quinta-feira, 29 de julho de 2021

O óculo das redes sociais...

 



Foi na passada semana que a Ordem dos Psicólogos Portugueses abordou o tema body shaming que, tal como foi descrita, “é uma forma de agressão que envolve criticar ou humilhar alguém através de comentários negativos e depreciativos acerca do corpo ou aparência física”. Este é um tema que está presente nas vidas de todos nós, direta ou indiretamente, seja porque nós próprios somos/fomos atingidos por este “fenómeno”, seja porque conhecemos familiares ou amigos que o foram ou continuam a ser. Fenómeno este que aumentou, e continua a aumentar, com a chegada das redes sociais que também, mais uma vez de forma direta ou indireta, estamos todos envolvidos, alguns mais, outros menos. Fenómeno este que é feito através da crítica a outra(s) pessoa(s), mas também da autocrítica.

Foi neste sentido e pegando neste tema, que achei importante abordar a influência (negativa) que as redes sociais podem ter nas nossas vidas e que vai, infelizmente, muito além de “apenas” body shaming. As redes sociais dão-nos, diariamente, informações sobre o estilo de vida de outras pessoas, sobre o corpo de outras pessoas, sobre viagens de outras pessoas, sobre férias de outra pessoas, sobre as condições financeiras de outras pessoas, sobre a vida amorosa de outras pessoas, sobre tudo (e sobre nada) de outras pessoas… por isso achei importante aprofundar, pensar além de “apenas” a críticas/humilhações físicas que acontecem (dentro e fora das redes sociais, mas que as redes sociais vieram facilitar).

Se a questão está nas partilhas que são feitas nas redes sociais? Provavelmente não, pelo menos não só. Está, em parte, na forma como quem vê interpreta o que vê e em como isso atinge inconscientemente o modo como se veem a si próprios, à forma inconsciente como começam a questionar o seu eu, à forma inconsciente em como vão pondo em causa se tudo o que são ou que estão a fazer é suficiente, à forma inconsciente em como vão querendo a vida de outras pessoas, que não a delas. Seja isso em termos físicos, seja por tudo o resto que veem no outro, que gostavam de ter e que interiorizam que precisam de ter…

Por vezes, é possível, de forma racional, perceber e pensar que nem tudo o que se vê e nos é apresentado nas redes sociais é verdadeiro, pelo menos não totalmente verdadeiro… Mas, e quando o racional fica de parte? Quando o inconsciente é mais forte do que o racional? Entraram os medos, a baixa de autoestima, o aumento de dúvidas internas que já existiam (mas que podiam estar adormecidas) e o aparecimento de outras que nunca tinham sido ponderadas, mas que as redes sociais “fazem” com que seja mais uma questão a pensar, mais uma dúvida que surge em relação à vida que se está a ter. Se pensarmos com o nosso lado racional podemos conseguir questionar: “Estará esta pessoal realmente feliz como parece estar? Será realmente este corpo como mostra? Será esta vida tão ideal como parece?”. Mas, o outro lado, o lado dos medos, das dúvidas, o lado inconsciente, também nos faz questionar: “também devia fazer algo para mudar o meu corpo, porque é que o meu corpo não é assim? Também devia ter um trabalho assim, porque é que não tenho? Também devia conseguir ir viajar, porque é que não posso? Também devia ter a família perfeita, porque é que não tenho? Também devia estar sempre feliz, porque é que não estou? Também devia ter mais vida social, porque é que não tenho?”. É tudo isto que leva a que a pessoa entre num ciclo de querer atingir o que muitas vezes é inatingível, o que leva a uma frustração constante e, por consequência, a um estado incontrolável de ansiedade.

Com tudo isto, com todas a possíveis consequências negativas que a forma como vivemos as redes sociais nos podem trazer, importa também pensar no impacto que tem nas crianças que cada vez menos brincam (algo tão importante para a construção e desenvolvimento) e que cada vez mais cedo ocupam o seu tempo nas redes sociais, a compararem-se cada vez mais cedo com as figuras que aí veem e acabam por idolatrar e querer copiar. E os adolescentes? Numa das mais importantes fases do desenvolvimento, momento de construção da personalidade e que, cada vez mais, se comparam com figuras pouco realistas, que colocam uma pressão ainda maior no que o outro diz e no que o outro pensa, mais do que já seria natural nestas idades…

Por tudo o que foi possível aqui deixar escrito, apesar de ser um tema que poderia ser estendido por páginas e páginas de escrita, fica claro que é um assunto que todos nós deveríamos “perder” algum tempo a pensar, tanto no impacto que tem para nós individualmente, para os nossos familiares e amigos, mas também para o desenvolvimento da sociedade em geral.

Todos nós temos o nosso tempo, o nosso caminho, as nossas vivências e tudo isso é algo tão individual que não deve ser comparado com o outro, devemos atingir os nossos objetivos porque são nossos e não do outro, no nosso próprio tempo, construindo o nosso próprio caminho.

 

 

Drª Rita Rana - Lisboa

O Canto da Psicologia


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