quinta-feira, 29 de agosto de 2019

O meu animal de estimação...





Falámos a semana passada sobre o desenvolvimento da vinculação e a importância da mesma,  e esta semana trazemos o desenvolvimento de um outro tipo de relação de vinculação.
Cada vez mais, há uma grande parte da nossa sociedade sensibilizada e focada na valorização dos animais. Ao longo dos tempos, têm existido diversos movimentos no sentido de aumentar a adoção de animais, a diminuição do seu abandono, a não recusa dos animais de estimação em contexto de aluguer de habitações, a rejeição das touradas como entretenimento, entre outras. Encontramos este movimento desde partidos políticos a associações, passando por leis, campanhas de sensibilização, entre outras. Para muitos de nós, adultos, isto acaba por ser algo relacionado com o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais conscienciosa, apesar de ser um movimento recente. O grau de afetividade entre humanos e animais tem vindo a aumentar e cada vez mais eles são vistos como companheiros para a vida e menos como instrumentos: Portugal, país com tradição agrícola, poucos cavalos usa agora para arar! Portanto, se para os adultos de hoje em dia este movimento pode ser algo de novo, para as crianças estes movimentos acabam por ser quase inatos, na medida em que, se pensarmos bem, os animais estão sempre presentes nas suas vidas de forma algo diferente da dos seus pais ou avós: em vez de os terem como alimentação ou instrumentos agrícolas, a maioria das crianças de hoje em dia vêm desenhos animados que têm muitas vezes personagens animais, os brinquedos também serão um ursinho ou um cãozinho, as histórias lidas têm muitas vezes animais como protagonistas, com grande probabilidade terão um cão ou gato em casa… Existe, de facto, uma vivência diferente entre o homem e o animal que havia há 50 anos atrás.
Pensando a partir da nossa perspetiva, é certo que existem bastantes fatores na relação estabelecida entre a criança eo animal que muitas vezes nos passam despercebidos e que na correria da rotina acabamos por “desvalorizar”. Contudo, cada vez mais têm vindo a ser desenvolvidos estudos que nos mostram o potencial que esta relação pode ter no próprio desenvolvimento infantil, desde o desenvolvimento da linguagem (a emissão de ruídos), desenvolvimento da coordenação motora (segurar, tocar, fazer festas) e desenvolvimento psicológico e emocional (reciprocidade, respeito, confiança). Até do ponto de vista imunológico e alergológico, está mais que estudada a maior resistência de crianças que convivem com animais desde pequenas.
Através do desenvolvimento de uma relação próxima com um animal de estimação, as crianças desenvolvem umsentimento de segurança, confiança e coerência. Considerando que na base de qualquer relação o que encontramos é o afeto, isto fica ainda mais visível e claro nas relações entre os animais e as crianças, visto que estes não desenvolvem qualquer outro tipo de comunicação connosco. Esta relação poderá também demonstrar a capacidade da criança para estabelecer laços com outros quenão a mãe, o pai, os avós, os tios… estabelecendo então uma relação afetiva com um outro que não poderá ser recíproco na mesma moeda, mas que, não obstante, consegue transmitir afeto de maneira genuína. Há que lembrar que, em momentos de tensão ou de conflitos, que inevitavelmente acabam por existir em qualquer família, é absolutamente comum e natural que a criança recorra ao seu animal de estimação à procura de tranquilidade e de companheirismo. Aliás, este apoio é tão vasto e benéfico que existem muitos animais utilizados como auxiliares para terapias, como é o caso dos cães e dos cavalos, inclusivamente para crianças com patologias mais graves, como perturbações do espetro do autismo e paralisia cerebral.
Inerentemente, temos também o desenvolvimento de competências como a responsabilidade por um outro ser, visto que o animal de estimação precisa de ser alimentado, precisa de ir à rua (no caso do cão) ou de ver a sua caixa limpa (no caso do gato), e precisa de brincar e gastar energias. Estas experiências intrínsecas à existência de um animal de estimação em casa poderão conduzir, na criança, ao desenvolvimento da capacidade de não só perceber o que são as nossas necessidades individuais, como também a capacidade de perceber e identificar a existência de necessidades no outro, permitindo assim o desenvolvimento de competências do foro social: respeitar o espaço do nosso animal é respeitar os seus limites e, na realidade, garantirmos simultaneamente o seu bem-estar e o nosso, dado que ele, ao não saber falar, nos poderá demonstrar o seu desagrado de forma algo desconfortável – diga-se, através de uma dentadinha ou arranhadela!
Por fim, podemos pensar na parte menos agradável ou “bonita”, na medida em que os animais não vivem para sempre. No entanto, como ninguém vive para sempre, também daqui poderemos retirar uma aprendizagem mais transversal sobre a vida, o nascimento e a morte, o sofrimento, o cuidado… O que é certo é que, de uma forma geral, a vida é mais feliz com um animal de estimação. Estes tornam-se parte da nossa família e enriquecem-na todos os dias.

