quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Ode ao brincar: Eternizemos o brincar de faz de conta!






“Aquilo que há em nós de criativo é infantil, ou vem da infância, é aquilo que fica vivo da infância, e a infância, por definição, é criativa, porque cria a própria pessoa.”
João dos Santos, 2000


Deverá ser do senso comum que brincar é uma ação promotora de saúde: do corpo e da alma. É o primeiro idioma da infância. Falar de brincar remete-nos, inevitavelmente, ao tempo do faz de conta, da comunicação simbólica, através da qual a criança desfrui dos deslocamentos e das metáforas que ela possibilita e por intermédio das quais uma coisa pode ser tomada por outra – uma fita pode ser uma coroa de princesa, uma caixa pode ser um avião, um pano uma capa de super-herói, um lápis uma varinha mágica.

Brincar expressa afeto, criatividade, fantasia, mas também, agressividade e rivalidade. É uma forma de ação sofisticada, representativa e simbólica. Brincar vive nas imediações dos sonhos. Ambos os atos dispensam palavras. A criança sente-se livre para experimentar tudo o que quiser, ela pode ser tudo e, nesse brincar não se sentam para falar como os adultos, encontram no lúdico a forma preferencial de enunciar o que se encontra no seu arquivo inconsciente. Assim, em psicoterapia com crianças, o jogo é muito mais que uma simples brincadeira. É a porta de entrada para o mundo interno da criança.

A atividade lúdica proporciona também o domínio e a integração de experiências difíceis e traumáticas, transformando o passivo em ativo (Freud, 1920).

Éo brincar que nos conduz aos relacionamentos sociais, ligando-nos ao outro  que, até lá, estava imbuído de estranheza e desconfiança. E é na relação e cooperação com este outro que aprendemos a pensar, a criar e, também, a permitir a frustração do erro e do insucesso. De forma efetiva, aprendemos a importância da negociação e da partilha, lidamos com as regras e desenvolvemos argumentação para a resolver conflitos. Brincar é expandirmo-nos enquanto pessoas.

Ao brincar, dançamos com a arte e com ela construímos identidade e singularidade. É no brincar, e talvez apenas no brincar, que acriança e o adulto usufruem da sua liberdade de criação.

Por tudo isto e por muito mais que haveria a refletir, brincar é algo valioso e terapêutico por si só. Permite às crianças pensar, imaginar e construir significados, analogamente ao adulto com a linguagem verbal.

No mundo da imaginação, onde as possibilidades são infindas, as crianças elaboram aspetos desejados, proibidos ou rejeitados de si mesmas, consideravelmente com menos conflitos. Modificar a história ou interromper a brincadeira para iniciar outra, possibilita-as a regularem-se emocionalmente. Brincar é estar, em simultâneo, no mundo real e no mundo da imaginação e dentro dela, é possível enfrentar os maiores dilemas morais; morrer; matar; ser o melhor amigo ou o mais férreo inimigo.

A importância do Brincar está amplamente estudada e evidenciada pela comunidade científica. No contexto clínico, assume-se como uma ferramenta com capacidade diagnóstica e terapêutica, pois cria a possibilidade de a criança expressar a sua realidade psíquica, e concomitantemente, permite ao terapeuta identificar formas de ajudar a criança na elaboração dos seus conflitos e no seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e social.


Drª. Soraia Almeida
O Canto da Psicologia - Braga



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Homem o suficiente ou o medo de não o ser...




O Luís conta-me que não se sente muito atraído por homens com características mais femininas – e aqui ele refere-se à forma de vestir, maneirismos, preferências. Contudo, acrescenta, também não se sente atraído por homens “Bear” ou “Urso” os quais para ele estão associados a  uma masculinidade demasiado “gráfica” e que ambos pensamos, talvez sirva para mascarar qualquer aspecto ligado ao feminino que pudesse aparecer. O Luís concorda com esta ideia e acrescenta que é muito difícil para os homens com uma orientação homossexual – em específico – exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais associados à feminilidade como a vulnerabilidade, necessidade de protecção, alegria, sem o perigo de se tornarem demasiado femininos. Conta-me que com a população masculina de orientação heterossexual é diferente, dando-me o exemplo de um amigo em comum, heterossexual e dizendo: “ por exemplo, o Manuel, usa o que quer e nunca deixa de ser masculino. Se fosse eu, ia parecer uma bicha”.

