoje, pelo menos, dei nome a alguns destes asteriscos. De uma forma sentida, magoada, entre lágrimas e lenços, mas foi possível revisitar esse lugar de menina-bonita que se anula… De há tantos anos para cá! E este marido, que como o meu pai, parece cultivar este meu lado… Mas, como me dizia a terapeuta, “Esta Madalena que parece procurar relações nas quais se possa sentir a menina-bonita, talvez pelo medo de descobrir um lado mais feio com o qual não se quer confrontrar…”.

Bem, mas não é isso que tem acontecido? Pelo menos, nesta nova forma de relação.