quinta-feira, 27 de abril de 2017

As escolhas de Sílvia...






            
            Sílvia surge na primeira sessão, com a excitação e o brilho nos olhos de um primeiro dia de aulas. Bonita e de sorriso fácil, com desenvoltura diz ao que vem: “eu estava numa relação e não sei o que aconteceu… quero perceber porquê… quero conhecer-me melhor, talvez ser mais feliz” (sic).

            Nascida em local longínquo, vem para a cidade para estudar e para se “fazer mulher” (sic), diz-nos. Longe de tudo o que lhe era comum, de todos os que lhe eram familiares e empenhada nos seus desideratos de afirmação pessoal e profissional, a sua extroversão e à vontade e o seu jeito brincalhão, até provocador, permitem-lhe um percurso académico folgado, pejado de variadas, boas e proveitosas experiências enquanto estudante, mulher e - crê Sílvia - pessoa.

            No plano relacional íntimo, nem tudo foi tão agradável. Indecisa e inconformada de carácter, apesar de alguns relacionamentos mais longos (não estruturados), acaba por nunca investir, realmente, num relacionamento dito sério, pois nunca chega a ter certezas, nunca chega a comprometer-se, muito menos a amar, porquanto ninguém a fez sentir segura e confiante para tal. Ainda na ressaca do último desses relacionamentos, cujo epílogo foi prolongado, encontrava-se, relata, pouco disponível para quem quer que fosse, muito menos para uma outra relação.

            Mas, sem que nada o fizesse prever, sem se anunciar ou fazer anunciar, alguém novo chega, acontece, impõe-se e afirma-se no seu mundo perceptivo e no seu quotidiano. De estilo obstinado e até algo austero, ele foi aguentando as suas recusas sucessivas, ignorando de (de forma obstinada, quiçá teimosa) os seus inicialmente firmes e determinados “nãos”, debelando os descontos que ela nele retorquia, testemunhos de um passado recente pouco securizante, acima melhor epitomado. Eis que as resistências se começam a esbater e se transformam, depois, em apenas indecisões e dúvidas, que ele, no seu estilo confiante e afirmativo vai dissipando, numa lógica subsidiária do dito popular “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Na verdade, ele até era “um homem interessante… bonito que baste, inteligente, teimoso, mas determinado e, claro, seguro” (sic). Ela finalmente abre uma brecha na muralha já em ruínas e deixa-o entrar. Ele, ao seu estilo, não entra na relação e no íntimo dela ao de leve… fá-lo de forma estrondosa e inabalável… apregoa-lhe que já sabe, que está ali tudo, ela é a tal, aquela pela qual sempre esperou, não há mais dúvidas, indecisões ou desconfianças; convence-a, de tão convencido que lhe parece, que é o destino, já estava escrito… eis a mulher da sua vida, a sua deusa. Para ela, abalada e estarrecida, por fim e aparentemente, o amor. Sílvia, pela primeira vez, acredita. Entrega-se de corpo e alma. Faz por e para ele o que nunca fez para e por ninguém. Mais, faz por ele o que nunca se julgou poder fazer, por descrença pessoal nessa coisa de que tanto tinha ouvido falar, mas aparentemente nunca tinha sentido. Os primeiros meses são óptimos, sente-se deveras feliz. Partilham e comungam, conhecem as famílias e amigos um do outro, sentem e vivem experiências, desenham planos de e para o futuro. O mundo é deles.

            Mas, de quando em vez, primeiro rara, depois frequentemente, ocorriam pequenos desaguisados - nada de anormal numa qualquer relação. Porém, feitas as contas “do deve e haver” relacional no final ou a posteriori dessas desavenças, a culpa (diríamos responsabilidade) era sempre dela. “Acabava sempre as discussões com a impressão que eu é que tinha feito algo de mal” (sic). Uma hipersensibilidade a qualquer atitude ou comportamento dela, que saísse do registo estrito da sua expectativa e “bom senso”, lançava-o numa postura de introversão, quase mutismo, que a agitavam sobremaneira e a levavam, já algo exasperada, a interpelá-lo bruscamente, confessa. Já depois de ela perder o controlo, ele, impávido e sereno, dissertava acerca de como ela era “agressiva, impulsiva e inconsequente” e de como isso o magoava e colocava a relação em risco. A pouco e pouco, ela tornava-se refém da sua própria reacção às atitudes dele e, também por isso e aí sim, culpabilizada e constantemente receosa de o perder. Todavia ia reagindo, ia tentando, ainda que à mínima e cada vez menos, expressar o que pensava e sentia sobre isso e tudo o resto, mas, conta, “sempre a medo” (sic).  Pouco tempo volvido, mais uma dessas simples discórdias degenera numa ruptura abrupta, sem explicações ou contemplações, que transcendam o simples e cortante “para mim não dá mais, não posso continuar assim” - as últimas palavras que dele ouviu ou leu, na última vez que o viu, ou que sequer teve qualquer tipo de sinal, directo ou indirecto, da existência dele.


            O mundo de Sílvia desaba e o chão desaparece. Tomba num precipício de incompreensão, tristeza e desespero… mas também culpabilidade, auto-comiseração e auto-desvalorização. Felizmente - vem percebê-lo depois, com o avançar da psicoterapia - este evento irá revelar-se um mal não só necessário, como apenas tardio. Pensando(-se) na intimidade e segurança do contexto psicoterapêutico, gradualmente desprendendo-se da ilusão e bruma pouco sadia que a envolvia, vem a descobrir (entenda-se aceder a) uma série de aspectos, episódios, dinâmicas e suas vicissitudes, de quem julgava conhecer. Percebe, então, do que e de quem se libertou. “Afinal, estava tudo lá” (sic). Fala com propriedade e razão: o engodo fora perfeito: a confiança, obstinação e determinação camuflavam um autoritarismo e omnipotência narcísica, que não reconhece as idiossincrasias do outro, a hipersensibilidade e atitude passivo-agressiva que apenas aspiram à manipulação e controlo desse, bem como a intransigência e frieza no conflito e na despedida, testemunhas do vácuo relacional.