Neste caso, o Luís refere-se sobretudo à forma de vestir do Manuel e à expressão da sua sensibilidade através dos gostos e opiniões que manifesta, no geral. De certa forma, o Manuel é mais capaz de se expor, do que o Luís. Contudo, o que o Luís não sabe é que o Manuel desabafou comigo sobre sentir tantas vezes ser difícil definir, enquanto homem, os limites entre o feminino e o masculino, sentindo muitas vezes não corresponder ao estereótipo do masculino. Foi o Manuel que me disse que o preconceito de não se ser homem o suficiente, põe em causa a masculinidade.

O resumo dos diálogos que tive com ambos os  amigos, em alturas separadas, pretende apenas funcionar como ponto de partida para a reflexão em torno de algumas questões ligadas à construção das masculinidades e do feminino que nelas se inscreve. Não se trata portanto, de material clínico, apesar de levantar questões comuns às de muitos jovens adultos que vou ouvindo, em contexto de gabinete.

Segundo Benjamin (1988), psicanalista americana, nas sociedades ocidentais, as imagens culturais subjacentes à masculinidade geralmente continuam a significar ser-se racional, protector, agressivo e dominador, enquanto as imagens subjacentes à feminilidade costumam significar ser-se emocional, receptiva, afectiva, cuidadora e submissa. Estas imagens parecem obedecer a uma ordem social ligada à força binária, assente numa reprodução da complementaridade de géneros masculino e feminino enquanto constructos distintos e opostos.

Penso na afirmação de Stoller (1985), psiquiatra americano,  The first order of business in being a man is don`t be a woman” e automaticamente também na angústia do Luís e do Manuel quando me falam da dificuldade em exporem aspectos que tradicionalmente possam estar mais ligados ao feminino sem o perigo de se tornarem mulheres.

Independentemente da orientação sexual, é relativamente comum para os meninos, rapazes, adultos serem chamados, com mais ou menos frequência, de “maricas”, “bicha”, “paneleiro”. Sob este ponto de vista, o feminino é encarado como um sintoma negativo (Corbett, 1996), contido em cada uma destas injúrias narcísicas.

Ducat (2004) cria o termo “femiphobia” para assinalar o repúdio do homem pelo seu self feminino. O preconceito interno e externo do masculino em relação ao feminino instala-se, comprometendo o saudável desenvolvimento do sujeito através de uma organização fálica defensiva, negando aspectos ligados à capacidade procreativa e possibilidades de afecto e criação de um homem (Fast, 1984).

Tal como Luís,  o Manuel afirma sentir-se ambivalente em relação à definição dos limites entre o feminino e o masculino. A dificuldade do Manuel poderá talvez ser validada por Corbett (2009) que afirma que todos os géneros têm falta de coerência e são atormentados pela ansiedade. Grayson Perry (2016), um artista plástico inglês, escreve, meio a brincar meio a sério,  que existe um Departamento da Masculinidade que se encarrega de enviar os seus funcionários na recolha de informações acerca do que é ser masculino numa variedade de fontes -  pais, professores, televisão, livros, filmes. Os funcionários instalam-se dentro da cabeça de cada homem e enviam instruções através de uma voz interna inconsciente que serve como intercomunicador. Estes funcionários têm como tarefa patrulhar os limites do género e assegurar que todos os membros da cultura masculina respeitam e agem em conformidade (Buchbinder, 2013).  Os que não o fazem podem sentir-se como o Manuel – a não corresponder ao estereótipo do masculino.

As questões ligadas à identidade de género e, neste caso mais concreto, à masculinidade, são transversais a todas as Pessoas, quer sejam homens, mulheres, transexuais, intersexuais, homossexuais, heterossexuais ou assexuais. Podem ser pensados e debatidos em muitos lugares,  mas com certeza de forma aprofundada durante um processo psicoterapêutico, se tal se justificar.






quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A delicada arte de amar...



O amor é delicado. Envolve respeito, atenção, cuidado, escuta, relação.


Em véspera do dia dos namorados, nada mais presente à nossa volta do que imagens e anúncios alusivos ao amor. Contudo, amor e enamoramento revestem-se não só de imagens e palavras, mas sobretudo do sentir e do estar (dentro de nós, dentro do outro).
A procura de um outro, seja numa relação de amor romântico ou de um outro tipo, faz parte da natureza humana. Ainda antes do nascimento, na relação diádica entre mãe e bebé, a dependência face ao outro, é rampa de lançamento para o vínculo afetivo.
Amar é, situar-se num lugar um pouco estranho, de alguma vulnerabilidade até, permitindo-se estar “ao cuidado de alguém”, ou melhor dizendo em comunhão com alguém, criando-se um espaço de intimidade (psíquica).

