quinta-feira, 30 de maio de 2019

A Psicoterapia é para pessoas fortes ou para pessoas fracas?





Nunca houve tanto conhecimento como aquele que temos agora e nunca o acesso à informação foi tão fácil e rápido. Por outro lado, e no que diz respeito às emoções, a ciência e a investigação muito têm contribuído para o reconhecimento da importância do cuidado a ter com a saúde mental.
Talvez por isso, ainda me surpreenda e fique atónita quando oiço certas afirmações e proposições! 
Afirmar que a psicoterapia é para pessoas fracas de espírito ou para pessoas loucas não só é errado como é precisamente o oposto daquilo que é vivido nas sessões de psicoterapia. 
O contexto psicoterapêutico surgiu, numa fase inicial, relacionado com o tratamento de perturbações psicológicas graves, mas rapidamente se descobriu que os seus benefícios eram evidentes e inequívocos em vários âmbitos.

Fazer psicoterapia exige coragem, persistência e uma dose de bravura considerável. 

Durante a nossa vida somos confrontados com diversas situações que impactam a nossa estrutura psicológica, seja por eventos externos que não controlamos ou até mesmo por eventos internos que criamos involuntariamente em idades muito precoces. Todos nós experienciamos e lidamos com acontecimentos que nos marcam inevitavelmente.
Muitas vezes seguimos um caminho que achamos mais fácil e, acabamos por esconder medos e inseguranças, utilizamos o trabalho, a família, a relação amorosa ou outro motivo qualquer para justificar o mau estar que sentimentos internamente e sem saber vamos agravando a situação.

Estar disponível para analisar e compreender o próprio funcionamento psicológico com um terapeuta pressupõe uma capacidade de olhar para si sem receio daquilo que se vai encontrar ou descobrir. Conseguir ver não só as partes boas como também as partes menos boas e constatar que também somos imperfeitos implica uma capacidade extra de recursos mentais.   

Fazer psicoterapia significa reconhecer e aceitar as fraquezas que habitualmente surgem acompanhadas de falhas e feridas internas

É neste processo de reconhecimento e compreensão que nos vamos permitindo a pensar e consequentemente a resolver questões profundas. Quando paramos para analisar e através da fala, vamos dando sentindo à nossa história, aumentamos a nossa capacidade de integração psíquica que conduz a um funcionamento psicológico mais adequado.


Todos temos sintomas, angústias e sentimentos que camuflamos de forma mais ou menos adaptativa. Quanto mais inflexível é este movimento defensivo, mais longe nos colocamos da nossa autenticidade e mais sofrimento suportamos.  Durante o processo psicoterapêutico há lugar para tudo e tudo é pensado: acontecimentos de vida, atitudes expressas, sentimentos de desvalorização, modo como nos posicionamos nos relacionamentos, entre outros. Estes fatores são transpostos para uma perspetiva diferente e questionados de uma nova forma com vista à sua compreensão. Assim, passa a ser possível entender como as emoções anteriores reprimidas afetam a tomada de decisões, o comportamento e os relacionamentos atuais. É através deste novo pensar que o conhecimento sobre si próprio aumenta e a mudança vai acontecendo.


A psicoterapia não trata somente de patologias psicológicas, ela também age no autoconhecimento e consequentemente no bem-estar psíquico. Sentirmo-nos bem emocionalmente influencia não só a nossa saúde física como melhora as experiências e os relacionamentos interpessoais, atuando simultaneamente na prevenção e manutenção da saúde mental.

Soluções milagrosas não há, mas fazer psicoterapia é uma atitude saudável e isso, é de gente com bravura!






 



terça-feira, 28 de maio de 2019

À volta da cintura...






Quem treina em ginásio, já viu de certeza alguém a utilizar cintos de treino à volta da cintura, independentemente do contexto e do exercício.

A evidência científica já tem bem documentado, que o recurso externo a este tipo de cintos, provoca uma menor co-contração de toda a musculatura abdominal, nomeadamente da musculatura profunda e da zona lombar. A utilização abusiva deste tipo de cintos, pode levar a uma alteração do padrão de movimento, assim como, desequilíbrios musculares e aumento de lesões. A menor funcionalidade de toda esta musculatura, fará com que a ativação abdominal e lombar não se faça de modo eficiente em atividades diárias e do quotidiano.

Em casos pontuais, por exemplo em exercícios com cargas máximas, este tipo de cintos pode ajudar a alguma estabilização, tendo sempre em atenção que o cinto estará apertado o suficiente, mas não demasiado, para possibilitar uma adequada respiração.


