Dia 12 de Novembro
Hoje, apeteceu-me ir à terapia… já há algum tempo que não sentia esta vontade de me sentar e decidir
se quero falar ou calar!
Se por um lado me incomodam os inícios das sessões, como
se andasse por ali à deriva à procura de assunto para começar, por outro lado,
hoje, não me ralo nada com isso. Não sei se é para continuar mas, só por hoje,
é isto que eu consigo dar a mim própria. Vou entrar, sentar-me e deixar que as
coisas fluam.
Parece que estou sempre preocupada com o que devo fazer.
Agora, tenho que cumprimentar; agora, sentar-me e colocar as mãos assim; agora,
perguntar se está boa ( como mandam as etiquetas da educação), agora, sei lá… a
tal imagem da “menina linda” que foge dos silêncios e ocupa o espaço com
barulhos internos silenciosos.
E como sempre, a psicóloga não diz nada, aguarda que eu o
faça.
E a mim pouco me apetece dizer. Mas não assusta. Hoje,
apetece-me lá ir. E penso. Relembro uma palmada muito antiga, perdida no tempo,
levada sem perceber de que lado veio mas que rebentou, tal dique a transbordar,
pelos meus olhos tristes e assustados
pelo gesto! Parece que não tinha seguido as regras que o meu pai nos impunha em
qualquer contexto social. Lembro que olhei para o meu irmão e para os meus
primos que espelhavam no olhar a pena que sentiram de mim. Sim pena! Detesto a
palavra! E revi, nos olhos deles, a minha própria pena!
Lembro-me que voei para o meu quarto para esconder tudo o
que estava a sentir: vergonha, medo e sobretudo aquela sensação
que não se percebe mas sente-se ,de ter feito algo errado, mais uma vez,
aos olhos do meu pai! Lembro-me que achei que de facto ele não me amava. E
apeteceu-me correr para o colo da minha mãe. Mas sabia que não podia. Ela não
ia contrariar o gesto do meu pai mesmo que no seu olhar eu visse rasgos de
vontade de o fazer. Será que vi ou desejei muito ver?
- Bom dia, Madalena!
E falei, após um largo silencio, sobre esta palmada que
sinto que ainda hoje me dão, sem eu perceber de onde ela vem e que continuo a
ver nos meus olhos, pena! E quando a terapeuta me perguntou porque não reagia a
essa palmada que ainda sente que lhe dão, eu respondi-lhe, porque parece que
continuo com medo de descobrir que, se o fizer , fico sozinha mais uma vez, sem
nenhum colo para recorrer. E ela devolveu-me que agora, há este espaço para
recorrer sem medo de um olhar reprovador e, de pena…
Eu sei que sim…cada vez mais sinto isso mas ,às vezes, é
como se eu não soubesse fazer de outra maneira a não ser, continuar a
interpretar este papel de “linda menina” que não pode trazer coisas feias para
a terapia. E afinal, parece que posso…
Para a semana, falo-lhe sobre o tufão que houve lá por
casa…
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