            Em suma: estava lá o protótipo da famigerada relação tóxica. Relação duplamente nociva: destruidora do e no seu tempo, potencialmente destrutiva do devir, pelas feridas psicológicas que inscreve no psiquismo; feridas só eventualmente cicatrizáveis no seio do ensejo psicoterapêutico. Relação a que muitos entre nós estão sujeitos, por força da particularidade da sua personalidade e dos tempos que vivemos. Afinal, quem nos tempos dos humanos mediaticamente endeusados, recusaria ser o/a deus(a) de alguém, ainda que breve e ilusoriamente?

Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia



quarta-feira, 26 de abril de 2017

Isso de aparecer na televisão...





(Pedido de desculpa pela merda que fiz à Fátima Medina e ao Vasco Granja, que deve estar a exibir desenhos animados da Checoslováquia aos anjinhos que se portam mal)

A caixa colorida teve em tempos um voluptuoso entrementes: locutoras de continuidade. Nesse meio tempo, nenhuma delas em mim suplantava a Fátima (lá em casa varria-se o Medina porque ela era família). Se ao pé dela a Valentina Torres e a Isabel Baía pareciam a parte de trás de um esquentador, o assunto deixou de ser passível de discussão quando ela teve a fineza de me endereçar um convite para ir à televisão participar num programa por ela apresentado. Como aquilo se decorava com putos, lá aparecemos, eu e aquela coisa que me obrigavam a tratar por mana, num programa para miúdos chamado “Tu és capaz”. Só me lembro disso, de ser um programa para miúdos chamado “Tu és capaz” - a RTP Memória que me tire do cansaço que é este esquecimento com mais de 30 anos…

Desse primeiro confronto com as câmaras e com o frémito de um direto (não sei se foi, mas vamos fazer de conta que sim), ficou-me a memória vívida de trocar umas murraças com um pirralho de jardineira e cara de bolacha maria antes de irmos para o ar. Ganhei. A mãe do outro puto não gostou da fruta e a Fátima viu a refrega. Acho que a impressionei. Já a mamã cá do diabrete aplicou-lhe o clássico par de laustíbias correspondente - Dona Eugénia sacode o pó até às estrelas de televisão.

Voltemos à Fátima, que fez muito coração palpitar por 1981 e arredores. Tinha corpo de ampulheta, sorriso de mil paus (calão para escudos, juventude) e uma alegria radiosa. Foi lá a casa e correu bem. Levou o marido, o Pedro Cunhal. Sobrinho de Álvaro Cunhal. Alguém bestial e mais qualquer coisa acabada em al. Andei de pistolas à cintura montado nele - no Pedro, não no Álvaro - pela sala de jantar em fúrias de John Wayne (outro grande amigo...), com a Fátima a fazer de conta que estava presa junto ao móvel para eu a salvar. Consegui, claro, porque os índios aproximavam-se com perigo, já tinham chegado a Linda-a-Pastora, acampavam junto ao Jamor e essa malta não andava ali propriamente a dar milho aos pombos. O Pedro fumava – levei-lhe o melhor cinzeiro para a mesa depois daquela nossa aventura–, e trazia uma abigodada simpatia. Soube depois que entre o Pedro e a Fátima tudo acabou em lágrimas, mas nada pude fazer porque entretanto voltei à televisão.



Seguramente arrebatada pelo meu “cross” de direita e integral desprezo por inibições, a Fátima enfiou-me num programa do Vasco Granja. Não foi o sucesso esperado. Aborreceu-me até às lágrimas o bolorento mini-ciclo de animação polaca que ele mostrou e vinguei-me quando o tio Vasco passou à entrevista aos três bambinos que ali estavam alapados. Não deixei os outros dois sequer piar e pareceu-me de absoluto propósito indagar porque não víamos o Pernalonga (Bugs Bunny do outro lado do charco atlântico) e ainda contei a história da vez em que mijei para uma valeta, caí lá para dentro e fiquei cheio de caca – engolida pela vergonha, a minha mãe esbofeteou-me em loop e disse que eu nunca mais punha os calcantes na televisão. ‘Tá bem...

Regressei uma mãozinha de anos depois para o Sebastião Come-Tudo, um embuste culinário com o Goucha ao comando. Fingimos fazer ovos moles de Aveiro e apareceu aquela alimária do Lecas vestido de moliceiro. Ainda devo ter esse desastre dentro de uma cassete Beta. Na verdade (essa desmancha-prazeres) o Goucha foi de um profissionalismo à prova de reparo e para os miúdos um bariláceo ou uma grande senhora, dependendo de como vão os índices de preconceito de quem ainda conseguiu aqui chegar e ler este relambório.

Depois, a Leonor ensinou-me a dar linguados – ela usava aparelho e eu fiquei a achar que beijar era chupar uma caixa de ferramentas - fiz-me aos jornais, passei a acordar ainda mais tarde, cortei com o álcool e também com a televisão, até que o Mamede Filho me passou a ligar de quando em quando para eu ir à Sport TV + fazer diagnósticos ao nosso futebol, um senhor que, a avaliar pelo último raio-X, anda muito mal de saúde e pode finar-se antes ainda que este texto acabe. A Sport TV + um canal com gente bonita, cheia de promessa e onde me retiram a remela na maquilhagem. Tem corrido bem: a minha mãe não vai comigo; não ando à castanhada atrás das câmaras; a Fátima iria aprovar lá onde ela está, que não sei onde fica, e não contei a vez em que mijei para a valeta, caí lá para dentro e fiquei cheio de caca. Ainda…


Filipe Alexandre Dias
O Canto da Psicologia



sexta-feira, 21 de abril de 2017

Mini, mini, miniférias...