Bons treinos
Hugo Silva


Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre



quinta-feira, 23 de maio de 2019

E se for o corpo a alertar a mente?




Nós temos a incrível capacidade de transmitir informações para nós próprios, mesmo sem nos apercebermos imediatamente disso! Hoje falo de quando é o corpo que chama a atenção da mente, quando o corpo nos oferece sinais de que algo não está bem. Estes pequenos grandes sinais têm o nome de sintomas, por vezes doenças, psicossomáticos.

São sintomas que podem surgir das mais diversas formas, e que têm como consequência a idas constante às urgências, a procura sucessiva de médicos de quase todas as especialidades (ou todas), sem que nenhuma resposta seja de facto satisfatória, sem que de facto seja uma verdadeira resposta à pergunta “o que é que se passa comigo?”, nada justifica em termos médicos os sintomas que insistem em aparecer…

Depois acaba por surgir a opinião do outro, que muitas vezes vem como crítica mascarada: “já estás outra vez doente?”, “vais outra vez ao médico?”, “isso é tudo da tua cabeça”. E será que estas críticas, esta desvalorização dos sintomas, não faz com que eles tenham maior intensidade? Daqui vem, inevitavelmente a dúvida do próprio: “será que têm razão? Que é mesmo tudo da minha cabeça?”, “mas eu sinto que não estou bem…”. Mas não está tudo bem, só não existe nenhuma explicação médica, que é o que se espera quando o sintoma vem do corpo. Mas existe um motivo psicológico, existem as emoções, as emoções reprimidas, o sofrimento emocional, que está a fornecer estímulos ao corpo que responde com sintomas físicos como pedido de ajuda. E são estes pedidos de ajuda que levam a pessoa a procurar o apoio psicoterapêutico, e é aqui que se chega à conclusão que o gatilho do sintoma é o sofrimento emocional.

Os sintomas psicossomáticos trazem com eles a angústia, e o primeiro passo envolve a aceitação de que estão associados ao estado emocional, que o mal-estar é interno e que pode estar relacionado com eventos traumáticos que gera a ansiedade manifestada inconscientemente no nosso corpo, e que existe um valor simbólico nessas manifestações que espera ser descoberto para abrir portas à possibilidade de reorganização do corpo e da mente.


É importante valorizar estes sintomas, é importante ouvir o nosso corpo, é importante aceitar o motivo de não estar “tudo bem” e pedir ajuda!





quinta-feira, 16 de maio de 2019

Psicoterapia: sessão a sessão, um pouco mais de compreensão...






No mal-estar psicológico, poderá ser difícil perceber a sua tonalidade emocional e expressão de significado. De facto, no contexto clínico -  e em particular, neste texto, no domínio da psicoterapia com adultos - muitas vezes, os pacientes relatam, inicialmente, que se sentem mal, mas pouco conseguem descrever como é esse sentir, de que tipo e que pensamentos estão associados. Nestes casos, a psicoterapia, numa vertente claramente compreensiva, poderá proporcionar, gradualmente, um aumento de clareza ao nível da identificação das emoções e a sua articulação com os pensamentos. A compreensão crescente sobre o mundo interno trará, assim, uma maior sensação de harmonia ao fluir vivencial, dado que cada «nota» de emoção será melhor escutada, contida e percebida pelos processos de pensamento.

Naturalmente, o mundo interno vive em relação dinâmica com o mundo externo, onde se enquadram os comportamentos, acontecimentos de vida e a prática das relações interpessoais. A compreensão deste balanceamento sistemático, entre o interior e o exterior, nomeadamente das suas dinâmicas de inter-influência, é algo a explorar e, em grande medida, a exercitar com os pacientes, para que tais significados se desenvolvam e se tornem mais presentes, conscientemente, nas várias dimensões de vida. Deste modo, não se evitará que o mal-estar psicológico possa voltar, mas, sem dúvida, que se estará muito melhor preparado para o identificar, acolher e transformar.

Todavia, importa frisar que o psicoterapeuta não tem, por si só, o poder de transformar as vidas dos seus pacientes. E essa "falha" é talvez a sua maior virtude, desde que a aceite e se lembre dela! De outro modo, acreditar que se consegue mudar os outros, sem a sua participação e vontade conscientes, é, não só uma ilusão, mas também um grande desrespeito pelos mundos próprios e competências dessas pessoas. Na realidade, os psicoterapeutas não são uma espécie de mágicos, super-heróis ou salvadores que transformam as vidas dos pacientes. De facto, não servem para isso, não só porque não têm essas características milagrosas, mas também porque cultivam, nas suas práticas profissionais, o respeito  pelas livres e responsáveis decisões de vida das pessoas.