Sabemos hoje que as relações amorosas adultas são o palco das experiências relacionais da infância (Rusczynski, 2006). No entanto, os atores nelas envolvidos (o casal romântico), tem a possibilidade de criar na relação algo de novo, que seja complementar para cada um. Deste modo, e como refere Freud (1910) “É absolutamente normal e inevitável que a criança faça dos pais o objeto de primeira escolha amorosa. Porém, a líbido não permanece fixa neste primeiro objeto: posteriormente apenas o tomará como modelo, passando dele para outras pessoas estranhas (…).”. Falamos então de amor adulto quando se está perante uma relação madura, promotora de mudança (no self) e que simultaneamente responda às exigências atuais do amor adulto (Mesquita, 2010), onde se pode estabelecer uma relação complementar e não apenas para se sentir completo - estar com o outro para criar. No fundo somos todos seres desejantes de amor, como nos fala Coimbra de Matos (2004): “Quem procura o amor sempre o encontra, não fôramos todos seres disso desejantes. Desde que, à cabeça sejamos amadores; que o amor não se compra, nem se agradece, mas retribui-se. Quem ama sempre acabará por ser amado – desde que não desespere ou converta a falta e frustração em ódio e raiva.”

Importa então assinalar que o amor (amar alguém) inclui desejos e fantasias inconscientes associadas à infância, o que faz também deste sentimento algo único e idiossincrático, pois depende sempre do que cada pessoa “necessita”, e naturalmente procura no outro.
Amar é, confiar no outro, sendo que este sentir é aperfeiçoado quanto mais seguros na relação nos é permitido estar. É para isso novamente importante referir a noção de amor infantil. O lugar do amor do outro dentro de nós, ou seja, é essencial que ao longo do desenvolvimento do sujeito se crie uma constância (interna) do amor que outro (mãe, cuidador/a) tem em relação ao bebé/criança. Por outras palavras, numa fase inicial do nosso desenvolvimento é fundamental que aquele que cuida possa ter um comportamento previsível e dedicado, para que a segurança se instale. Progressivamente, este estado de segurança interna possibilita que o outro possa existir, mesmo quando ausente, o que leva a que, por exemplo, mãe e bebé se possam separar sem que este fique angustiado.

Nas relações amorosas adultas acontece algo semelhante. Numa fase inicial, a que podemos chamar de enamoramento/sedução, há que criar um espaço seguro, de intimidade, onde dois sujeitos (a díade) se conhecem e criam uma linguagem própria. Portanto a dança acontece, o movimento dos corpos (comunicação) é sintonizado, e o compasso e ritmo vão sendo pautados pela música que cada um traz para a relação.
Bom, retomando a premissa inicial, repito – o amor é delicado, e, fazendo minhas as palavras de Isabel Mesquita (2010), “Hoje digo que se eu escrever, um dia, um livro sobre o amor, terá 100 páginas, 99 das quais em branco e na última apenas escreverei: a grande vantagem do Amor é que pouco se sabe falar sobre ele e, como tal, andamos sempre dele à procura!”.






quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

E agora em Braga...






Alguém lembrou que faltava o relógio para a sala de atendimento e, alguém respondeu:
    - Não precisamos… temos os sinos da SÉ de BRAGA!

“Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma”


E aqui estamos nós, conquistando o Norte, tocando os sinos a rebate, não em toque de ataque avisando a chegada do inimigo mas, em toque de recolher, convidando-o/a a um recolhimento interno, num espaço de transformação, contenção e suporte, permitindo-se, tal como o sino, ser afinado por um especialista que o vai limando, retirando e trabalhando material até que ele se adeqúe ao seu propósito… afinal de contas, não basta derramar metal num molde para fazer um sino…

É com imenso orgulho e satisfação que lhe apresentamos o novo espaço d’ O Canto da Psicologia no norte do País, em BRAGA, Cidade dos Arcebispos, das mais antigas e bonitas de Portugal , reconhecida em 2017 como “Destino Europeu de Património” ….

À sua espera, tal como em todos os outros espaços, tem uma Equipa de Excelência ( já pode visitar o nosso site e conhecer a Equipa - www.canto-psicologia.com ) , um espaço de qualidade, muro com muro com a Sé de Braga no centro histórico, a um preço pensado e ao alcance de todos - 35€/sessão - ...
À distância de um clique, conte connosco... e já sabe, na dúvida, escolha-nos!!!











terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Exercício físico e gravidez...