No momento em que escrevo ainda não fomos de férias, estamos em preparativos. 

Assim os euros o permitam, a repetição anual destes primeiros dias do ano em versão miniférias por altura da Páscoa, provocam-me sempre uma mistura de excitação e felicidade, com picadas no peito tipo rajadas (ansiedade, portanto).
Descrito desta forma não se percebe muito bem se me estou a preparar para um momento bom ou não…eu sei. Mas é exatamente isso. Férias em família é isto, excitação vs nervinhos pré e durante as férias.

O desassossego pré-férias começa cedo com o memo mental dos requisitos de cada um dos elementos da família:

  • A Mãe, (eu) precisa de praia, sol, um livro novo para ler e de preferência um branco Douro fresco ao almoço, porque das coisas boas da vida, a leveza de ombros que o álcool dá, vivida em plena luz do dia é uma delas, certamente;
  • A Criança, precisa de uma piscina, um parque e algumas (muitas) doses de atenção a ver pela quantidade de vezes que me chama para ver todas as habilidades que faz entre estes dois espaços;
  • A Pré-adolescente precisa de praia e piscina e falar o menos possível com os restantes.  Por sua vez, nós precisamos de uma dose de paciência (ajudada com o branco Douro) para acompanhar as súbitas mudanças de humor da espécie;
  • O Pai, precisa do que nos precisarmos, “O que vocês quiserem está bem!” … um puro facilitador de férias em família e um excelente entertainer da Criança que precisa de alguém que veja os 90 saltos que dá para a piscina por minuto (que são sempre iguais apesar dele achar que não) enquanto eu tento desesperadamente ler o meu livro. 
  • O ultimo requisito, e neste há consenso, o wifi.

Não vale a pena dizer que “Ah nós vamos de férias e não vamos ligados”, “Vamos fazer um detox de internet”. Não dá! Nada de exageros, mas todos utilizamos os gadgets e a verdade é que dá um jeitão para quando a criança começa a ficar mais impaciente (chatinha); a pré-adolescente pode partilhar com as amigas a seca que é ir de férias com o Pai e a Madrasta, apesar de em offline se divertir à brava, mas assim não desmancha o papel de pré-adolescente do contra; à Mãe que gosta de fazer umas selfies e usar os filtros do snap e achar que tem menos 20 anos e ao Pai que precisa atualizar a aplicação dos resultados dos jogos com os resultados do Placard.

Ainda em pré-férias e depois dos requisitos revistos, começa a busca pelos sites de oferta de veraneio. O plafond para as miniférias só nos leva no máximo até 250 km de distancia de Lisboa. Rumamos ao Algarve, como boa família típica portuguesa que vive do que ganha (à justa) mas que insiste em aparentar viver dos rendimentos, dizendo em modo mantra vá para fora cá dentro, quando na realidade se pudéssemos íamos os quatro partir o côco num Caio qualquer desses do México. 
Mas não dá; e então contentamo-nos com uns dias a sul de preferência a sotavento e com cancelamento gratuito até quase de véspera, não vá haver uma despesa de ultima hora que estraga os planos do passeio.

Damos inicio às hostilidades das férias, com o fazer das malas. A mim cabe-me a tarefa de arrumar tudo de todos nas malas e evitar levar metade do guarda-roupa para 3 dias de férias, mesmo que não as use… o drama da maioria das mulheres, portanto.
A ele, cabe-lhe a tarefa de pôr tudo na mala do carro. A única coisa que lhe peço é que ponha tudo dentro da mala, ou seja, almofadas, boné do rapaz, sacos do supermercado em cima da chapeleira a tapar a visão na retaguarda, está fora de questão. 

Como já é um clássico, este pedido é inocentemente esquecido, porque segundo ele eu não fiz a minha parte e trouxe malas para 2 semanas de férias (que exagero…). Como tal, o cenário quando desço é sempre o mesmo: carro em sofrimento, prestes a explodir. 
Ele olha para mim e revira os olhos, provavelmente já em resposta ao meu revirar de olhos. Depois de uma breve troca de semipalavras (são palavras que o seu som só se ouve do meio para o fim com o objetivo inequívoco de quem as diz, conseguir irritar o outro e de quem as ouve ficar irritado, mas vamos fingir que não), tiro tudo do carro e arrumo tudo dentro da bagageira. Acabo em silencio, mas lanço o olhar “Vês como se faz?!”. E pomo-nos ao caminho.


A viagem felizmente nestas idades já é tranquila. E como em muita coisa nesta vida, temos tendência a esquecer episódios doces como parar porque um deles vomitou, ou os gritos que se dão porque já chega de perguntar quanto tempo falta. Hoje em dia o único stress da viagem é decidir de quem vai ser a playlist que vamos a ouvir no carro.

O momento da chegada é sempre bom. A mim a chegada ao Algarve traz-me sempre boas memórias. O Algarve tem um cheiro só dele. Eu e as minhas memórias somos de cheiros. E daqui, destas terras são todas boas.

Depois de entrarmos nos quartos numa mistura de furacão saloio, a mexer e revirar tudo como se fosse a primeira vez que vamos para um alojamento turístico, e vemos torneiras, ou frasquinhos de champô, lançamo-nos ainda imbuídos do espirito “equipa familiar”, no mesmo programa. Ou todos à praia, ou todos à piscina. Esta unanimidade por norma dura pouco. 
Nas horas seguintes entramos no modo nervos férias. Cada um aparentemente entra em fusos horários diferentes. Uns querem acordar cedo, outros querem aproveitar para dormir até mais tarde. Outros são todos praia, outros todos piscina e ainda há o outro que tanto lhe faz, mas o que ele quer mesmo é uma boa de uma espreguiçadeira e silencio. 
Porém, depois de alguns nervinhos e amuos, acabamos por ir todos para um dos sítios metade do dia e a outra metade de quem abdicou hoje na parte da manha, para amanha se inverter tudo, porque nas famílias a democracia impera sobretudo quando se tem filhos, e ou é isto ou grama de paracetamol por causa das nevralgias que os nervos e os revirar de olhos provocam.