Drª Inês Lamares
O Canto da Psicologia



quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sobre a vinculação...






A teoria da vinculação surgiu no início dos anos 40 pelas mãos de John Bowlby e Mary Ainsworth, tendo-se tornado numa referência que funciona nos nossos dias como um fenómeno central das relações em geral e das relações bebé-pais em particular. A vinculação estabelece-se no primeiro ano de vida em relação à pessoa que é prestadora de cuidados ao bebé e, em princípio, lhe proporciona uma sensação de conforto e proteção. Embora o bebé não se vincule apenas a uma pessoa mas a várias que lhe prestam cuidados e que o acompanham, denota-se uma hierarquia entre estas figuras, existindo uma com a qual constrói uma relação preferencial. A figura de vinculação privilegiada parece abarcar fatores importantes como o tempo despendido com a prestação de cuidados ao bebé, o seu investimento emocional e a sua presença constante na vida do bebé, sendo que a ligação biológica não é um critério necessário. A capacidade desta figura dar uma resposta adequada às necessidades da criança, com uma dimensão emocional adaptada é fundamental.

A partir do estudo da relação dasmães e dos seus bebés foi possível distinguir três padrões de vinculação: seguro, no qual se assiste à regulação construtiva das emoções; inseguro-evitante, que se pauta pela inibição da experiência emocional; e, inseguro-ambivalente/ansioso, caracterizado pela intensificação de emoções indesejadas. Este estudo, que começou por ser feito com famílias consideradas de baixo risco, foi depois alargado a famílias consideradas de risco, com um estatuto sócio-económico baixo, psicopatologia de pelo menos um dos cuidadores, práticas educativas desadequadas e/ou maus tratos. Deste modo foi encontrado um quarto padrão, o desorganizado, onde se identificam estratégias de vinculaçãoincoerentes face a situações de stress.

Os padrões de relação estabelecidos com as figuras de vinculação conduzem à formação de representações do próprio, em termos de valor e influência sobre os outros, e do outro, relativamente à sua acessibilidade e responsividade. A vinculação é um processo vital relevante ao longo de toda a vida e estas representações construídas na infância são generalizadas no decorrer do desenvolvimento, tornando-se como que um guia para as outras relações.

O conceito de base segura, que consiste na confiança do bebé de que a figura de vinculação está acessível e disponível se surgir a necessidade de conforto ou proteção, assume uma importância essencial desde a infância à idade adulta. Os adultos, tal como ascrianças, estão mais capacitados a explorar o meio e desenvolver as suas competências quando têm a a confiança de poder contar com pessoas disponíveis para prestar apoio em caso de dificuldade. Os adultos também procuram a proximidade à figura de vinculação em situações de stress ou desconforto e sentem-se mais ansiosos se esta não estiver acessível. Nesta fase encontram-se os mesmos padrões de vinculação, descritos anteriormente.

Naturalmente denotam-se também diferenças significativas. Na idade adulta os comportamentos de vinculação (que procuram a proximidade da figura de vinculação) são exibidos de uma forma menos intensa e menos frequente e existe a possibilidade de encontrar esse conforto e proteção em pessoas que não a figura de vinculação, tendo em conta que o adulto dispõe de mais recursos. E nesta fase o estabelecimento do vínculo é recíproco, uma vez que ambos dão e procuram suporte.






quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Excesso de peso: metabolismo lento?






Com muita frequência, encontramos testemunhos de pessoas que dizem ter excesso de peso devido ao metabolismo lento, problemas de tiróide, genética desfavorável, etc.

O que mostra a evidência, é bem diferente. Diversos estudos mostram que, pessoas com excesso de peso ou obesas, apresentam valores de taxa metabólica basal entre 30 a 40% superiores a pessoas normoponderais, ou seja, o metabolismo de repouso de uma pessoa que tem excesso de peso é mais elevado do que uma pessoa com menos peso. Sendo a obesidade já considerada uma epidemia no século XXI, é importante juntar vários fatores para que haja perda de peso, nomeadamente diminuição da % de gordura corporal.

- Treino de Força: ajustar e individualizar um plano de treino com resistências e/ou cargas externas para melhorar a composição corporal. Exercícios que mobilizem mais quantidade de massa muscular; aumentos progressivos de carga; foco na técnica
- Défice Calórico e Dieta adequada: Comer menos calorias do que as que são consumidas diariamente, procurando uma alimentação rica em macronutrientes, sem recorrer a dietas milagrosas.