Assim, é a (boa) relaçãoterapêutica que é facilitadora do desenvolvimento do paciente - naquilo que, profundamente, lhe fizer sentido na sua vida - e, para tal, o psicoterapeuta,para além de estar consciente e empenhado no bom exercício do seu específico papel relacional, necessita da colaboração, pelo menos mínima, do paciente. A motivação suficiente da pessoa que é acompanhada num processo psicoterapêutico, com tudo o que isso implica, nomeadamente ao nível do compromisso inerente, custos económicos e de tempo, é tipicamente algo a ser esclarecido e, eventualmente, consolidado para que se desenvolva uma aliança terapêutica suficientemente firme e favorável à prossecução dos objectivospsicoterapêuticos.

Por conseguinte, existindo as condições mínimas necessárias, a psicoterapia poderá seguir o seu curso natural proporcionado pela aliança terapêutica e, nessa medida, sessão a sessão, poderá se alcançar um pouco mais de compreensão, de (re)descoberta do paciente na relação consigo próprio, com o psicoterapeuta, com os outros e, por extensão, com a própria vida. 






terça-feira, 14 de maio de 2019

A lei ao serviço da saúde/exercício físico...






Uma das associações ligadas à indústria do exercício físico, a Associação Portuguesa de Técnicos de Exercício Físico (APTEF) pediu um parecer jurídico a uma sociedade de advogados, de forma a perceber a hipótese de colocar os serviços de exercício físico ao mesmo nível de estabelecimentos de saúde e a atividade destes profissionais à dos paramédicos a nível fiscal. O que se pretende, é que a prestação deste tipo de serviços possa ser igualmente isenta de IVA.  

Para o cliente/sócio de ginásio, esta medida visa reduzir o valor do iva cobrado nos serviços de fitness e exercício, diminuindo por conseguinte, o valor pago mensalmente e dedução em sede de IRS.

A Associação Portuguesa de Técnicos de Exercício Físico (APTEF), acredita que os profissionais de exercício físico, podem estar equiparados fiscalmente aos paramédicos, porque atuam ao nível da promoção da saúde. Hoje o profissional de saúde já não está apenas confinado ao ginásio, mas trabalha em clínicas, empresas, câmaras municipais, ao domicílio, etc.

Por lei, o Técnico de Exercício Físico e da Saúde tem de ser licenciado e/ou ter uma cédula profissional, o que deverá criar uma responsabilização maior e a promoção da saúde e bem-estar.

O cuidado pela saúde é um bem essencial e a promoção do exercício físico deve ser visto pela sociedade civil e não só, como um coadjuvante para a manutenção dessa mesma saúde.


Bons treinos



Instagram: hugo_silva_coach
-Licenciatura Educação Física/Especialização Treino Personalizado
-Pós-Graduação em Marketing do Fitness 
-Pós-Graduando em Strength and Conditioning
-Director Técnico ginásio Lisboa Racket Centre





quinta-feira, 9 de maio de 2019

A propósito da repetição…





          Ainda a tempo de celebrar Freud, face ao aniversário recente do seu nascimento, impõe-se recordar mais um dos seus inumeráveis contributos para a Psicanálise. Bem mais de um século volvido após os seus primeiros trabalhos, o fenómeno da repetição e particularmente da compulsão a repetir (ou à repetição) gera, ainda hoje, discórdia entre autores e correntes teóricas, sobretudo quanto à sua importância teórica e clínica.