Nestas miniférias há alguns nervos sim, mas há sobretudo muitos momentos bons. 

Os saltos para a água. 
As brincadeiras que só a praia permite. 
O stock de conchinhas e búzios que se renova.
As fotografias aos quatros com o temporizador ligado, que são sempre a melhores fotografias das férias pela risada que arranca, no contra-relógio que faço para conseguir entrar no enquadramento a tempo. 
A garrafa de vinho que se bebe ao jantar com a segurança de que dali já não temos de sair.
O momento em que nos separamos, cada uns para os seus quartos. 
Eles a sentirem-se importantes porque dormem num quarto só para eles.
E nós, que deixamos a mistura maravilhosa do tinto do jantar e dos primeiros raios de sol fazerem magia e embalarem o nosso descanso.
E no final do dia, adormeço com a certeza que estas miniférias só o são de nome pois enchem-nos de força para programar as grandes e desejar que cheguem rápido.

Nota: agora que me leem, já estou em modo pós-férias, e os nervos dividem-se ente maquinas de lavar roupa e horas a passar roupa a ferro, e é neste momento que dou razão ao Pai quando tenho que arrumar as 5 malas de roupa que levei por comparação com as apenas 5 peças de roupa de usei.

Boas minigrandes-férias.

Petra




quinta-feira, 20 de abril de 2017

O mágico número 7...






Miller, professor de psicologia na Universidade Rockefeller, tomou conta do meu imaginário no primeiro ano da licenciatura, através do seu trabalho mais famoso: The Magical Number Seven, Plus or Minus Two: Some Limits on our Capacity for Processing Information - O número mágico sete, mais ou menos dois: alguns limites na nossa capacidade de processar informação.

No referido artigo, que exigiu uma dissecação  enquanto trabalho de grupo, Miller dá ao número 7 a faculdade mágica de permitir que a nossa memória a curto prazo tenha a capacidade de armazenar listas de letras, palavras, números ou qualquer tipo de itens discretos, na quantidade referente a esse número mágico (mais ou menos dois). Embora o seu influente artigo não constitua propriamente um estudo experimental em Psicologia, a sua obra – e a teoria nela contida – continua a ser um dos textos mais citados em Psicologia até hoje, mesmo 50 anos passados após a sua publicação. Trata-se, na verdade, de meta-análise (uma avaliação conjunta de várias pesquisas realizadas sobre um mesmo tema central) sobre as nossas capacidades em retransmitir o que os sentidos captam. Mas Miller foi mais além e estendeu a suas conclusões a uma característica particular da memória: a capacidade de lembrar pequenas quantidades de informação para uso imediato – ou, como se diz em linguagem científica, a memória a curto prazo.


E aí estamos nós no mundo apaixonante das estratégias mentais de facilitação ao nosso desempenho prático e diário. Desde já está convidado/a a ler  o artigo. E já agora, anote, a curiosa combinação numérica na quantidade de dígitos, referentes aos números de telefone: 123 456 789 ( + ou – dois), e reflicta sobre a facilidade como que de uma forma espontânea e quase mecânica, sem a ajuda do papel, facilmente os memorizamos. 

" O meu problema é esta perseguição a que tenho sido sujeito durante sete anos por este número inteiro - 7 - que se introduziu nos meus dados privados..."
Tal como Miller refere no seu artigo, também nós, por aqui, acossados pela simbologia deste número, resgatámos às nossas memórias ( para além deste artigo): 

  • - 7 são as virtudes; 
  • - 7 são as cores do arco íris
  • - 7 são as notas musicais, com 7 escalas, 7 pausas e 7 valores;
  • - 7 dias dura cada fase da Lua; 
  • - 7 são as saias das nossas mulheres do mar da Nazaré; 
  • - 7 colinas tem Lisboa; 
  • - 7 são as  maravilhas da natureza; 


E porque será que recuperamos este tema e este número no texto desta semana?

Porque num tempo e espaço de magia quase surpreendente, percebemos de que este ano, 2017, O Canto da Psicologia completou 7 anos de uma existência mágica, pensada e posta em prática  por 7 psicólogos que deram o mote para que mais uns tantos abraçassem esta ideia de colocar a terapia ao alcance de todos e que por isso mesmo, hoje, somos 17! É ou não é mágico?



Um imenso obrigada por parte de toda a equipa pela confiança, pela motivação, pelo desafio, pelas palavras, por tudo o que o/a tem feito chegar até nós... 

Prometemos continuar por aqui em fases de muitos mais 7!


Ana de Ornelas
O Canto da Psicologia



quarta-feira, 19 de abril de 2017

Então você é que é o filho do doutor?...






( Ida à Inspeção com o velho Plácido à espera no café e pronto a lixar um general, com o Tejo lá em baixo a ver tudo)

Até o rio parecia não me conhecer e eu só queria voltar a ter asma. Num rufo, senti-me apertado por uma infausta saudade de noites de pieira e vapores que me livrassem. Tropa não rimava com os meus horizontes, onde já moravam jornais, futebol, guitarras, sonhos, mulheres e tudo. Fui dos últimos a entrar antes de fecharem portas ao quartel. Ainda me passou pela marmita deixar-me entalar e assim fugir a um verão canicular entre magalas e a comer pastéis de bacalhau feitos nos sovacos. A encolher na distância, vi o velho Plácido, que me acompanhava e já fora promovido a avô (só há patentes entre amigos), descer a Calçada da Ajuda e dizer-me sem olhar para trás ao apontar os cavalos para o café: “Se der merda, estou aqui no Milhage.”