Os hábitos de vida que temos no presente, têm em grande medida, repercussão a médio e longo prazo na nossa qualidade de vida. Sabe-se que, por exemplo, a atividade física regular em gestantes, pode influenciar de forma positiva o embrião e após isso o desenvolvimento futuro da criança.

Neste âmbito, um estudo longitudinal na Dinamarca, feito com mais de 4.000 grávidas, tentou perceber de que forma a atividade física, afetava a inteligência ou a falta desta nas crianças.

Os testes foram elaborados, quando os filhos já tinham entre 17 e 20 anos e tentou-se perceber, se a atividade física na gestação tinha influência, na idade adulta dos filhos. Curiosamente ou não, os resultados foram bem contundentes. Mulheres com atividade física moderada a vigorosa antes e durante a gravidez, reduziram o risco de um QI baixo nos filhos, entre os 38 a 50%, ou seja, 9 meses de algumas decisões, irão influenciar futuramente uma vida inteira.

Só em raras exceções e/ou por aconselhamento médico, a atividade física não deverá ser feita durante a gravidez.




Hugo Silva


Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre





quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Relação fraterna.. da rivalidade à cooperação...






Só mais recentemente é que a relação fraterna tem sido alvo de estudo, até aqui o foco foi sempre a relação dos pais com os filhos. Mas de facto, os estudos comprovam que a relação entre irmãos tem um grande impacto no desenvolvimento emocional e social enquanto adultos.

Existem vários fatores que influenciam e determinam a relação entre irmãos, desde a mais tenra idade. Um dos fatores está relacionado com as expectativas que a família tem acerca das características, competências e possibilidades de cada uma das crianças. Estas expectativas são determinantes na organização da fratria, na relação de poder entre irmãos, na função e papel de cada um.
Outro fator é a dinâmica familiar e modelo de relacionamento parental, que tende a ser reproduzido na relação entre irmãos.

A relação entre irmãos nunca é inteiramente fácil e isenta de conflitos. É uma relação ambivalente, de amor-ódio, mas que não é negativa no sentido que permite que as crianças não se sintam sozinhas e que aprendam a partilhar brinquedos, situações e emoções. A vida na fratria permite experenciar a socialização, influencia o ajustamento psicossocial como preparação para as futuras relações amorosas e com os pares.
Ter um irmão é um desafio para a criança. Força-a a lidar com situações e emoções que ajudam a desenvolver competências de resol
ução de problemas, negociação, autocontrolo, partilha e tolerância à frustração.

O que gera competição entre os irmãos é a necessidade de atenção dos pais. Os irmãos não se escolhem, podem ter personalidades diferentes mas têm a difícil tarefa de partilharem as duas pessoas que mais querem para si: os pais. Neste sentido, a rivalidade é uma situação natural.
É aqui que o papel dos pais é fundamental. O funcionamento saudável da família também depende do fortalecimento da relação fraterna. Os pais devem fomentar a qualidade do vinculo entre irmãos, incentivando o envolvimento, o respeito mútuo, a cooperação e a gestão de conflitos.

O que se pode fazer para diminuir a rivalidade?
- promover momentos de convívio que reforcem a união fraterna (por exemplo, jogos em que os irmãos pertençam à mesma equipa);

- valorizar as diferenças entre os irmãos, para que as crianças se sintam bem com as suas características e também elas aceitem as diferenças dos demais;

- nunca fazer comparações entre irmãos porque cada um tem a sua personalidade e as suas capacidades;

- quando surge um conflito, permitir que sejam eles a resolver. Se tiver de intervir, é importante a imparcialidade, sem procurar o culpado, incentivar a que expressem o que sentem relativamente à situação de conflito e que cheguem a estratégias de resolução;

- privilegiar os momentos em que existe interação positiva, elogiando a capacidade de partilharem brincadeiras.

Para que a rivalidade natural não se torne patológica, estes momentos de interações positivas, os momentos em que consigam partilhar brincadeiras de forma amistosa, são fundamentais. Qualquer filho quer ser o mais amado pelos pais. Quanto menos afeto percepcionarem por parte dos pais, mais rivalidade existirá entre irmãos.

A patologia surge quando se manifesta uma agressividade excessiva, a par de uma postura desafiante e de oposição. Quando o ciúme é excessivo, pode ser necessária a intervenção de um Psicólogo, assim como em situações em que os pais sintam que a rivalidade entre os seus filhos está a tomar proporções preocupantes.