            Em “Recordar, repetir e elaborar” Freud articula a compulsão a repetir com a transferência e a resistência. O autor refere mesmo que “logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição” e coloca a repetição, num primeiro momento, ao lado da resistência, dizendo que o paciente repete ao invés de recordar, e que, quanto maior for a resistência, mais a actuação (repetição) substituirá o recordar. Neste sentido, se a transferência é a repetição na análise, ela é-o, não porque são reproduzidos factos reais vividos pelo paciente, mas sim porque estes são actualizados e tomam sentido na relação com o analista. A repetição é tomada, inicialmente, então, sob um aspecto negativo, como sendo um exemplo de resistência, para, num segundo tempo, ser considerada como o fundamento da transferência. É, então, pelo manejo da transferência e pela posição que esta lhe confere, que o analista pode isolar a repetição na transferência e propiciar ao paciente a entrada na neurose de transferência. Assim, seria entre a transferência e a compulsão a repetir que se centraria o espaço do processo psicanalítico, no qual a transferência procura articular a repetição na neurose de transferência, remetendo-o à simbolização. Por esta altura da evolução da teoria freudiana a repetição era encarada numa dupla perspectiva, i.e. como retorno do recalcado e como compulsão a repetir. Contudo e porque nessa época o campo epistémico da psicanálise era enriquecido a todo o momento, a compulsão a repetir viria a estar passados alguns anos, na génese de uma das questões mais polémicas da metapsicologia; questão polémica que, de resto, ainda hoje se mantém bem acesa.

          A edição em 1920 de “Para Além do Princípio do Prazer” e a introdução da segunda teoria pulsional conduzem Freud a novas reflexões. À já dificuldade em enquadrar processos das neuroses traumáticas (sonhos, reviver desensações, etc.) ou o jogo do fort-da na trilha exclusiva do princípio do prazer, agregava-se agora a questão da transferência. Quando o autor se debruça de novo sobre a transferência, a mudança de paradigma começa a operar-se na totalidade. É, aliás, a respeito desta, que Freud alude, pela primeira vez, à compulsão a repetir; i.e., “experiências reprimidas, das quais o “enfermo” não se pode recordar, acabam sendo repetidas como vivências actuais na situação analítica, após a repressão ter sido um pouco atenuada (…) [essa] repressão, assim como a resistência (…) pode ser compreendida como estando ao serviço do princípio do prazer” (aspas nossas). Ainda segundo o autor, “algumas repetições transferenciais seriam facilmente conciliáveis com o princípio do prazer (…) [ou seja] aquelas cuja satisfação representa um prazer para o sistema inconsciente e, ao mesmo tempo, um desprazer para o pré-consciente”. No entanto, existiriam outras que não podem ser compreendidas dessa forma. Freud registou que “a compulsão de repetição também traz de volta aquelas vivências do passado que não contêm nenhuma possibilidade de prazer, que tampouco naquele tempo puderam trazer satisfações, nem mesmo das moções pulsionais desde então reprimidas. (…) [e por tal se verificar] devemos ter coragem de supor, que existe realmente na vida psíquica uma compulsão a repetir, que se sobrepõe ao princípio do prazer (…) [à qual atribuiremos também] os sonhos dos que padecem de neurose traumática e o impulso para o jogo da criança”. É nesta altura e com base nestes dados, que Freud opta por enquadrar a compulsão a repetir na hegemonia de uma nova “força”, que traz uma nova dinâmica à teoria pulsional: a pulsão de morte - ou thanatos. Sintetizando, a pulsão de vida possuiria o objectivo da ligação libidinal, orientaria os laços entre o psiquismo, o corpo, as instâncias internas, os seres e as coisas do ambiente e por isso tenderia a garantir a coesão entre as diferentes partes do mundo (organicidade). Já a pulsão de morte objectivaria o desligamento, o desprendimento da ligação libidinosa e o retorno a um estado de tensão zero; ambicionaria a um repouso total, ao silêncio enfim.