Entrei. Levava uma papelada em invólucro selado que o meu pai me passara a bufar por, nesses dias, cá o safardana esquecer-se de faculdades. Na parada, reconheci o Augusto e mais uma passarada lá do meu lado do vale. Estacionei entre a maralha e um gajo vestido de oliva avisava que agora pertencíamos ao Exército. Eu já não era o Filipe Dias. Muito menos o filho do doutor - o melhor que Filipe Dias poderia aspirar ser. Eu era abaixo de cão. Pior: era abaixo de Filipe Dias. Pensei um “foda-se” sem o verbalizar e tirei o brinco como quem larga um hábito mau.

“Quem é o 151???”, ladrou um gajo cuja graduação jamais decifraria enquanto me testavam a visão em cinco segundos. Redargui que era eu, esperançoso, e encaminharam-me para um gabinete. No destino, abraça-me alguém folgazão, todo gris da farda até ao gasganete e de chapas refulgentes. Indagou de chapa e em tom cúmplice: “Então você é que é o filho do doutor?...” Senti-me perpassado pelo frescor de uma brisa, cortada logo de seguida pelo amigo repentino que afinal só ia a meio: “...a tropa agora não custa nada. É em menos de um cartucho. Abraço ao pai. Vá lá...”

Fui reconduzido para o meio do granel. Ainda levava os papéis-mistério. Dois exames depois e outra vez o brado: “Esse 151?” (começava a ser cliente). Respondi que ali estava com marcial obediência e julgo-me atalhado para o real livramento quando outro general, coronel, marechal ou marechel ou lá o que era essa porra, me recebe. Aquele tinha outro porte. Majestático, anafado e com um chanfalho à cintura. “Olhe lá, o doutor está porreiro?”, despejou-me à entrada para tudo me saber à sofreguidão de um “é agora”. “Qualquer coisa, fale comigo. Isto é só seis meses, pá. Boa sorte. Diga lá ao pai que se deixe de sportinguices que isso só traz tristezas.” E o cabrão ainda gargalhou a recolocar-me na Inspeção com esta para salgar a ferida. À terceira para o meio da canzoada. Desanimei no intervalo para almoço. Dei um pulo ao Milhage e lá está o avô Plácido. Lia um livro encarquilhado do Nuno Bragança e prometeu-me que, se ficasse apto, fazíamos um penálti em casa do general Pezarat Correia, que lhe devia favores em Moçambique e mais: se não jogasse à bola na nossa equipa, o meu velho punha cá fora toda a podridão ultramarina que lhe conhecia. Cheirou-me a trote, mas agradeci a amizade.
Tentei comer. Não comi.

Para a segunda parte, estava entre a cáfila com medo que me apertassem o tomatal e me obrigassem a tossir como tinha visto num filme, quando fui solicitado por um malandrim de bata. Fez-me trejeitos de segredos quase sem falar e à laia de transa ilegal. Sacou-me a papelada. Senti-me nada e sem nada.
Desenhava arabescos em exames escritos psico-qualquer-merda a imaginar-me a acordar sempre cedo (tortura medieval!). Nisto, houve abordagem nova do mangas que só ouvi dizer “151”. Fomos à sorrelfa. Sala vazia. Outra bata com uma pessoa inexpressiva lá dentro virou logo a cara ao entregar-me uma folha de soltura. Rosnou de saída: “Pira-te. Os atestados que trazias até mandavam o Rambo para o Convento das Carmelitas Descalças...”
Eram 16h e qualquer coisa e eu já não ia à tropa. Soltei o grito, fiz um pirete do outro lado da estrada ao quartel. Desci Lisboa com o Plácido, ele afivelou aquele seu brilhante sorriso sem dentes face ao desfecho e nunca soubemos que doenças me inventaram. Ser inapto era uma experiência gloriosa e até o Pezarat Correia podia viver pelo menos mais um dia. Bebemos e fumámos uma bela conversa em Belém. Fiz o favor de não ouvir todos os conselhos do meu avô e jurei que a partir dali ia ser tudo o que devia. Cometi a fineza de não cumprir.

Anos antes, andava por cá há sete, operaram-me aos adenóides e foi bom porque não morri. Vinha de carro no regaço da tia Maria Luísa. Como ainda punha o cenário de me apagar, levantei a cabeça e olhei pela janela à procura de alguém mais que fizesse tudo melhor; que tirasse as dores; eu queria que me acontecesse muito mundo. Vi o Tejo. Pareceu-me azul e vívido. Gostei dele porque onde Tolan estava de barriga para cima a estragar o quadro era lá mais atrás. As dores passaram devagarinho, como por visão aquática de magia. Senti no rio mais um amigo e fui crescer a salvo para casa.

Ainda hoje desconfio que aquela bravata da Inspeção foi obra do meu pai, do meu avô, daquela canalha militar e até do Tejo. Deviam estar todos a brincar comigo.

Filipe Alexandre Dias
Jornalista





terça-feira, 18 de abril de 2017

Uma visão para o futuro...






O excesso de tempo à frente do computador, telemóvel ou tablet tem conduzido a uma modificação do comportamento motor no ser humano, nomeadamente ao nível da coluna cervical e torácica.
Vários estudos, indicam que pessoas que passam muito tempo à frente de um pequeno ecrã têm tendência para manter a cabeça numa posição anteriorizada, com os ombros rodados internamente e uma postura fechada sobre si próprio (posição cifótica). Estas posições irão criar a médio/longo prazo o aumento do stress na região cervical, tensão muscular excessiva no trapézio, dores de cabeça, abdução das omoplatas (responsáveis por estabilizarem movimentos do ombro), mudança no centro de gravidade, alteração no padrão respiratório (falta de controlo na respiração em esforço), compensações musculares e alterações ao nível da coluna em zonas adjacentes às lesadas, por exemplo da coluna lombar.


Se passa muito tempo à frente de um ecrã, certifique-se que mantém uma posição neutra da coluna cervical, evitando estar debruçado a olhar para baixo “forward head posture”. No caso de treinar num ginásio, procure que o seu professor ou personal trainer o ajude a melhorar a mobilidade da cintura escapular e coluna torácica através de exercícios específicos.

