sexta-feira, 1 de novembro de 2013



Dia 30 de Outubro

Ainda que dividida, senti que devia rabiscar por aqui qualquer coisa hoje. Afinal, é dia de sessão e não deixa de ser uma forma de me antecipar… Talvez à própria dor, à dor que me invade quando toco nas coisas que me magoam, que não entendo, que me confundem e que, sobretudo, me provocam uma reviravolta interior ao simples toque da palavra da psicóloga. (De repente, quero fugir a isso tudo. Mas há qualquer coisa que me empurra para esta folha.)

As últimas sessões têm sido difíceis. As confrontações (ou interpretações, como insiste em chamar-lhes…), as incertezas, a angústia imensa que juntar todas estas coisas me desperta, faz-me querer desistir. Desistir de escrever aqui, de ir lá semana após semana ou mesmo do próprio processo, porque é demasiado pesado sentir-me uma constelação de asteriscos e pontos de interrogação, aos quais não me sinto capaz de dar forma! Eu, que sempre tive tudo tão arrumado! Ou, pelo menos, achava! Mas não vale mais às vezes vivermos até numa certa ignorância? É que isto é tão duro e dói-me tanto… Porque, de repente, põe-me de frente com sentimentos, emoções, que desconhecia.

Eu, a Madalena híper-controlada, boa menina, exímia profissional, que não desaponta, que faz o que os outros desejam… Eu, a Madalena fada-do-lar, que organiza a semana dos miúdos e do marido, que, no limite, até a mala lhe faz quando ele se vai embora!! Eu, esta Madalena que às vezes me cansa e que me irrita, mas que não sabe ser, nem viver de outra forma!! E voltam-me as palavras da terapeuta sobre a minha possível desresponsabilização, sobre a forma como me escudo nos outros, para me proteger… Mas de quê? Não sei responder.

Será que me vitimizo? Talvez. Mas, o meu marido não deixa de ser aquele que progride, que evolui na sua fabulosa carreira e eu sou a que tem ficado para trás, porque não sou apenas uma carreira, sou uma mãe e a casa inteira onde a nossa família habita. E gerir tudo não é fácil… Porque para ele progredir, há quem tenha que ficar com os miúdos! Isto, afinal, não é suposto mexer comigo? Fazer-me até sentir revoltada com este marido que eu olho agora como um egoísta? Sim, um egoísta! Quando é que ele parou para pensar em mim e no extremo cansaço que sinto? Despede-se com um beijo e olha de soslaio a mala, elogiando a minha extrema organização num gesto de “quem era eu sem ti”, mas que vem mascarado, pelo menos na forma como me faz sentir, naquele festinha do pai que diz “linda menina” depois de um bom resultado escolar.

E é isto que sinto, “um linda menina” que se tem eternizado pelos meus 40 anos, escondido nos elogios que recebo, mas que no fundo está sempre lá, a menina-bonita que não desaponta os outros… Mas que se esquece de si!

- Bom dia, Madalena!

E venho, talvez um pouco mais leve, porque hoje, pelo menos, dei nome a alguns destes asteriscos. De uma forma sentida, magoada, entre lágrimas e lenços, mas foi possível revisitar esse lugar de menina-bonita que se anula… De há tantos anos para cá! E este marido, que como o meu pai, parece cultivar este meu lado… Mas, como me dizia a terapeuta, “Esta Madalena que parece procurar relações nas quais se possa sentir a menina-bonita, talvez pelo medo de descobrir um lado mais feio com o qual não se quer confrontrar…”.

Bem, mas não é isso que tem acontecido? Pelo menos, nesta nova forma de relação.



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