A consistência e adesão ao processo de treino e alimentar são fundamentais para que se obtenham resultados. Procure um profissional do exercício e um nutricionista.


Bons treinos
Hugo Silva



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre




quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Porque é preciso um manual de sobrevivência para uma greve?






Ficámos todos atónitos e incrédulos com as notícias e descrições dos últimos dias sobre a aproximação da greve dos motoristas de matérias perigosas. O pânico instalou-se em algumas situações e foram vários os relatos transmitidos em todas as televisões, jornais e redes sociais sobre os episódios ocorridos em bombas de combustível.

“Condutores envolvem-se em confrontos em bomba de combustível”; “Pânico nos combustíveis”; “Estou aqui há 24 anos e nunca vi nada assim”; “Este senhor meteu 900 euros de gasolina”.

Assistimos em primeira fila a alguns destes episódios e, para ajudar a enfrentar este evento, foi criado pela DECO um manual de sobrevivência onde são divulgados conselhos úteis para lidar com o impacto da greve. Parece algo inédito! Mas a verdade é que há situações que se tornam um autêntico pânico quando são sentidas em grupo.

Num olhar atento às obras de Freud, percebemos que em 1921, numa época muito longe ainda da Era da informação e das redes sociais, o texto sobre a Psicologia de Grupo e a Análise do Eu, já reflectia sobre este fenómeno e questionava as variações nos comportamentos dos indivíduos quando se encontravam em grupo, face às suas atitudes fora do grupo. 

Como podemos compreender o clima de ansiedade, agressividade e angústia vivido recentemente na corrida ao abastecimento de combustível?

A psicologia estuda em particular o ser psicológico individual e centra a sua análise nos movimentos defensivos, na forma como sente e expressa as emoções, mas também no modo como o indivíduo se relaciona e se posiciona com os outros. O outro pode ser internalizado sob diversos modelos e actuar como objecto de amparo, de rivalidade, de repressão, de suporte ou dependência, podendo assumir vários papéis enquanto objecto relacional. 
Se focarmos a análise do ser psicológico enquanto grupo, as dinâmicas relacionais individuais são isoladas. Assim, a pessoa passa a ser interpretada como membro de um grupo, povo, classe ou aglomerado que se organiza para um determinado objectivo. Este conjunto cria a sua própria dinâmica e, por mais distintas que sejam as suas personalidades, unem-se no sentir, pensar e agir. Tornam-se mutuamente influenciáveis, orientam-se por via da sugestão, desinibem-se e assumem uma personalidade comum predominantemente inconsciente. 

Os sentimentos do grupo são caracterizados por serem simples e exaltados, onde não há dúvidas, mas há muitas certezas que, rapidamente se tornam extremas uma vez que são guiadas principalmente por instintos primários, que tendem a satisfazer algo ou a executar movimentos de sobrevivência. 
A corrida às bombas após os anúncios de aproximação da greve desencadeou a compra desenfreada de jerricãs e o abastecimento urgente de depósitos para garantir o máximo de combustível possível, ilustrando assim, o modo como a greve foi interpretada e sentida socialmente, onde os impulsos primários predominaram.

As atitudes e os comportamentos em grupo podem tornar-se um perigo a partir do momento em que o indivíduo deixa de pensar por ele próprio e passa a agir de forma a repetir, inconscientemente, actos em conjunto. É neste cenário que o agir em grupo apresenta maior risco e por vezes instala o pânico. 

A importância de conhecermos este fenómeno ajuda-nos a prevenir a influência negativa que pode advir e prepara-nos para lidar com o acontecimento atempadamente, evitando situações de crise. Resistir à sedução de copiar ou acompanhar a onda do comportamento em massa é o maior desafio. 

Parar e raciocinar com conhecimento substancial do que está em causa é fundamental para seguir com a serenidade possível e certamente minimizar o impacto e as consequências de um previsível desespero.


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O Terapeuta vai de férias...




Durante os meses de verão, é comum que se tirem férias. Este é, aliás, um dos momentos mais ansiados por todos, com promessas de dias leves, sem as preocupações do quotidiano e sem a rotina tantas vezes incomoda. Mas e quando essas férias entram no processo psicoterapêutico? O que significarão as férias do terapeuta para quem se habitua a ter o seu momento, semana após semana, no mesmo horário, no mesmo sítio, com aquela constância tranquilizadora?