As cifoses são mais sólidas, porém menos flexíveis; já as lordoses são mais flexíveis, porém mais frágeis” (Bienfait, 1989)



Hugo Silva 
Instagram: hugo_silva_coach
Linkedin: http://linkedin.com/in/hugo-silva-1b8295132
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre 
-Director Técnico ginásio Muscle Factory



quinta-feira, 13 de abril de 2017

Pais são pais porque filhos são filhos...






  O que fizeste hoje? (…) Brincaste e…?? Mais nada? (…) Porque é que nunca contas à mãe o que fazes na escola?”
Quantas vezes estas perguntas ganham forma e espaço no carro na hora de partir rumo a casa? Provavelmente tantas vezes quantas as que compõem o momento de ir buscar à escola . Como pais queremos saber, controlar, filtrar e no fundo centrar em nós o poder de protecção máximo…escrutinar tudo o que escapa ao nosso olhar de falcão, radar timorato de suricata e garras de felino escondido entre ervas altas na planície.

Pais são pais, como tal têm de saber tudo dos filhos!
Têm mesmo? O que significa efectivamente isso? O que estará por detrás desse querer saber?

Lá está: Pais são Pais! e como tal os pais têm o melhor lugar, papel, função e privilegio no mundo e vida dos seus filhos. Porque filhos são filhos! E não deverá existir vinculo mais fiel, genuíno e exclusivo do que este, com medidas, formas e descrições únicas e incapazes de tabelar e quantificar. Este é com certeza um conceito de unidade\união dividida em dois que está para lá daquilo que as matemáticas, físicas e químicas poderão explicar. Porém uma relação de vinculação deverá encontrar-se num ponto mais distante de uma relação de poder e controlo, mas num ponto equivalente de uma relação de reciprocidade e equilíbrio.

Uma relação que nasce na “ocupação” de um espaço interior durante 9 meses, que floresce e nutre num espaço exterior partilhado e num outro interior individual e intimo por muito e muito mais tempo (embora sempre pouco). É este o único e verdadeiro poder inerente a uma relação de vinculação, um dentro que depois se vive fora mas também e ainda dentro. Confuso? É sempre mais fácil e maravilhoso de sentir do que explicar.
Porém, quanto mais mágica e especial, mais receios, por vezes medos, ou mesmo angústias tenderão a surgir sempre que uma nova relação se estabelece e tantas vezes se apresenta como necessária e fundamental
.
Mas quem melhor que eu, pai, para cuidar? Para saber do meu filho e ajudar??
A resposta é simples: Ninguém! Ninguém é melhor que uma mãe ou pai para ser exactamente mãe ou pai (entenda-se mãe e pai na máxima ascensão da palavra e titulo de quem cuida, educa, ama, sofre e erra; e não qualquer uma pretensão a tal)! Pais são pais! Logo pais não são melhores amigos, não são professores, pediatras ou psicólogos. São pais! Que mais se poderia desejar ser?

Cada relação, cada papel deverá conhecer os seus limites como um corpo não visível e concreto mas implícito, lapidado, consolidado e polido à medida do crescimento e desenvolvimento interno de cada sujeito.
O mesmo sucede nas relações e processos psicoterapêuticos. Para lá dos limites inerentes ao espaço fisico em que cada sujeito e terapeuta se acomodam e aninham, existem as paredes sólidas mas invisíveis que dão corpo à relação e processo terapêutico. Se por um lado no caso do acompanhamento de adultos este parece um conceito um pouco mais tácito, no caso do processo terapêutico com crianças torna-se mais complexo e carece de um forte realização e explanação sobretudo para com os progenitores.

“ Nunca sei o que é que ele lhe conta? Ele nunca me diz o que fala aqui!”

Compreender que aquele é o espaço da criança, das suas coisas e de tudo aquilo que esta pretender colocar nele, nem sempre è fácil para os pais. Porém, não existe psicoterapia se não existir confidencialidade, protecção e sigilo sobre tudo o que acontece da porta para dentro. O Psicólogo é um agente facilitador e promotor do contacto da criança com as suas questões internas, e sem uma relação de confiança e empatia esta dinâmica fica seriamente comprometida.
Pais são pais e sem a colaboração e empenho dos mesmos qualquer processo terapêutico tenderá a ser incompleto, um corpo sem um membro que coloque em causa uma mobilidade harmoniosa e saudável. E entramos aqui num registo nem sempre fácil de conquistar e manter, os pais deverão ser aliados e parceiros do processo terapêutico, estando disponíveis, partilhando informações, devolvendo preocupações, promovendo mudanças e respeitando a relação criança\terapeuta. No mesmo sentido, os pais deverão sentir-se ouvidos e compreendidos nas suas crenças e princípios, contidos nas suas angustias e preocupações, bem como, esclarecidos nas suas dúvidas e ilações. Como tal, os pais deverão formar uma aliança terapêutica com  o clínico, que fomentará na criança uma sensação de contenção e importância que promoverá um processo psicoterapêutico mais sólido e eficaz.
Pais são pais! Como tal, não têm de saber tudo sobre os filhos, da mesma forma que estes nunca saberão tudo sobre os pais. Mais importante que este “saber tudo”, alimentado pelas inseguranças e receio de perda de valor, os pais deverão conhecer os seus filhos e estes, numa reciprocidade genuína e única, deverão conhecer os seus pais. Os nossos filhos têm o direito a saber como nos sentimos perante diferentes situações, a revelar curiosidade e questionar sobre o nosso dia, a conhecer e prever as nossas reacções…só assim terão mais facilidade em contactar e partilhar as suas próprias emoções, pensamentos, medos e angústias.