          Em escritos posteriores a “Além do princípio de prazer”, como, por exemplo, “Observações sobre a teoria e prática da interpretação de sonhos” e “Inibições, sintomas e ansiedade”, Freud tece mais algumas considerações acerca da compulsão a repetir. No primeiro texto, o autor afirma que a transferência positiva é o que dá assistência à compulsão a repetir na “luta” desta última em superar o recalcamento; e só após o trabalho do tratamento, sob a influência da transferência positiva, ter afrouxado um pouco o recalque é que a compulsão a repetir pode mostrar sua força. Já no segundo texto, Freud fala sobre a relação da resistência com a repetição. Primeiramente, retoma o que havia afirmado em “Oego e o id”, ou seja, que a maioria das resistências que têm de ser vencidas durante a análise provém do eu. Depois, fala ainda da existência de uma resistência do inconsciente, que se manifesta sob a forma da compulsão a repetir: “pode ser que depois de a resistência do ego ter sido removida, o poder da compulsão a repetir – a atracção exercida pelos protótipos inconscientes sobre o processo instintivo reprimido – ainda tenha de ser superado. Nada há a dizer contra descrever esse factor como a resistência do inconsciente”. Com esta afirmação, Freud acaba por, de certa forma, reformular o que havia afirmado em “Para Além do Princípio do Prazer”, quando nesse trabalho referiu que não existiria uma resistência do inconsciente, mas sim uma resistência inconsciente ligada ao eu. Mas é em “O problema económico do masoquismo”, porém, que se encontram as contribuições freudianas mais substanciais acerca da compulsão a repetir, após o trabalho “Para Além do Princípio do Prazer”. Nesse ensaio, Freud articula a compulsão a repetir com o masoquismo, salientando que este último possui a mesma face demoníaca da compulsão a repetir: primeiro, por ser uma expressão da pulsão de morte, e, segundo, porque carrega, sobretudo no masoquismo moral, a permanência de um sofrimento que parece advir de uma força demoníaca do destino. Estas observações também possibilitam interpretar a compulsão a repetir como sendo uma forma de actualização do evento traumático. Ora, se no masoquismo moral, essa força é o último recurso de representação do poder, que exige a renúncia à satisfação pulsional, já na compulsão a repetir, o destino mostra-se sob a forma do acaso, por meio das circunstâncias que permitem e reforçam a repetição.

          Realce-se que esta introdução de uma pulsão contrária à vida e à líbido é ainda hoje um dos temas mais controversos da doutrina analítica. De resto, diversos autores se mostraram e mostram contra esta alteração na metapsicologia, levada a cabo pelo seu próprio fundador. Alguns referem-se à criação da noção da pulsão de morte como exactamente isso - uma criação de índole meramente teórica, impulsionada pela necessidade de explicar o que Freud considerou ser um transbordamento dos fenómenos de repetição, em relação ao domínio do princípio do prazer; precisando assim de uma unidade livre de contradições que não requeresse ligar elementos isolados uns dos outros (portanto, abstracções) numa totalidade funcional. Coimbra de Matos, por exemplo, a propósito da compulsão a repetir, refere que “considerá-la apenas no pólo pulsional consiste em persistir no reducionismo da vida psíquica à pressão do instinto (…) bem como explicá-lo simplesmente por um mecanismo pseudo-adaptativo do Eu – necessidade de maîtrise [de domínio] – é ver somente o mecanismo defensivo, em face da impossibilidade de fazer concordar a necessidade instintiva de oferta da realidade (…) fazer intervir a existência de uma pulsão de morte como instinto básico que se oporia à força expansiva da líbido – nas suas vertentes narcísica e objectal – é recuar a uma mitologia dos instintos, negando o verdadeiro conflito sujeito-objecto”. Outros ainda, tal como Klein, Kernberg, Bergeret, Green, Grotstein, etc., alicerçaram algumas das suas propostas a partir da formulação pulsional dualista, ou mesmo variações desta.

          Pensamos, quiçá, numa posição ponderada e não extremada. Aliás, não é o facto da pulsão de morte surgir não “de uma meditação a priori mas (…) como resultado de uma série de exigências lógicas e procedentes de observações clínicas [ou seja, de certas expressões da compulsão a repetir]”,  como referiu Bergeret, que retira a validade epistémica ao constructo que representa, desde aí, a face negra das pulsões humanas. De resto, esta é uma discussão que extravasa significativamente os limites da teoria psicanalítica, situando-se mormente ao nível da filosofia e em particular no plano ontológico. Todavia, muito há ainda a discutir; e daí, que o empirismo provindo do setting terapêutico jogue uma “cartada forte” e preponderante nessa mesma discussão.

          Finalizamos voltando à repetição e à transferência. Importa dizer que seja qual for a nossa posição e, outrossim, a posição que queiramos atribuir à compulsão a repetir na teoria pulsional, é inexorável a sua posição de relevo na epistemologia psicanalítica. Até porque, recordando novamente palavras Coimbra de Matos, “a compulsão a repetir – na vida quotidiana e na transferência analítica – é um dos mais importantes núcleos patológicos e patogénicos da neurose clínica e da neurose de transferência”. 

          Resta frisar que, se é verdade que a teoria e técnica psicanalítica muito mudaram desde as primeiras obras de Freud, o horizonte por ele rasgado mantém-se limite aberto para a Psicanálise e a marca indelével por ele deixada, como a sua eterna matriz.


Dr. Pedro Rodrigues Anjos



           


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Amar é um Processo de Aprendizagem...