É frequente que quem está num processo desta natureza se questione se o seu terapeuta pensa em si fora do contexto da consulta, se se lembra da sua história, se se preocupa durante as suas ausências ou até faltas. Naturalmente que as férias, momento em que o terapeuta opta por se afastar, poderão despertar em algumas pessoas sentimentos de abandono, de se sentirem preteridos por momentos de lazer e passeios à beira-mar. A realidade é que estes momentos de afastamento, essenciais para qualquer pessoa independentemente da sua área profissional, não significam que o terapeuta se esqueça ou não se importe com quem acompanha – como julgamos ser óbvio, mas que mesmo assim fazemos questão que seja evidente! Durante as férias, a maioria dos terapeutas estarão até disponíveis para atender o telefone, caso aconteça algo em que seja essencial serem contactados. Na realidade, dado o carácter natural deste afastamento, este pode e deve ser pensado com carinho e respeito pelo par terapêutico, com as suas repercussões a terem de ser desconstruídas em contexto de consulta, fazendo com que um momento potencialmente perturbador da relação seja, afinal, uma oportunidade para melhor elaboração de questões de fundo.
Nos momentos que antecedem o início das férias, assim como nos que marcam o regresso à rotina, verificam-se por vezes alterações à constância da relação, ao tom emocional que caracteriza as sessões, à intensidade das questões levantadas, o que terá de ser necessariamente contextualizado. Uma falta num momento aparentemente incaracterístico poderá ter um determinado valor, ao passo que uma falta na última sessão antes das férias do terapeuta poderá ser pensada de forma mais específica: quão difícil é para mim ficar sem poder ver esta pessoa que normalmente está sempre disponível? Como me sentirei durante as próximas semanas, e o que poderei fazer se me sentir demasiado angustiado? Em que pontos mais sensíveis da minha história pessoal é que este acontecimento irá tocar? É importante que tudo isto seja pensado: se não se elaborar, então pode contaminar.
Inconscientemente, esta separação temporária poderá ter um impacto de tal forma no sentir de quem vê o seu terapeuta a afastar-se que, em última análise, poderá até levar a desistências do processo. Não sendo isto de todo desejável, há que pensar em conjunto o que isto significa, como afeta a estabilidade de cada um e, espera-se, alcançar novos entendimentos sobre o nosso mundo interno. Porque as relações são mesmo assim: uma sucessão de aproximações e afastamentos, em que as pessoas estão ligadas por fortes laços invisíveis, que não se veem com os olhos, mas que se sentem com o coração. Coração esse que, mesmo de férias, não deixa de transportar quem está cá dentro.





quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Tabletes versus brincar ao ar livre...






Já o referi aqui, num artigo passado, mas nunca é demais voltar a referir evidências recentes. Uma meta-análise com dados de 20.000 crianças, durante um período superior a 20 anos, veio corroborar uma vez mais alguns parâmetros de saúde relacionados com a atividade física.
Os valores do estudo, revelaram que as crianças com maior aptidão física (fazer flexões, testes com abdominais, preensão manual, etc) tinham menor % de gordura corporal, melhor sensibilidade à insulina, maior densidade óssea, menor risco cardiovascular e maior capacidade cognitiva.

Sabemos que as crianças de hoje serão os futuros adultos de amanhã. A crescente banalização do uso de telemóveis e tabletes por parte das crianças, irá causar gerações futuras mais doentes e menos capazes.

Se são pais, procurem que os vossos filhos brinquem ao ar livre. Desta forma, o constrangimento exterior fará com que as crianças adquiram ferramentas físicas e motoras determinantes para a sua saúde no futuro.


Bons treinos
Hugo Silva



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre



quinta-feira, 1 de agosto de 2019

(IN)fidelidades Conjugais...