Neste sentido, como pais estamos sempre a tempo de enriquecer as nossas perguntas e respostas, valorizando cada segundo das interacções com os nossos filhos.
Assim…
Filho gostava de te contar uma coisa importante que me aconteceu hoje no trabalho.(…) O que achas?(…) Achas que podia ter feito as coisas de forma diferente?(…)

Ontem quando não quiseste falar comigo fiquei a sentir-me um bocadinho triste e a achar que já não confiavas em mim, mas respeito que nem sempre te apeteça falar. Mas quando quiseres vou estar disponível.”



Drª Joana Cloetens
O Canto da Psicologia



terça-feira, 11 de abril de 2017

Rabanete vermelho, branco ou preto?




Conhece o rabanete?
E se lhe disser que há 3 tipos diferentes?



Rabanete – o vulgar rabanete que se encontra nos supermercados.


Rabanete chinês, japonês ou daikon -  de forma alongada, cilíndrica e branco. 



Rabanete preto ou de inverno – menos conhecido e comum. A parte branca é mais digestiva.




O rabanete preto é o que se destaca mais pelas suas propriedades especiais.
Estimula a produção de sais biliares pela vesícula biliar, graças ao seu teor em enxofre. Para além o seu teor em glucosinolatos, estimula a função hepática melhorando a destoxificação hepática sendo assim um hepatoprotector contra lesões.
Entre os nutrientes mais ricos encontramos vitamina C, ácido fólico e cálcio.


Experimente adicionar rabanetes nas suas saladas!


úlio de Castro Soares
Nutricionista
Tlm.: 962524966



sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guia do utente da Psicoterapia…kind of







Eu no Canto

Aqui ficam as minhas apresentações.

…do estereotipo social:Sou mulher.

Working mum (sempre aquela coisa que em inglês soa melhor…).
Com namorado vai para 6 anos.
Um filho pré-adolescente.
Uma filha dele (não minha) adolescente.
Uma família equilibradamente desequilibrada e estável nas suas instabilidades.

…das emoções:

Com uma amiga inseparável desde quase o berço…a ansiedade.
De imensas paixões e ódios amorosos.
Repleta de contradições.
Certa das minhas incertezas.
Segura das minhas inseguranças.
Partilhas neste espaço em 3 tempos verbais, o passado que teima em dar comigo em doida, o presente, e o futuro. 
Vou falar de mim, sobre mim e os meus…, mas também dos outros. E claro, aqui e ali desta experiência que tem sido a Psicoterapia na qual comecei há mais ou menos 4 anos.



Guia do utente da Psicoterapia…kind of

Quando decidi fazer Psicoterapia, estava num momento difícil na minha vida. Não era o primeiro, também não foi o ultimo, mas naquela altura esta ultima parte eu ainda não sabia.
Achava que pior do que aquele momento era impossível. Não sabia, como agora que tinha uma capacidade de suportar o insuportável maior do que imaginava.
Mas sobre isto falo noutro dia. 
Hoje partilho convosco o meu Guia do Utente para a Psicoterapia. E porquê? Porque efetivamente considero ser da máxima importância para quem se iniciou nestas andanças recentemente, e para quem anda a pensar nisso e não sabe muito bem ao que vai. Desta forma, encontram aqui “aquela” dica, ou no caso, um conjunto delas para conseguirem tirar o melhor partido da Psicoterapia.
Sem qualquer ordem ou critério aqui fica:

1. "Não negue à partida uma ciência que desconhece”. 
Eu sei. É um chavão. Foleirito até, porém simboliza bem isto da Psicoterapia. Já conhecia a Psiquiatria, a Psicologia, (não, não sou maluquinha…acho) até que esbarrei na Psicoterapia. No meu caso, foi o que melhor se adequou. Mas isto para dizer que cada uma destas que eu referi, tem a sua forma de “estar”, e a Psicoterapia, apesar de menos conhecida das pessoas tem um encanto que só ela. Mas é tímida e por isso se vamos à procura de resultados imediatos, nesta porta não se encontrada nada. 

2. Insiste e não desiste.
Há momentos em que queremos desistir, e então no caminho para mais uma sessão, assim meio emburrados e contrariados, começamos a arranjar mil e um argumentos para não irmos:
“-Acho que vou desistir! Já la ando há não sei quanto tempo (5 sessões…ou 5 meses até vá) …’tá bom!”
Só que não! A minha experiência diz que para além de seguirmos a regra 1, quando se começa a pensar em não ir, é porque estamos a fazer progressos. Evitamos ir porque sabemos que vamos voltar àquele assunto que até não queremos nada falar. Mas é mesmo assim. Insistir e não desistir.

3. Para maluco, maluco e meio.
Não é para tirar de letra… não estou a chamar o terapeuta de maluco! Estou sim a dizer que ali naquele espaço que é nosso, naquela hora, podemos e devemos dizer tudo aquilo que só pensamos, que até aos nossos pensamentos envergonha. Aquela pessoa que ali está à nossa frente, está preparada para ouvir de tudo. Para falarmos mal da sogra, da mãe, dos filhos, da ex dele, do atrasado mental do ex…enfim.  É mandar tudo cá para fora. E não tenham receio, que o que ficou por “falar” nesse dia, mais tarde ou mais cedo volta a lume.

4. Gigas e Gigas de memória com Terabites de perspicácia
No meu caso, em 60 minutos de sessão sou capaz de debitar 10 assuntos diferentes, sou uma autentica malabarista de “chatices” e “picamiolices”, pelo meio vou falando de assuntos com maior ou menor relevância para a minha existência.
É aqui que entra a memória e a perspicácia da Psi (Psicoterapeuta, que no meu caso será sempre feminino, mas nada contra às versões masculinas)! Não só consegue lembrar-se 40.000 sessões depois de assunto que eu mandei cá para fora, como percebe perfeitamente que “aquele” assunto no qual eu me retive apenas 5 minutos a falar, é provavelmente “O” assunto do dia, ou “O” episódio da nossa vida e assim, numa sessão quando menos esperamos lá vamos nós falar do que incomoda, do que mói.