A maioria da procura, para o apoio psicoterapêutico, parte devido a relações disfuncionais que causaram sofrimento nos pacientes. Às vezes questionamos porque, para uns amar é simples e fluido, apesar de alguns desafios e, para outros, é um susto, uma preocupação, uma confusão, uma incoerência? Assim temos pessoas capazes de crescer e evoluir nas relações e, outras, que vão somando desilusões que são difíceis de resolver.

O amor saudável aprende-se desde pequenino, tal como se aprende a falar, a andar e, também, vamos aprendendo, o que é isto de estar numa relação com os outros especiais, na nossa vida. O que é que isso implica? Como é que os nossos pais nos colocaram na relação? A forma como, os mais significativos, pensaram em nós e como nos trataram, vai influenciar todos os relacionamentos futuros, assim como, a saúde psicológica de cada um.
Ao longo do desenvolvimento da criança organiza-se um processo mental sobre o que esperar dos comportamentos dos mais familiares, normalmente mãe, pai, avós, denomina-se de vinculação, sentido de pertença e de segurança. As figuras centrais que estão maioritariamente com a criança, principalmente nos primeiros três anos de vida, vão criar dinâmicas relacionais que irão moldar o sentido de identidade, segurança e de amor-próprio na criança, bem como no futuro adulto.

As expetativas que os pais desenvolvem, mesmo antes do nascimento do bebe, vão criar um ninho psicológico onde o mesmo se irá adaptar. A criança procura sempre se adequar às expetativas dos pais, quer sejam, positivas, negativas, conscientes, inconscientes. Por exemplo, se os pais assumirem a crença de que as crianças são difíceis e que o filho\a é difícil e tem mau feitio, o mais certo é essa criança desenvolver essas mesmas características. Quanto mais vincado, consistente e frequente for o sentimento\crença mais a criança irá assumir comportamentos semelhantes que se coadunam com o que esperam dela, isto porque, os pais são como um espelho onde o bebe\criança se pode ver refletido e, assim, construir a sua própria identidade. O que as figuras de vinculação sentem que são (essencialmente boas pessoas, imperfeitos, mas conscientes, resilientes e positivos) é o que vão transmitir tendo consciência ou não aos seus filhos, sem pensar muito no assunto. Assim sendo quando as figuras centrais de vinculação estão bem nutridas, com uma boa auto-estima, tem auto conhecimento, consciência das suas vulnerabilidades e trabalham no sentido de promoverem a melhor parentalidade que é possível, normalmente irão desenvolver crianças mais inteligentes emocionais e mais flexíveis, no que concerne a adaptabilidade emocional e a regulação da frustração. Não se trata de perfeição, pais perfeitos, trata-se de capacidade de analise e procura de dar o nosso melhor nas relações, mesmo sabendo que vão existir falhas e momentos menos bons. Neste sentido quanto mais forem capazes de lidar com as suas próprias frustrações, conseguirem ser resilientes e otimistas, mais os filhos vão se desenvolver tendo por base estas formas de funcionamento psicológico.

Por este meio vão aprender, já em adultos, que amar de forma saudável implica maturidade, auto-estima, flexibilidade, tolerância, capacidade de co-construção, noção de que é necessário tempo para criar intimidade emocional e, principalmente, empatia para respeitar o espaço e a identidade do outro.

Para amar é preciso coragem e auto-estima e não existe amor sem reciprocidade. O amor real é, sempre, reciproco. Resulta de um dar e receber que é espontâneo e natural, em duas pessoas inteiras que se comprometem em construir além dos seus estados de espirito. Como é óbvio não é possível estar em permanente modo de enamoramento e paixão, vão existir períodos de cansaço, zanga, exaustão, por vários motivos, mas a ligação emocional, essencialmente boa mantem-se, por isso a relação continua com base no cuidado e na procura conjunta de evoluir com a relação através da criatividade.

Por vezes, as pessoas só concebem um amor tóxico que apenas leva ao sofrimento, na medida em que lhes é familiar, está no seu modelo de vinculação insegura é o que estão habituados.
Como pode uma pessoa com vinculação insegura e baixa-auto-estima desenvolver relações gratificantes e positivas? Isso depende da sua capacidade de análise, resiliência, sendo que a melhor forma de trabalhar esse autoconhecimento, essencial para quebrar padrões e promover a mudança, é através da psicoterapia, de relações promotoras de amor e de aceitação.



Canto da Psicologia
Mafalda Leite Borges