quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Porque é preciso um manual de sobrevivência para uma greve?






Ficámos todos atónitos e incrédulos com as notícias e descrições dos últimos dias sobre a aproximação da greve dos motoristas de matérias perigosas. O pânico instalou-se em algumas situações e foram vários os relatos transmitidos em todas as televisões, jornais e redes sociais sobre os episódios ocorridos em bombas de combustível.

“Condutores envolvem-se em confrontos em bomba de combustível”; “Pânico nos combustíveis”; “Estou aqui há 24 anos e nunca vi nada assim”; “Este senhor meteu 900 euros de gasolina”.

Assistimos em primeira fila a alguns destes episódios e, para ajudar a enfrentar este evento, foi criado pela DECO um manual de sobrevivência onde são divulgados conselhos úteis para lidar com o impacto da greve. Parece algo inédito! Mas a verdade é que há situações que se tornam um autêntico pânico quando são sentidas em grupo.

Num olhar atento às obras de Freud, percebemos que em 1921, numa época muito longe ainda da Era da informação e das redes sociais, o texto sobre a Psicologia de Grupo e a Análise do Eu, já reflectia sobre este fenómeno e questionava as variações nos comportamentos dos indivíduos quando se encontravam em grupo, face às suas atitudes fora do grupo. 

Como podemos compreender o clima de ansiedade, agressividade e angústia vivido recentemente na corrida ao abastecimento de combustível?

A psicologia estuda em particular o ser psicológico individual e centra a sua análise nos movimentos defensivos, na forma como sente e expressa as emoções, mas também no modo como o indivíduo se relaciona e se posiciona com os outros. O outro pode ser internalizado sob diversos modelos e actuar como objecto de amparo, de rivalidade, de repressão, de suporte ou dependência, podendo assumir vários papéis enquanto objecto relacional. 
Se focarmos a análise do ser psicológico enquanto grupo, as dinâmicas relacionais individuais são isoladas. Assim, a pessoa passa a ser interpretada como membro de um grupo, povo, classe ou aglomerado que se organiza para um determinado objectivo. Este conjunto cria a sua própria dinâmica e, por mais distintas que sejam as suas personalidades, unem-se no sentir, pensar e agir. Tornam-se mutuamente influenciáveis, orientam-se por via da sugestão, desinibem-se e assumem uma personalidade comum predominantemente inconsciente. 

Os sentimentos do grupo são caracterizados por serem simples e exaltados, onde não há dúvidas, mas há muitas certezas que, rapidamente se tornam extremas uma vez que são guiadas principalmente por instintos primários, que tendem a satisfazer algo ou a executar movimentos de sobrevivência. 
A corrida às bombas após os anúncios de aproximação da greve desencadeou a compra desenfreada de jerricãs e o abastecimento urgente de depósitos para garantir o máximo de combustível possível, ilustrando assim, o modo como a greve foi interpretada e sentida socialmente, onde os impulsos primários predominaram.

As atitudes e os comportamentos em grupo podem tornar-se um perigo a partir do momento em que o indivíduo deixa de pensar por ele próprio e passa a agir de forma a repetir, inconscientemente, actos em conjunto. É neste cenário que o agir em grupo apresenta maior risco e por vezes instala o pânico. 

A importância de conhecermos este fenómeno ajuda-nos a prevenir a influência negativa que pode advir e prepara-nos para lidar com o acontecimento atempadamente, evitando situações de crise. Resistir à sedução de copiar ou acompanhar a onda do comportamento em massa é o maior desafio. 

Parar e raciocinar com conhecimento substancial do que está em causa é fundamental para seguir com a serenidade possível e certamente minimizar o impacto e as consequências de um previsível desespero.


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