5.Let it Go
…ou deixa-te ir. Entra na onda da verborreia e diz o que pensas. Sem medos. Ali ninguém nos ouve. Podemos falar da mãe, do pai, dos irmãos e de como a nossa família é a causadora de todos os nossos problemas presentes que vieram o passado. Falar da melhor amiga que às vezes não é assim tão amiga. Do chefe que é uma besta. Do bullying profissional. Mas também das coisas boas porque elas também existem e a Psi ajuda a vê-las e encontrar mesmo quando achamos que nem sequer existem.

Para acabar deixo aqui um glossário de linguagem Psi, ou “Psicolário”.
As Psi’s gostam de usar expressões e metáforas que com o tempo vamos percebendo o que significam, e que às tantas damos por nós a usar também.

Acredito que haja muito mais, mas aqui ficam as que eu já consegui descobrir:

- “Fantasia” –São exatamente aquelas coisas que pensamos, as que temos medo de pensar e os mil e um cenários, que no meu caso, gosto de colocar no exercício (completamente impossível) de controlar o futuro.
- “Largar a bomba” – aquele momento em que nós falamos de um assunto sensível, ou da treta, ou sobre pedras pedreira no sapato e airosamente achamos que a Psi não percebeu que aquilo que eu disse sobre a minha irmã, aparentemente inocente, afinal temos ali trabalho para muitas sessões.
- “Devolver” – não, não andamos a emprestar nada uma à outra. “Devolver” ou “devolução” é quando a Psi tenta por ordem na barraca e ajudar-nos a por as ideias no sitio e diz-nos o que nós dissemos no meio de choro e alguma histeria, mas de forma limpinha e “organizadora” (já lá vamos a esta).
- “Pensar com carinho” = Largar bomba + Devolver, ou seja é basicamente o trabalho para casa. É irmos pensar no que dissemos, mas já com as ideias arrumadas.
-"Organizador "– Termos as ideias arrumadas, pensarmos com carinho no que dissemos ou fizemos, naquilo que a Psi “devolveu” e organizarmos a nossa cabeça e forma de estar.


Resumindo…Não, não é fácil. Há alturas que não apetece. Que odiamos a Psi. Que achamos que o investimento financeiro não compensa. Que a cabeça pesa mais do que o nosso peso corporal. 
Felizmente são momentos breves, estes os difíceis, que são compensados pelos bons e por uma sensação de alivio e de vontade de continuar este processo.

Petra






quinta-feira, 6 de abril de 2017

Depressão, vamos falar?







“Depressão. Vamos falar!” é o tema escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para as comemorações do Dia Mundial da Saúde 2017, assinalado anualmente no dia 7 de abril. Colocado no epicentro das preocupações do debate internacional para o corrente ano, não poderíamos ficar indiferentes e deixar de relembrar uma data que é da maior importância, mais ainda quando a esta estão associados espectros da saúde que tanto nos tocam. 

Efetivamente, é com algum agrado que vemos assinalado o Dia Mundial da Saúde em volta de um tema tão central como é a Depressão, sobretudo quando verificamos que ainda há um longo caminho a percorrer até que esta questão possa ser tratada condignamente. 

Em Portugal, temos assistido a um aumento considerável do consumo de antidepressivos nos últimos anos, o qual é acompanhado por um aumento da taxa de suicídios. Estes são os dados do mais recente relatório da Direção-Geral da Saúde, o qual revela, ainda, que Portugal é um dos países com maior prevalência de doença mental, sendo também um dos países onde a depressão assume maior gravidade e em que o intervalo de tempo entre o aparecimento dos sintomas e o início do tratamento é mais elevado. No que concerne à saúde mental, temos uma legislação caduca e pouco adaptada à realidade do nosso país, embora esse não seja, talvez, o maior dos problemas: a estigmatização que é feita face aos sintomas psicopatológicos e à doença mental está, ainda, profundamente enraizada na nossa sociedade, tradicionalmente conservadora. É neste cenário que Portugal se encontra em relação à saúde mental, ainda distante daquilo que mundialmente se preconiza. 

Será necessária, por isso, uma profunda transformação para que o sofrimento psíquico passa a ser falado “olhos nos olhos” – de resto, como indica o título dado ao debate deste ano -, a qual só poderá acontecer através do desenvolvimento de toda uma rede (quase inexistente) de cuidados de saúde primários e de políticas e programas que atuem numa lógica preventiva. 

A Depressão é, de acordo com alguns autores, a doença do século XXI. Se, em tempos idos, a histeria era o quadro clínico de eleição, hoje, os quadros depressivos ocupam lugar enquanto sintoma de uma espécie de mal-estar contemporâneo: são a expressão da fragilidade humana, numa sociedade frenética, híper-exigente, individualista, do parecer em vez do ser, da ditadura do consumo, do mérito quantitativo. As dificuldades inerentes à condição humana, essas, vão ficando esquecidas, em detrimento de uma certa superficialidade dos afectos, das relações, da forma como nos ligamos, num mundo onde impera o imediatismo. 

Onde se enquadra, então, o depressivo, nesta linha de trânsito? O depressivo é, em si mesmo, o sintoma deste mal-estar, navegando na contra-corrente: tem uma tonalidade triste, produz pouco, não se entusiasma, faz-se acompanhar de uma sensação de vazio, de desesperança, de culpa e de pensamentos punitivos, sentindo-se desenraizado, deslocado, pouco integrado. 
O número de depressivos e o seu crescendo a uma escala mundial serão a expressão deste empobrecimento das sociedades atuais, os quais só poderão ser pensados e compreendidos, através de debates que deem voz à depressão e à saúde mental. Esperamos que aqui e um pouco por todo o lado o tema seja relançado. Afinal, “Depressão. Vamos falar!”




Dr.ª Joana Alves Ferreira
O Canto da Psicologia