Quando quem trai quer fazer psicoterapia!
“Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia no meu amor”
A plasticidade de funcionar do ser humano é uma das características que este tem para, no decorrer da vida, moldar-se às várias realidades, externas mas também internas, pelas quais vai vivendo. Muitas destas realidades podem contrastar, não poucas vezes, com padrões educacionais, culturais, sociais e morais interiorizados. Padrões relacionais patogénicos interiorizados são também realidades vividas que podem contrastar com a harmonia desejada de uma relação amorosa. Frequentemente, este contraste, conduz a desastres relacionais de elevada magnitude que originam, naturalmente, vivências de enorme conflituosidade e sofrimento.
Segundo o inquérito Saúde e Sexualidade, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, divulgado em 2008, cerca de 12,5% dos portugueses inquiridos assumem já terem traído os seus parceiros. Os que não couberam neste inquérito elevarão certamente a estatística da traição.
De facto, muito se fala sobre infidelidade sendo por isso importante a realização de um debruçar compreensivo-fenomenológico acerca daquilo que engloba este tipo de comportamento, e onde intervêm variáveis várias como variáveis de índole emocional, de personalidade, entre outras.
Pretendendo refletir um pouco sobre a perspetiva psicológica deste agir, que pode ser pontual ou frequente, pode dizer-se, que existem três tipos de infidelidades nas relações amorosas: a infidelidade emocional  (quando o parceiro despende recursos emocionais como tempo, amor e atenção a outro indivíduo), a infidelidade física (resultado de atividade sexual com outro indivíduo que não o parceiro principal) e infidelidade combinada, que incorpora as duas anteriores e que tem sido demonstrado que tem maior ameaça à união do casal do que qualquer envolvimento emocional ou sexual isolado.
Em termos clínicos, e quando este é um tema central num processo psicoterapêutico, subjacente a um quadro de sofrimento interno, uma das avaliações fundamentais do psicólogo é avaliar os fatores que contribuíram para a ocorrência da infidelidade, contextualizado no questionar se a relação conjugal é ou não satisfatória para o próprio.
Mas vai-se naturalmente e obrigatoriamente mais longe: que condicionantes narcísicas, de auto-estima, estão em jogo? Como e quem é o/a companheiro/a? Como e quem é o/a amante? Que lugar o próprio (não) tem na relação traída? Ou em que lugar não se faz caber dentro de si mesmo? Estará também a trair-se a si? Que quer o sujeito comunicar e não consegue? Que narrativa existe associada ao trair? Será uma narrativa de socorro e de impotência mas desejo de resgatar a relação ou será uma narrativa de desejo de fuga não admitida internamente? É que às vezes também se trai porque não se conseguir receber amor. Trai-se algumas vezes porque já se foi traído precocemente por quem não é natural ser traído (por um pai ou por uma mãe). Onde falhou esse nutrir no passado? O que se procura compensar? A capacidade de simbolizar a falta agida através da traição encerra muitas vezes a resposta.
Num plano sintomático de uma relação não saudável, não satisfatória, existem algumas vezes situações de falta de nutrição emocional do outro, o outro que não satisfaz, o outro que não ouve, que não valoriza e não ama lá muito bem ou de todo. Muitas vezes, como forma de defesa perante a dura realidade de uma relação infeliz, surge a traição, a infidelidade como formas de agressividade, e zanga com e para o outro e que não é expressa. Age-se o que não se consegue transformar e outras vezes trai-se porque realmente precisa-se de melhor! Atabalhoadamente ou não o sujeito tenta fazer-se melhor à vida!
De forma genérica, convém contudo salientar que as motivações subjacentes à infidelidade conjugal são inúmeras e com variados contornos. Convém primeiramente desmistificar a crença de que a infidelidade é sempre um indicador de que a relação conjugal primordial é de qualidade negativa.
De facto, quem ama o outro pode trai-lo, mesmo existindo um relacionamento satisfatório e onde existe reciprocidade e intensidade emocional. Algumas pessoas dão por si numa situação de infidelidade por ocorrência de situações que comportam grande stress, como o facto de ser-se pai ou ser-se mãe pela primeira vez, ou quando os filhos saem de casa, instabilidade profissional, familiar, processo de doença, etc. Constata-se uma narrativa de desgaste e incapacidade ou dificuldade em comunicar essa dor mas, sobretudo, transformar e integrar a mudança dentro de si. É quem diz “Eu amo mas traí… e agora?” que possui maiores níveis de culpabilidade e que mais facilmente socorre-se de ajuda psicológica. Mas também às vezes não mais se ama.
Numa dimensão psicobiológica, pode dizer-se que a atração não raras vezes se sobrepõe à esfera do envolvimento emocional, sobretudo quando a denominada fase de paixão do casal já teve lugar. Numa relação saudável, ambos os elementos da relação terão que conviver com estes aspetos e riscos associados. Amar comporta também riscos. Mas afinal de contas amar é para os corajosos, os que têm coragem de se reassumir e reerguer perante um sismo estrondoso que é uma traição. Procuram ajuda. E fazem-nos porque estão dispostos a melhor amarem(-se) ou a aprenderem  a amar(-se). Outras vezes é impossível. Não se ama o outro porque não se consegue amar a si próprio. O amor é um corpo estranho para muitos. Boicotá-lo e detoná-lo pode ser uma resposta automática para alguns…mesmo quando é somente aquilo quer mais se precisa. Lógicas desarmónicas e desarmonizantes que precisam de serem tornadas conscientes para se poderem transformar.
A traição é mesmo um lugar vasto. Encontre uma forma de elaborá-la. Estamos aqui.